Declarar o património e os rendimentos auferidos nunca parece ter sido um problema para os presidentes da Caixa Geral de Depósitos (CGD) nos últimos 20 anos. Ao contrário do atual presidente — António Domingues e da sua equipa –, os seis administradores que lideraram o banco público entregaram declarações, consultadas pelo Observador, no Tribunal Constitucional, tanto no início, como no final do mandato. Ações, carros (e uma mota), Planos de Poupança e Reforma, contas a prazo e outras aplicações financeiras estão entre as informações tornadas públicas pelos antigos gestores.

A entrega ou não destas declarações — que tem alimentado uma permanente polémica política nas últimas semanas –, pode pôr em risco a continuação da atual administração da Caixa Geral de Depósitos no caso de se recusar a cumprir a notificação do Tribunal Constitucional. Tudo porque António Domingues e a sua equipa sabiam estar fora da alçada do Estatuto do Gestor Público — o que o Governo lhes garantiu, criando uma exceção legal à medida — mas entendiam estar igualmente fora do alcance lei do controlo público da riqueza dos titulares de cargos públicos (que durante esta discussão ficou conhecida como a lei de 1983). Os administradores da CGD preferiam continuar a viver com as regras dos bancos privados sem estarem sujeitos ao escrutínio por gerirem um banco 100% público, que os obriga a mostrar todo o seu património, consultável por qualquer cidadão no Tribunal Constitucional: valores nas contas, poupanças, carteiras de ações, casas, carros ou barcos, etc. Segundo a nota do Presidente da República sobre o tema e que precipitou todo este processo, o que está em causa é o seguinte:

[A] necessidade de transparência, que permita comparar rendimentos e património à partida e à chegada, isto é, no início e no termo do mandato, com a formalização perante o Tribunal Constitucional, imposta pela administração do dinheiro público”.

Tal como aferir a riqueza pessoal dos administradores de empresas públicas, este escrutínio permite da mesma forma identificar potencial conflitos de interesses dos gestores, como participações em empresas concorrentes ou em grandes depositantes, por exemplo.

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Recuando duas décadas, João Salgueiro, que liderou a CGD entre 1996 e 2000, declarou rendimentos anuais ainda em escudos (15.757.134$00, que correspondiam, nessa época, a cerca de 80 mil euros). António de Sousa, que ocupou o cargo entre 2000 e 2004, declarou como rendimentos (anuais) 539.858 euros de trabalho dependente e 5.388 euros de rendimento independente. A estes montantes ainda juntou um valor de 132.773 euros em pensões. Na mesma linha, Vítor Martins, o presidente que se seguiu (de 1 de outubro de 2004 a 1 de agosto de 2005) declarou ter recebido 151.253 euros de trabalho independente, 28.197 euros de rendimentos capitais e pensões no valor de 13.409 euros.

Quanto a Fernando Faria de Oliveira, presidente da CGD entre 2008 e 2011, declarou de rendimentos na última declaração entregue ao TC (já como chairman e não presidente executivo) de 261.670 euros de trabalho dependente, 28.418 euros de pensões e ainda 55.970 euros em “outros rendimentos”. Também José de Matos, presidente da CGD entre julho de 2011 e agosto de 2016, declarou ter recebido 233.653 euros em 2015.

De ações do Benfica a contas noutros bancos

Mas, sendo homens de negócios da área financeira, a parte mais preenchida das declarações é, sem surpresa, a referente às ações, carteiras de títulos e investimentos similares. Carlos Santos Ferreira, que liderou os destinos do banco público entre 2004 e 2008, declarou ser detentor de 50% de uma sociedade de audiovisuais em liquidação, 50% de uma consultora, 100 ações da Estoril-Sol (no valor de 500 euros) e 100 ações do Sport Lisboa e Benfica (também no valor de 500 euros). A lista era maior em carteiras de títulos, que incluíam 24.400 ações da EDP (valor nominal de um euro), 20.000 certificados de aforro, quatro carteiras de títulos no Santander (que totalizavam 195,2 mil euros) e 128.428 euros investidos no Fundimo CGD-UP. No grupo que liderava, Santos Ferreira tinha ainda um plano Caixa Gest no valor de 5.841 euros e dois PPR Mundial-Confiança no valor de 16.552 euros cada.

