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Os deputados votaram o Orçamento na especialidade durante cinco dias
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Os deputados votaram o Orçamento na especialidade durante cinco dias

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Os deputados votaram o Orçamento na especialidade durante cinco dias

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

500 propostas da direita e PS só aprovou uma, da Iniciativa Liberal. As votações do OE2021 à lupa

Quantas propostas foram aprovadas à revelia do PS? Quantas vezes a direita deu a mão aos socialistas? Quem apoiou o Chega? Análise às votações das 1.500 alterações ao Orçamento.

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Quase 90 propostas foram aprovadas à revelia do PS, o número mais elevado dos últimos anos; em mais de 530 medidas da direita, apenas uma teve o voto a favor dos socialistas; o PSD absteve-se na maioria das votações e mostrou ter uma relação complexa com os deputados madeirenses da sua bancada; o Chega apoiou quase metade das propostas do PCP, mas foi o PAN que mais apoiou o partido de André Ventura. O Observador pôs uma lupa em cima das votações na especialidade de cerca de 1.500 propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2021 e chegou a algumas conclusões desconcertantes.

O que está em causa nesta análise são os sentidos de voto em percentagem do total de propostas de cada partido (ver nota metodológica) — o que, embora não revele a importância das propostas em causa, nem permita perceber sempre os alinhamentos ideológicos, mostra facetas menos conhecidas de alguns partidos. E sinaliza muitas vezes tendências que são claras — nunca o PS de António Costa viu um orçamento ser tão contrariado (à esquerda e à direita) e nunca as pequenas formações e as deputadas não inscritas foram tão determinantes no documento final.

Notas metodológicas

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Neste artigo são contabilizadas as votações que incidem sobre propostas de alteração dos partidos — e não sobre os diferentes artigos da proposta de orçamento do Governo.

Dos 1.547 documentos apresentados inicialmente, e que constam da base de dados do Parlamento, 54 foram retirados pelos partidos e outros três saíram prejudicados por propostas semelhantes que já tinham sido aprovadas, pelo que contam para análise 1.490 propostas.

Metade dos proponentes — sejam partidos ou deputados não inscritos — tiveram entre 101 e 165 documentos sujeitos a votação: PSD (165), Chega (144), Verdes (120), Iniciativa Liberal (115), CDS (111) e Cristina Rodrigues, ex-PAN (101). Há ainda três que foram mais comedidos — PS (66), Joacine Katar Moreira (56) e sobretudo BE (12). E outros dois mais prolíficos — PCP (349) e PAN (252).

O que está em causa nesta análise é a proporção (e não o total) de propostas de cada partido. Uma vez que os diferentes partidos e deputados apresentaram um número de alterações muito variado, se não fosse levada em conta essa relação percentual, a perceção sairia distorcida. Um exemplo: o CDS votou a favor de 118 propostas comunistas e 82 propostas liberais, mas só analisando a proporção se consegue perceber o que representam — os 118 votos são um terço dos documentos levados a votação pelos comunistas, enquanto os 82 equivalem a cerca de 71% das propostas liberais.

Os Verdes e as deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues não têm assento na comissão de Orçamento e Finanças, pelo que só votaram quando as propostas foram resgatadas para plenário, onde o volume de votações (58 propostas) é uma pequena fração dos 1.490 documentos apreciados na comissão. Por esta razão, os votos daqueles deputados raramente são tidos em conta neste artigo. Qualquer um deles, no entanto, apresentou propostas — e em conjunto foram quase 300 —, que mereceram análise.

A grande maioria dos 1.490 documentos levados a votos são diferenciados. No entanto, em poucos casos os partidos apresentam a mesma medida dividida em dois ou mais documentos, podendo representar apenas uma nuance face a outro do mesmo partido (por norma, alterando números diferentes da proposta de orçamento, mas com o mesmo objetivo). Podem ser pequenas diferenças, mas nem sempre esses documentos têm o mesmo resultado na votação. A base de dados do Parlamento contabiliza-os todos e o Observador leva-os em consideração na análise. Dos 1.490 documentos, estão em causa 117 documentos “duplicados”.

