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A exposição “1997 Fashion Big Bang” que pode ser visitada desde 7 de março e até 16 de julho no Palais Galliera, em Paris
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A exposição “1997 Fashion Big Bang” que pode ser visitada desde 7 de março e até 16 de julho no Palais Galliera, em Paris

© Paris Musées / Palais Galliera, Paris

A exposição “1997 Fashion Big Bang” que pode ser visitada desde 7 de março e até 16 de julho no Palais Galliera, em Paris

© Paris Musées / Palais Galliera, Paris

1997, o ano mágico da moda. A ascensão de uns mitos, a morte de outros e o início de tudo o que viria depois

Uma exposição em Paris celebra o ano de 1997 como um marco na moda. Galliano e McQueen chegaram à Alta Costura, nasceram a Bagette e a Colette, mas perderam-se Versace e Diana.

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Será possível imaginar um ano de euforia criativa na moda sem redes sociais ou influencers? Pousemos o telemóvel e reflitamos. Quando o inglês Charles Frederick Worth começou a fazer desfiles no seu atelier parisiense e contava com a imperatriz Eugénia, mulher de Napoleão III, entre as suas clientes decorria a década de 1860 e não mais a moda deixou de dar espetáculo. Cerca de 130 anos depois, a Vogue Paris decretou que a coleção de Alta Costura primavera/verão 1997 foi um “Big Bang” na moda e dispensam-se hashtags para perceber porquê. Uma exposição no museu da moda em Paris, o Palais Galliera, revisita o nome e o fenómeno e apanhamos boleia para uma viagem no tempo.

A mudança começou a avistar-se no horizonte em outubro de 1996, quando foram apresentadas as coleções de primavera/verão do ano seguinte. Novos designers de moda e veteranos surpreenderam com as suas propostas, a semana de Alta Costura renasceu em janeiro do ano seguinte e no verão de 1997 as mortes de de Gianni Versace e Diana, a princesa de Gales, arrefeceram um pouco a euforia.  O cinema, a música e até o Papa sentiram as ondas de criatividade que encerraram o ciclo dos anos 90 e abriram as portas ao novo milénio.

McQueen e Galliano, os génios de uma era

Quando em 1995 Bernard Arnault, o homem à frente do poderoso grupo do luxo LVMH e detentor de importantes marcas de moda, colocou um jovem inglês brilhante, mas irreverente, à frente de uma lendária casa de Alta Costura francesa, o mundo manteve John Galliano e a Givenchy debaixo de olho. Quando Galliano foi “transferido” para a casa Christian Dior e substituído por Alexander McQueen (tão genial e irreverente, como o seu antecessor) tornou-se oficial que a Alta Costura estava prestes a iniciar uma revolução. Colocar dois jovens estrangeiros a segurar as rédeas de dois colossos da Alta Costura (arrisquemos até da cultura francesa) parecia uma aposta de alto risco, mas a simplicidade que encantou a década de 1990 estava a atirar a moda para um estado de depuração que se arriscava a roçar o desinteresse e era preciso agitá-la. A jogada de Arnault acabou por ser de mestre.

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O calendário de janeiro de 1997 da exclusiva semana de Alta Costura anunciava as coleções de primavera/verão desse mesmo ano, mas mais do que isso assumiu proporções de cartaz de festival de moda, no qual veteranos e jovens prodígios dividiam protagonismo e prometiam um grande espetáculo. Galliano e McQueen iriam entrar em cena com coleções desenhadas para as suas novas marcas, respetivamente Dior e Givenchy. Por seu lado, Jean Paul Gaultier e Thierry Mugler eram veteranos do prêt-à-porter das décadas anteriores e encarregaram-se de provar que não havia limitações de temas ou materiais nas coleções de moda e iam agora estrear-se na Alta Costura.Todos eles injetaram uma forte dose de energia, criatividade e alguma surpresa e rejuvenesceram um círculo da moda que, por aquela altura, não vivia os seus melhores dias.

