Não é uma viagem fácil, das que se encosta a cabeça, se fecham os olhos e, como que por magia, se adormece num sítio e acorda-se noutro. Ir de Guimarães a Baku é difícil. O Azerbaijão é longe, são mais de seis mil quilómetros e a viagem custa a fazer. Mas Rui Bragança não se queixa. Há sítios que piscam mais o olho a umas pessoas do que a outras, e a capital do Azerbaijão, pelos vistos, não se cansa de namoriscar com o português que adora “o jogo do tocar e não ser tocado”. Só pode, porque as medalhas não lhe dão hipótese de mentir. E são as mesmas que enchem Rui de razão: “A proporção está três para um, não está mal.”

Nada mal, mesmo. É por isso que Rui tem um fraquinho por Baku e nem era preciso a cidade ter-lhe dado outra medalha, na terça-feira, para o sentimento ser recíproco — mas deu e foi logo a de ouro. “O ano passado também fui campeão europeu aqui. E em 2007 já tinha sido medalha de bronze no Europeu de juniores. Mas esta tem um sabor especial”, admite, depois de muito o caçarmos com telefonemas e, por fim, o apanharmos quando a noite já vai longa em Baku. O lutador português adora estar ali e, depois de conquistar a quinta de seis medalhas para Portugal (a segunda de ouro), andou sempre de um lado para o outro nos Jogos Europeus.

Rui diz que “é espetacular” estar ali. A voz não engana, nota-se que é honesta e que fala verdade quando vê como “uma coisa única” a medalha que venceu na categoria de -58 quilos. Teve “um sabor especial” por ter aparecido na primeira vez que se realiza uma competição destas — uma espécie de Jogos Olímpicos da Europa. Se não fosse o taekwondo, a arte marcial dos murros e pontapés que gosta mais de dar uso às pernas, o português, de 23 anos, não estava ali.

Mas, há dez anos, foi por um triz que não mandou a modalidade ir dar uma volta. Porque ao início, quando teve de aprender a dar e a não levar, Rui Bragança sentia mais tédio do que divertimento. “A parte mais técnica era um bocadinho mais chata, não tão dinâmica, e para um miúdo de 13 anos estar preocupado onde e como bater, é aborrecido”, lembra.

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Quando experimentou o taekwondo “não gostava muito da brincadeira”. Era miúdo, queria ação e não só ficar a ver como se fazia. “Quando começámos a bater em raquetes, a fazer jogos de combate, coisas mais práticas, é que comecei a gostar. Tem mais piada ter uma pessoa à frente, para tentar decifrar o que ela vai fazer. O taekwondo é isso mesmo, um jogo em que tentamos perceber o que o outro quer fazer”, explica, ao falar da parte fácil, da que puxa mais por ele. Porque não é a parte da pancada que Rui Bragança acha difícil — é a da alimentação. “O não comer é que é difícil, o resto faz parte do jogo. Não podemos ter uma alimentação desregulada. Tudo o resto é diversão”, diz, rindo-se como quem acha piada a estar sempre a trocar pontapés com outra pessoa.

À sua frente tem de estar alguém na mesma categoria de peso e por isso é que é preciso cuidar bem de tudo o que come. Isto não é nada fácil. Muito menos quando, além da arte marcial, Rui também vai estudando medicina. “Não é fácil, mas com esforço chegamos lá. Temos de eliminar tudo: os jantares e o estar alcoolizado não combina com ser atleta de alto rendimento”, lembra Rui Bragança, dizendo, logo a seguir, que “nem [tem] tempo para isso”. É por pensar apenas no taekwondo e nos estudos que, neste momento, Rui Bragança é terceiro do ranking mundial da modalidade e está no quinto ano do curso, na Universidade do Minho.

BAKU, AZERBAIJAN - JUNE 16:  Rui Braganca of Portugal (red) and Jesus Tortosa Cabrera of Spain compete in the Men's Taekwondo -58kg final during day four of the Baku 2015 European Games at Crystal Hall on June 16, 2015 in Baku, Azerbaijan.  (Photo by Tom Pennington/Getty Images for BEGOC)

Ui, este foi por pouco. Rui Bragança esquiva-se de um pontapé de Jesus Tortosa Cabrera, o espanhol que derrotou na final dos Jogos Europeus, na categoria -58kg. Foto: Tom Pennington/Getty Images

Isto apesar de, “na maior parte das vezes estar fora de Portugal”. Nessas alturas, quando o taekwondo o manda viajar, “o pensamento é sempre combate a combate, ponto a ponto”, porque esta arte marcial também depende do adversário e se Rui consegue, ou não, adaptar-se ao que ele faz. E nem sempre as coisas lhe correram bem. “Já parti a mão e o nariz, mas, tirando isso, nunca tive o azar de ficar KO [de knock out, ou inconsciente]”, garante. É raro, aliás, que alguém fique sem sentidos e estendido no tapete — “só acontece quando o nível é muito diferente entre os atletas. Normalmente são os dois fraquinhos ou os dois muito bons. Neste tipo de competições isso nunca acontece, só aqui estão os melhores.”

E terá de ser um lutador dos bons, dos melhores, para ganhar aos pontos a Rui Bragança. O português já não perde um combate “há duas ou três semanas”, numa prova em que esteve na Áustria. “Derrotas há muitas, mas ainda bem que também vão aparecendo muitas vitórias”, resume, bem-disposto. Espera que as próximas apareçam no Open da Austrália (entre 26 e 28 de junho) e, depois, nas Universíadas de Verão, que se realizam na China (de 3 a 14 de julho).

Agora sim, Rui já gosta muito desta brincadeira.