Depois da ausência na última temporada, o FC Porto, uma das equipas com mais presenças de sempre na fase de grupos da Liga dos Campeões, teve um regresso em força à principal prova europeia. Até começou com um desaire em Manchester frente ao City que num outro contexto poderia não ter acontecido mas prosseguiu com dois triunfos assentes na melhor versão dos dragões na era Sérgio Conceição (o que não quer dizer necessariamente as melhores exibições na nota artística): uma atitude competente, uma equipa muito compacta, uma estratégia seguida à risca, um jogo com grande intensidade, um valor individual que serve sem se servir do coletivo. Foi essa a receita para a difícil vitória com o Olympiacos, foi essa a receita para o triunfo frente ao Marselha, teria de ser essa a receita para somar novo sucesso contra os franceses. No entanto, e como o próprio recordou, “o futebol é o momento”.

FC Porto vence em Marselha por 2-0 e fica a um ponto dos oitavos da Champions a duas jornadas do fim

“Ontem [segunda-feira] estava a ver um programa e questionavam o valor de Messi… Se fizermos um ou dois jogos maus, os treinadores têm as malas feitas par irem à sua vida e os jogadores começam a ouvir assobios, agora em casa e não no estádio. Por isso, é bom ter continuidade”, recordou o técnico dos azuis e brancos. E era aí que estava também a grande dúvida nos dragões em França: em que momento estava a equipa depois da paragem para jogos das seleções a que se seguiu o triunfo na Taça de Portugal com um onze novo? “Não espero muitas mudanças, nós gostamos de manter a linha quando as coisas correm bem. Não sei se terá alguma surpresa no aspeto tático, há alguma mudança no momento do FC Porto: encurtou a distância ao líder, teve a Taça, agora Champions. Continuo a vê-los competentes, com vontade enorme de ganhar”, antecipou o técnico homólogo, André Villas-Boas.

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Sem Pepe, Marcano e Uribe, ainda ou agora lesionados, era do “ADN Porto” que teria de nascer a força para chegar a um triunfo que deixaria a qualificação quase fechada, uma forma de ser que o agora treinador do Marselha sabe o que é e que vê em Sérgio Conceição. “Todo o treinador que é portista sente o clube de forma completamente diferente. Jogar no Dragão foi o momento pessoal mais difícil para mim, vivi o clube 24 horas por dia, conheço o meio, a exigência, as sensações. Sente-se à flor da pele. Quando um treinador com as qualidades humanas do Sérgio, portista também, tem essa capacidade de transcendência única, de representar o FC Porto junto dos jogadores, é uma vantagem, é por isso que é amado e defendido pelo presidente e espero que assim seja no futuro”, destacou na conferência de imprensa. Até porque, logo na Invicta, as coisas começaram a correr mal.

Apesar de ter reservado (e pago) a zona VIP do aeroporto, não só pelo contexto de pandemia para evitar grandes aglomerações mas também para evitar ao máximo o desgaste dos jogadores numa fase particularmente densa em termos competitivos, a comitiva teve de esperar em pé mais de uma hora porque a Autoridade Nacional de Aviação Civil esteve a fazer uma inspeção aos procedimentos de segurança. “Todos sabem como o presidente Pinto da Costa tem liderado contra este ataque ao futebol às custas da pandemia, esta é a resposta do Estado português. É mesmo contra tudo e contra todos. Ao FC Porto, as vitórias custam mesmo muito, é uma pena ter que defrontar os adversários e ainda ter que lutar contra o Estado”, comentou Francisco J. Marques, diretor de comunicação, no Porto Canal. “A viagem até começou mal porque se passaram coisas estranhíssimas. Se calhar, vamos ter de começar a viajar por Vigo, para evitar contratempos”, frisou o presidente, Pinto da Costa, ao Jogo.

Até pelas questões fora das quatro linhas havia uma resposta para dar, tendo o médio Sérgio Oliveira de novo como principal referência da equipa não só em termos coletivos mas também de liderança. “O momento dele faz parte do que tem sido a dinâmica da equipa titular, tem correspondido ao trabalho que lhe pedimos. Já trabalho com ele há alguns anos e sem dúvida nenhuma que hoje é um jogador completamente diferente. Está mais maduro e isso também o ajudou na evolução que teve. Hoje é um jogador mais completo para a equipa. A capacidade técnica é uma das características que definem um jogador, há outras que lhe dão outra dimensão. É um jogador que está bem”, destacou Sérgio Conceição sobre o jogador que esteve a seu lado na conferência de imprensa na véspera antes da notícia, já esta quarta-feira, da morte de Reinaldo Teles, aos 70 anos, vítima de Covid-19.

Morreu Reinaldo Teles, histórico dirigente do FC Porto e eterno braço direito de Pinto da Costa. Tinha 70 anos

O “Chefinho”, como também era conhecido no universo azul e branco (ou “tio”, neste caso mais pela claque dos Super Dragões), esteve pouco mais de um mês nos Cuidados Intensivos do Hospital de São João após ter contraído Covid-19 mas não resistiu, falecendo esta quarta-feira aos 70 anos. A notícia, ainda que aguardada por alguns tendo em conta a evolução da situação nos últimos dias, abalou a concentração portista num dia que ficaria mais tarde também marcado pela morte de Diego Armando Maradona. Não haveria melhor reação do que ganhar numa data que ficará para sempre na história dos dragões e do futebol mundial e Sérgio Oliveira, entre as grandes exibições de Zaidu, Sarr e Mbemba, acabou por ser mais uma vez o líder em campo de uma equipa que, à semelhança dos outros jogos na Champions, nem sempre teve nota artística mas foi mais competente em todos os momentos.