Alexander McQueen tinha 27 anos quando lhe deram as chaves da maison Givenchy. Chegou com conhecimentos em alfaiataria adquiridos com os mestres de Savile Row, um imaginário de temas obscuros e uma capacidade extraordinária para os transformar em beleza. O logótipo da marca francesa lembrava ao designer os frisos gregos e assim a mitologia helénica tornou-se o ponto de partida de uma coleção de Alta Costura pintada em branco e ouro. A crítica jornalística não terá aceite bem esta primeira coleção, mas em breve ficaria rendida ao designer. Galliano foi contratado para desenhar as coleções de moda da casa Givenchy em 1995 e no ano seguinte passou para a Christian Dior, onde substituiu um consagrado Gianfranco Ferré. O jovem britânico ia estrear-se ao comando da Alta Costura da casa Dior pecisamente na altura em que a marca completava 50 anos do primeiro desfile do fundador, mas não cedeu à pressão. Procurou inspiração em variadas etnias e apresentou uma coleção rica em cortes, bordados e materiais que encantou a imprensa.

Look Commes des Garçons, dois looks de John Galliano para Dior Alta Costura e um look de Alta Costura criado por Alexander McQueen para Givenchy

© Paris Musées / Palais Galliera, Paris

McQueen ficou na Givenchy até 2001 e depois continuou a carreira dedicado em exclusivo à sua marca própria, que já havia fundado em 1992. As coleções surpreendiam de estação para estação e rapidamente se tornou uma estrela maior da galáxia moda, até em fevereiro de 2010, com 40 anos, ter sido encontrado sem vida na sua casa. A estrela apagou-se e a onde de choque foi sentida. A marca continuou pela mão de um leal grupo de pessoas que rodeava McQueen, com Sarah Burton ao leme, e até prosperou quando foi a escolhida de Kate Middleton para criar o seu vestido de noiva.

Galliano manteve-se na Christian Dior durante quase 15 anos e com ele o espetáculo estava sempre garantido. As coleções de prêt-à-porter tornavam-se naquela altura o equivalente ao que hoje chamamos “viral”, e na Alta Costura a teatralidade crescia em cada estação, em roupas escultóricas e cenários de filme. Galliano era um contador de histórias que mergulhou nos arquivos na casa Dior e os reinterpretou ao sabor do século XXI. Em 2011 foi acusado de fazer um discurso racista e antissemita num bar. A Dior desvinculou-se imediatamente do designer que depois esteve em reabilitação e tem, desde 2013, estado a fazer um lento e discreto regresso aos palcos da moda. Anna Wintour deu-lhe uma ajuda e atualmente é o condutor das coleções da marca Martin Margiela. Os dois prodígios formados pela prestigiada Central Saint Martins School de Londres forma figuras incontornáveis no início do milénio e durante anos deram ao público da moda tudo o que ele poderia querer, uma mistura de fantasia e execução exímia, e que contribuiu para o crescimento das marcas além fronteiras.

Uma imagem do interior da exposição “1997 Fashion Big Bang” no Palais Galliera, em Paris
© Paris Musées / Palais Galliera, Paris
Looks de Thierry Mugler no interior da exposição “1997 Fashion Big Bang” no Palais Galliera, em Paris
© Paris Musées / Palais Galliera, Paris

Os veteranos ascendem à Alta Costura e as promessas que se confirmaram

Também há histórias de sucesso prolongado, de designers que passaram de jovens promessas a figuras de renome. Em 1997, enquanto Stella McCartney começou a dar cartas na Chloé, onde substituiu nada menos do que Karl Lagerfeld, à casa Balenciaga chegou um jovem de 25 anos de nome Nicolas Ghesquière. Olivier Theyskens também começou a sua carreira na moda.