As contas e planos de reformas de Carlos Santos Ferreira também estavam, no entanto, dispersos por outros bancos: um depósito a prazo no banco BIG no valor de 55.750 euros, aos quais se juntavam 57.188 euros aplicados no BIG Gestão Optimus, dois PPR no BCP (banco que liderou posteriormente) no valor de 27.385 euros, um depósito a prazo de 50 mil euros também no BCP e ainda dois planos a rondar os 10 mil euros no Montepio Geral.

Também Fernando Faria de Oliveira tinha contas a prazo e à ordem noutros bancos de valores superiores aos que possuía na CGD. Além de um depósito de 100 mil euros a prazo e de 23.729 euros à ordem no banco público, era detentor de um depósito a prazo de 160 mil euros e de uma conta à ordem no valor de 56.291 euros no Santander. No braço da CGD em Espanha, Faria de Oliveira detinha igualmente duas contas com cerca de cinco mil euros. Declarou ainda ser detentor de outras participações como 490 ações da REN.

João Salgueiro, nos anos 90, também tinha diversas ações que iam desde a Compal à Lisnave, passando pela Vidago. Através do Banco Fomento e Exterior possuía ainda investimentos no BPI, na Corticeira Amorim, na Essi, na Sonae e em várias outras empresas.

Como contraponto às ações do Benfica de Santos Ferreira, Vítor Martins declarou ser detentor de 322 ações na Sporting, SAD, às quais se juntavam 765 na EDP, 2.767 no BCP Nom, 2.000 no BCP capital, 260 na Brisa e 14.400 na Parede. O presidente da CGD que teve menos de um ano na instituição. Possuía ainda várias obrigações, nas quais se destacavam 508,4 mil euros investidos no BES-Fundo Investimento.

Na mesma linha, António de Sousa declarou ações que detinha em carteiras de títulos no BCP e na CGD, que incluíam 800 ações na Portucel, 41 na Cimpor, 1.865 na EDP, 1.520 na Brisa, 1.676 na Portugal Telecom ou 555 no BCP, entre outras aplicações. Mantinha, também,uma conta com 267,4 mil euros na Caixa Geral de Depósitos. A maioria dos antigos presidentes da Caixa aplicava, da mesma forma, parte das suas poupanças em em certificados de Aforro, como era o caso de José de Matos que declarava, à época, 40,2 mil euros investidos no Tesouro.

A casa, o carro e a mota

Os últimos seis presidentes da Caixa Geral de Depósitos também foram obrigados, como manda a lei, a declarar o património imobiliário que detinham. João Salgueiro declarou ser proprietário de 1/6 de um prédio urbano em Lisboa e de outro em Albufeira. Carlos Santos Ferreira tinha duas casas em Lisboa, dois lugares de estacionamento, uma arrecadação e ainda outra casa em Colares (Sintra). Já Vítor Martins declarou ser detentor de um apartamento em Lisboa e outro em Cascais, enquanto António de Sousa disse ser dono de uma moradia em Lisboa e de um terreno de 3.500 m2 em Vila Real de Santo António, no Algarve.

José de Matos declarou ser dono de uma casa em Lisboa, outra em Mafra e de uma terceira em Vila Nova da Baronia (Alvito), enquanto Faria de Oliveira não tem qualquer casa em seu nome, mas declarou que a cônjuge é detentora de um apartamento em Cascais.

Os administradores declararam ainda a composição do seu parque automóvel. Salgueiro era proprietário de um Citroen BX e de um Audi 80 quando saiu da CGD, Faria de Oliveira tinha um Mercedes C-200 CDI, Vítor Martins conduzia um SAAB Aero, António de Sousa um Volkswagen Golf e um Mercedes Benz SLK-230, José de Matos um BMW 346 L3 e Carlos Santos Ferreira, além de dois carros (um Mercedes SLK 200 e um SAAB 9,5), declarou ainda ser dono de uma moto Suzuki 50 RMX.

Neste momento, o Tribunal Constitucional já enviou as notificações para os atuais administradores da Caixa Geral de Depósitos, que continuam a não responder, pairando a hipótese da atual administração pedir a renúncia do cargo. Já se falam até de substitutos para o presidente do banco público António Domingues. Tudo para evitar este tipo de escrutínio público.