Ficha de jogo

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Marselha-FC Porto, 0-2

4.ª jornada do grupo C da Liga dos Campeões

Estádio Velódrome, em Marselha (França)

Árbitro: Andreas Ekberg (Suécia)

Marselha: Mandanda; Sakai, Álvaro González, Balerdi, Amavi; Kamara (Cuisance, 59′), Rongier, Sanson (Aké, 78′); Thauvin (Nagatomo, 78′), Germain (Payet, 59′) e Luís Henrique (Benedetto, 59′)

Suplentes não utilizados: Yohann Pelé, Vanni, Perrin, Caleta-Car, Strootman, Gueye e Khaoui

Treinador: André Villas-Boas

FC Porto: Marchesín; Wilso Manafá, Mbemba, Sarr, Zaidu; Grujic, Sérgio Oliveira (Loum, 90′); Corona (João Mário, 78′), Otávio, Luis Díaz (Nakajima, 79′) e Marega (Taremi, 78′)

Suplentes não utilizados: Diogo Costa, Diogo Leite, Nanu, Romário Baró, Fábio Vieira, Felipe Anderson, Evanilson e Toni Martínez

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Zaidu (39′) e Sérgio Oliveira (72′, g.p.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Balerdi (28′), Sanson (36′), Kamara (49′), Thauvin (54′), Grujic (58′ e 67′), Payet (85′) e Sérgio Oliveira (86′); cartão vermelho por acumulação a Grujic (67′) e Balerdi (70′)

Com apenas uma alteração em relação ao último onze da Champions, com a entrada de Grujic para o lugar de Uribe no meio-campo (o que permitia outra liberdade de movimentos a Sérgio Oliveira pelo corredor central), o FC Porto demorou a entrar em jogo e a ter posse no meio-campo dos franceses, que depois de duas ameaças de meia distância sem perigo para a baliza dos azuis e brancos criaram a primeira oportunidade num cabeceamento de Germain após livre lateral de Thauvin que Marchesín defendeu com dificuldade (15′). Todavia, e se é verdade que os dragões tinham dificuldades na posse e perdiam mais bolas do que é normal logo no primeiro terço (quase todas pelo lado de Zaidu), os visitados também não conseguiram ter mais ocasiões, num encontro que durante longos minutos foi disputado sem balizas com um resultado que no final não agradava a ninguém.

Aos poucos, o FC Porto começou a ligar passes. E estando em inferioridade numérica no meio-campo quando Otávio caía mais num dos flancos e o ala explorava o jogo interior (algo que Sérgio Oliveira foi equilibrando com o passar dos minutos), conseguiu ter mais capacidade de saída colocando a bola nos corredores laterais para chegar com mais efetividade ao último terço. Foi dessa forma que Zaidu, naquele que foi o primeiro remate dos azuis e brancos, obrigou Mandanda a defesa apertada. No seguimento do lance, os dragões ganharam um livre lateral que foi cortado do canto. No seguimento do canto, o golo: bola parada batida por Sérgio Oliveira com o efeito contrário a fugir da baliza, primeiro cabeceamento de Grujic a não ser intercetado para fora da área e Zaidu, à segunda, a inaugurar o marcador naquele que foi o primeiro golo na Champions e pelos dragões (39′). Num encontro com poucas oportunidades em 45 minutos, o FC Porto teve o mérito de aproveitar e esteve aí o seu ganho.

O Marselha, que na Ligue 1 pode chegar à liderança caso vença os jogos em atraso igualando o PSG mas que levava 12 derrotas consecutivas na Liga dos Campeões, não é uma má equipa. Longe disso. Está bem trabalhada, consegue mostrar princípios de jogo interessantes, tem jogadores que qualidade como Thauvin ou Germain. No entanto, tem um problema que Villas-Boas não conseguiu ainda resolver: quebras momentâneas de concentração que ganham depois um redobrado peso. É quase como se houvesse uma equipa ligada à ficha que de repente sente um corte na eletricidade e apaga. Foi nesses momentos que os portistas foram encontrando a luz falhando de forma sistemática no último passe mas foi também nesses momentos que o controlo do jogo era mais assumido, havendo só um corte fantástico de Zaidu quando Thauvin podia criar perigo na área até aos últimos 20 minutos.

Aí, com tanto ou mais demérito próprio do que mérito do adversário, as coisas podiam ter ficado mais complicadas para o FC Porto mas acabaram arrumadas para o lado do Marselha: Grujic, que já tinha amarelo, teve uma entrada por trás sem necessidade sobre Benedetto no meio-campo e foi expulso (67′) mas, apenas três minutos depois, Corona fez um lançamento lateral rápido, Marega ganhou a frente a Balerdi e não só conquistou um penálti como “sacou” o segundo amarelo ao central argentino. Sérgio Oliveira estava a 11 metros de arrumar de vez com o jogo e não perdoou, atirando puxado ao poste direito de Mandanda sem hipóteses para o internacional francês. Dario Benedetto, com três remates na área, ainda tentou pelo menos marcar o primeiro golo do Marselha nesta Liga dos Campeões mas as tentativas passaram ao lado ou acertaram no poste e o 2-0 ficaria como resultado final do encontro que permitiu ao conjunto de Sérgio Conceição dar um passo importante para chegar aos oitavos.