Nesta indústria também há transferências de talentos como no futebol, só que o mercado está aberto o ano todo, e por vezes há mesmo uma verdadeira dança de cadeiras. Antes de Galliano e McQueen ficarem com os cobiçados cargos à frente das míticas casas francesas foram oferecidos a Jean Paul Gaultier, que contava já com quase duas décadas de carreira. Gaultier andou a anos a ser chamado de “enfant terrible” da moda e recusou os convites. Preferiu cumprir um sonho de criança e levar a sua marca para o altar da Alta Costura.  Thierry Mugler fez uma primeira experiência neste exclusivo mundo em 1992, cinco anos mais tarde resolveu repetir e foi memorável. O designer já tinha feito desfiles espetáculo e desafiado os limites da confeção com inúmeros materiais alternativos. Esta coleção “Insetos” mostrou sobre a passerelle uma série de criações de moda luxuosas que denunciavam claramente os animais que as inspiraram.

Coleções radicais e outras criações

Na verdade começou tudo ainda em outubro de 1996. Estava Kim Kardashian a celebrar os seu 16 anos e longe de ser a celebridade que hoje conhecemos, quando em Paris se apresentavam as coleções para a primavera/verão de 1997 e se desenhava uma época de mudança com algumas coleções que redefiniram formas de pensar na moda. O belga Martin Margiela apropriou-se dos manequins “Stockman” que se usavam nos ateliers como musa inspiradora e criou a coleção precisamente como o mesmo nome. Transformou o revestimento do manequim em peças de vestuário e criou moda com o processo de construção da moda. A ideia deu que pensar e parece ter sido um sucesso, porque o designer voltou a explorá-la na coleção seguinte. Margiela foi mais uma mente criativa que a cidade de Antuérpia deu ao mundo (depois dele vieram os famosos “seis de Antuérpia”, um grupo de designers que ganhou destaque no panorama internacional da moda e ficou conhecido pela cidade belga de origem) e, embora tenha abandonado a moda em 2009, antes disso deixou a sua marca e ficou conhecido, não só pelo perfil bem discreto, como também pela forma como baralhava os códigos da moda.

Rei Kawakubo também resolveu explorar as formas do corpo, mas de forma mais audaciosa. A designer japonesa terá ficado revoltada perante uma montra de uma loja Gap com roupas negras que considerou demasiado simples e canalizou a sua estupefação para a coleção “Body Meets Dress, Dress Meets Body”, da sua marca Commes des Garçons. Kawakubo criou roupas extremamente justas com formas que davam ao corpo volumes fora do comum. O resultado estranhou-se e, pelos vistos, entranhou-se porque aqui estamos a falar dele. A designer usou sempre o seu trabalho para colocar questões e fazer pensar através da moda e o reconhecimento foi-lhe dado em 2017, quando foi a solo o tema da grande exposição de moda do Metropolitan Museum de Nova Iorque. Ambas as coleções questionaram a criação de vestuário e o conceito de um ideal de corpo e a discussão aconteceu numa altura em que a cirurgia estética era um tema de debate.

Criações de Commes des Garçons, de Rei Kawakubo, na exposição “1997 Fashion Big Bang” no Palais Galliera, em Paris

© Paris Musées / Palais Galliera, Paris

Foi em 1997 que nasceu a “Baguette” e também a Colette. As rimas são irresistíveis, porque até o som bate certo nesta orquestra de criatividade que preencheu todo o ano em evidência. Foi para a coleção de outono/inverno 1997/98 que Silvia Venturini Fendi criou a carteira que se tonou famosa na série “O Sexo e a Cidade” e se mantém um sucesso. Já a segunda foi a loja que Colette Roussaux e a filha Sarah decidiram abrir no número 213 da Rue de St. Honoré, em Paris, a longa e serpenteante rua paralela aos Champs Elysées onde têm de estar as marcas que querem ser vistas. Durante 20 anos este espaço foi mais do que uma concept store onde moda, arte, livros, filmes, revistas e design convivem, foi um local de paragem obrigatória até fechar, em dezembro de 2017.