As propostas podem ser ainda votadas de forma desagregada, por pontos, ou até — o que gerou uma intensa batalha entre PSD e PCP no caso das portagens — separando as alíneas do corpo do texto para votá-las de forma distinta. Pode, por isso, haver múltiplas votações sobre uma só proposta. No caso de todas essas votações gerarem mais do que um sentido de voto do mesmo partido, são contados os dois ou três votos em causa. Por exemplo, a proposta comunista para recrutar 935 médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar teve o apoio socialista, mas o PS não concordou com tudo, acabando isolado noutros dois pontos da mesma proposta. Neste caso, independentemente do número de votações na mesma proposta, são contabilizados os dois votos — um contra e outro a favor.

Estes votos “a dobrar”, que são referentes a elementos diferentes numa mesma proposta, representam uma parte muito reduzida do total.

Ainda mais raros são os casos em que se verifica uma mudança no sentido de voto na passagem da comissão de Orçamento e Finanças para o plenário — se a proposta foi uma das 58 a serem resgatadas para nova votação. Também aqui são contabilizados dois ou três votos, como é o caso mais mediático do Chega em relação ao Novo Banco, que votou contra na comissão e a favor no plenário.

Num orçamento que saiu pelo buraco da agulha — como provavelmente nenhum outro num Governo de António Costa — e com uma “bomba” ao retardador na polémica do Novo Banco, a análise às propostas de alteração mostra, desde logo, que a dinâmica das coligações contra o PS continua bem viva, apesar de os números também indicarem que há muitas “pontes” a serem feitas no hemiciclo com os socialistas.

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PS contrariado em quase um terço das propostas aprovadas

Quando a comissão de Orçamento e Finanças votou a alteração para impedir a transferência de dinheiro para o Novo Banco, já esquerda e direita tinham decidido aprovar 88 documentos com propostas de alteração à revelia do Partido Socialista, embora três delas de forma parcial. A proposta bloquista ainda subiria a plenário — com direito a suspense, jogadas de bastidores e volte-face —, mas acabou mesmo por confirmar a 89ª “coligação negativa”.

É quase um terço (30,6%) das 291 propostas aprovadas ao longo de cinco dias de votação. Uma proporção que, apesar de semelhante à do orçamento anterior, nunca foi tão elevada com António Costa no poder, estando a subir consecutivamente de ano para ano. Mais uma evidência do desmantelamento daquilo a que se convencionou chamar de “Geringonça”.

OE2021. 33 medidas e duas polémicas para perceber o que mudou na especialidade

No caso do OE2020, cuja discussão na especialidade foi feita em fevereiro deste ano (um mês antes da pandemia ter início em Portugal), 29,5% das propostas aprovadas (85 em 288) passaram à revelia do PS.

No OE2019, o último antes das eleições que puseram fim à parceria formal entre António Costa e a esquerda, tinham sido 26,1%; no OE2018 (11,1%) e no OE2017 (7,5%), houve bem menos; e no OE2016, com a tinta do acordo ainda fresca, só houve propostas aprovadas com o consentimento socialista.

Desta vez, a coligação entre esquerda e direita na proposta sobre o Novo Banco ofusca tudo o resto, mas a vontade do PS foi contrariada num grande leque de temas — incluindo saúde, segurança social, infraestruturas, habitação, ambiente, energia, educação, administração interna e cultura.

Depois de muita confusão (já lá iremos) foi aprovada a proposta social-democrata para dar descontos em várias portagens ex-SCUT do país (propostas 1139C e 1143C). O PS também não conseguiu evitar, entre outros:
— a proibição de cativações quer para entidades reguladores, como para despesas médicas de deficientes das Forças Armadas (propostas 1133C e 1218C-1, do PSD);
— o alargamento do prazo de adesão às moratórias de crédito até ao final de março do próximo ano (1374C, PSD) — as moratórias tinham sido alargadas pelo Governo até setembro de 2021, mas o prazo de adesão já tinha terminado em setembro, obrigando desde então os bancos a lidar com os incumprimentos.
— a atribuição de um subsídio de risco para os profissionais das forças de segurança (880C, PSD)
— a majoração de 10% no subsídio de desemprego aos sócios-gerentes (proposta 1124C, do CDS);
— a realização de uma avaliação ambiental estratégica que compare várias propostas para a nova solução aeroportuária de Lisboa (4C, dos Verdes, e 624C, do PAN).

Só que, apesar da grande quantidade de coligações à revelia do PS — e de algumas delas terem um impacto relevante, seja financeiro ou político — não deixa de ser verdade que nenhuma das 65 propostas socialistas foi chumbada e que muitas das medidas mais importantes ou emblemáticas que acabaram por ser aprovadas tiveram iniciativa socialista ou foram aprovadas com anuência do PS.

Meta do défice deverá subir até três décimas por via das alterações ao Orçamento

No primeiro caso estão o novo apoio social para quem perdeu rendimento (1169C), mas também:
— os salários no layoff pagos a 100% (1175C) — depois de o PS substituir a proposta original, para ir ao encontro do que pretendia o PCP;
— o aumento do mínimo de existência em 100 euros (1052C);
— e a proibição de cortar fornecimento de vários serviços (1112C).

Com aval do PS — em propostas de partidos com que se entendeu previamente — foram aprovados, entre outros:
— o prolongamento por mais seis meses de alguns subsídios de desemprego (proposta 15C do PCP);
— a suspenção do pagamento por conta para micro, pequenas e médias empresas (44C, PCP);
— a criação de 409 novas camas de cuidados intensivos (357C, PCP)
— a criação de um fundo de tesouraria para micro e pequenas empresas no valor de 750 milhões de euros (79C, Verdes);
— a criação de uma taxa de carbono de dois euros para passageiros de viagens aéreas, marítimas e fluviais (27C, PAN).

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LUSA

Socialistas apoiam uma só proposta em mais de 500 da direita

À direita, as concessões socialistas foram quase nulas, tenham as propostas sido ou não aprovadas. Nos 535 documentos que PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega levaram a votação, apenas uma teve a aprovação do PS, no último minuto, e no sentido em que menos se espera: o partido liderado por João Cotrim Figueiredo.

Na verdade, o próprio PS apresentou uma proposta idêntica (tal como PSD e PAN) para emendar a proposta de Orçamento, que tinha previsto 18,8 milhões de euros para o Tribunal Constitucional. Só que depois de o presidente do tribunal, Costa Andrade, ter pedido mais 646 mil euros para a Entidade para a Transparência no início do ano, vários partidos apresentaram propostas nesse sentido. A dos liberais (953C) acabou aprovada em plenário precisamente na última votação de todo o OE2021.

Em relação ao PSD, além de o PS ter votado contra as propostas sobre descontos nas portagens, cativações e prazos de adesão às moratórias (que acabaram aprovadas, como já vimos acima), os socialistas conseguiram bloquear algumas medidas emblemáticas com apoio à esquerda, como o alargamento do IRS Jovem (1058C-1) ou o pagamento a fornecedores do Estado num prazo máximo de um mês (1159C). O PSD acabou, ainda assim, por contabilizar 38 propostas aprovadas, todas à revelia do PS, das quais oito foram apresentadas pelos deputados da Madeira.

Já entre as propostas mais simbólicas do CDS, os socialistas, com ajuda à sua esquerda, chumbaram a medida que visava dar aos utentes liberdade para aceder a qualquer hospital privado, sempre que fossem ultrapassados os chamados tempos máximos de resposta garantidos (proposta 261C); impediram a criação de uma conta corrente entre os contribuintes e o Estado, em que, se o Estado estivesse em dívida, os contribuintes poderiam pagar impostos com esses créditos, tivessem ou não origem tributária (909C); evitaram (também com abstenção do PSD) uma descida global das taxas de IRS em cerca de 5% (914C); e impediram, em sintonia com PSD e PCP, que os partidos políticos começassem a pagar IMI sobre os seus imóveis (992C). O voto contra do PS não conseguiu evitar a majoração de 10% no subsídio de desemprego aos sócios-gerentes (proposta 1124C, do CDS).