Para que não restem dúvidas de que esta explosão criativa da moda não se ficou pelo circuito fechado do meio, há alguns exemplos bem coloridos que mostram como influenciou outras áreas. Na música temos Björc vestida por Alexander McQueen na capa do seu álbum “Homogenic”, em setembro de 1997. No cinema foi Jean Paul Gaultier que fez os figurinos do filme “O Quinto Elemento”, de Luc de Besson, estreado em maio. E já agora, Jean-Charles de Castelbajac foi convidado a criar vestes litúrgicas para 500 membros do clérigo usarem na Jornada Mundial da Juventude em agosto, em Paris. Enquanto o Papa usou uma capa com cruzes coloridas, os restantes elementos usaram vestes com um arco-íris  vertical de cinco riscas.

Membros do clero com vestes litúrgicas criadas por Jean-Charles de Castelbajac para a Jornada Mundial da Juventude, em Paris, em 1997. Capa do álbum Homogenic de Björc, com look criado por McQueen

© Paris Musées / Palais Galliera, Paris

Uma exposição em Paris e alguma nostalgia

A Vogue Paris definiu a estação de Alta Costura primavera/verão 1997 como o “Big Bang” de que Paris precisava para reconquistar o seu lugar como capital internacional da moda. O Palais Galliera pegou nesta ideia e criou a exposição “1997 Fashion Big Bang” que pode ser visitada desde 7 de março e até 16 de julho. A mostra foca-se no referido ano, como sendo “um ano de viragem na história da moda contemporânea”, segundo se pode ler no comunicado do museu. A exposição está organizada de forma cronológica e conta com mais de 50 looks da coleção do Palais Galliera, assim como empréstimos de outros museus, colecionadores internacionais e casas de moda. Também conta com vídeos e documentos de arquivo. A diretora do museu, Miren Arzalluz, é a curadora geral da exposição e tem Alexandre Samson, o chefe de coleções do museu, como curador científico. A chefe de coleções e fotografia, Sylvie Lécallier é a curadora associada.

O evento épico, o New Look e o herói improvável: 75 anos do primeiro desfile Dior

Quando um momento é de tal forma arrebatador o olhar analítico não resiste a cálculos e comparações. As memórias começam a efervescer e, para quem acredita que os astros de facto se alinham ocasionalmente para potenciar as estrelas da moda, é impossível não referir que este “Big Bang” de 1997 aconteceu 50 anos depois do lançamento da primeira coleção de Christian Dior, a tal que em fevereiro de 1947 revolucionou a moda, criou um estilo e definiu a silhueta da década de 1950. Tornou-se incontornável e ficou conhecida como New Look, um cunho com a assinatura de Carmel Snow, a diretora da Harper’s Bazaar norte-americana.

Já agora, aproveitemos esta onda de algum misticismo para relembrar outro momento épico da história da moda. Quis o destino (e talvez a pandemia) que esta exposição acontecesse já em 2023, escapou à data redonda de celebrar os 25 anos do seu tema, mas acertou em cheio nos 50 anos sobre a Batalha de Versalhes. O confronto aconteceu de facto no Palácio de Versalhes e não foi bélico, mas intenso: um desfile de moda no qual cinco designers franceses e cinco designers norte-americanos mostraram as suas criações. Do outro lado do Atlântico a inventora das relações públicas na moda, Eleanor Lambert, trouxe Oscar de la Renta, Stephen Burrows, Halston, Bill Blass e Anne Klein, que enfrentaram do lado francês os já conceituados Yves Saint Laurent, Pierra Cardin, Emanuel Hungaro, Marc Bohan e Hubert de Givenchy. Como se a passerelle não estivesse já repleta de estrelas, a assistência contou com uma lista de 700 convidados de elite. Aconteceu a 28 de novembro de 1973 e, para quem acha que anda tudo relacionado, não o podíamos deixar de o referir.

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