A postura do PS face à direita neste orçamento contrasta com a que teve na generalidade dos orçamentos anteriores, em que fez algumas concessões. Apenas no OE2018 os socialistas fizeram menos “pontes” com o outro lado do hemiciclo, não tendo na altura votado favoravelmente qualquer proposta de PSD ou CDS.

No OE2020, em fevereiro deste ano, só do PSD os socialistas apoiaram 10 propostas, das quais sete do PSD Madeira (os deputados madeirenses chegaram a abster-se na generalidade, mas na votação final acabariam por votar ao lado do restante grupo parlamentar, contra o orçamento). Houve ainda votos a favor do PS em três propostas do CDS e uma da Iniciativa Liberal (que tinha acabado de chegar ao Parlamento, tal como o Chega).

Mais de um ano antes, no processo do OE2019, o PS aceitou quatro propostas do PSD (das quais uma do PSD Madeira), e duas do CDS; no OE2017, votou favoravelmente oito propostas dos sociais-democratas (das quais três da Madeira) e três dos centristas; e no OE2016, não só o PS se juntou aos restantes partidos — incluindo PSD e CDS — numa proposta conjunta sobre cativações, dividida em dois documentos, como deu aval a três propostas do PSD Madeira e a quatro do CDS.

Neste orçamento, no entanto, não foi só a direita que ficou sem votos favoráveis do PS. O Bloco de Esquerda — que votou pela primeira vez contra uma versão final de um orçamento de António Costa, depois de não ter conseguido chegar a acordo com o Governo — viu também todas as suas propostas rejeitadas pelos socialistas, grande parte dedicadas ao mercado laboral e à saúde.

E de um total de quase 1.500 propostas, o PS quase nunca mostrou dúvidas. Apenas em três ocasiões preferiu abster-se, quer na comissão de Orçamento e Finanças, quer em plenário. Estão em causa duas propostas do PAN, incluindo uma avaliação de custo-benefício dos apoios fiscais à Zona Franca da Madeira (617C) — um assunto que uma semana mais tarde seria alvo de decisão da Comissão Europeia —, e outra dos Verdes.

PSD abstém-se metade das vezes e apoia mais o PS do que o PSD Madeira

Passavam quase três horas do primeiro dia de votações, pouco depois das 18h, quando foi votada a proposta do PCP (44C) para aumentar as pensões mais baixas em 10 euros, independentemente de terem sido atualizadas no período da Troika (nestes casos o Governo tinha proposto um aumento de seis euros). “Quem vota contra?”, perguntou Filipe Neto Brandão, presidente da comissão de Orçamento e Finanças. “Não há votos contra. Quem se abstém? O PSD. Quem vota a favor? Todos os demais. Portanto, com a abstenção do PSD está aprovada a proposta do PCP”.

Logo de seguida uma proposta do CDS com o mesmo aumento para as pensões mais baixas (embora com acrescentos para pensões mínimas, agrícolas ou sociais de velhice do regime não contributivo) contou com a mesma abstenção.

Noutra proposta (15C), o PCP prevê que os períodos de concessão do subsídio de desemprego que terminem em 2021 sejam, de forma excecional, acrescidos de mais meio ano, por causa da pandemia. Foi aprovada, todos votaram a favor, menos o PSD, que se absteve.

Estas foram apenas três de 786 votações em que o PSD não se comprometeu com o resultado (face a 394 votos contra e 322 a favor). Ou seja, de todas as alterações apresentadas pelos partidos, incluindo pelo próprio PSD, um pouco mais de metade (52,3%) contou com abstenção dos sociais-democratas.

PSD pressiona Governo a resolver atrasos no SNS e a cumprir promessa sobre médicos de família

Nos últimos quatro orçamentos, o nível de abstenção do PSD já tinha sido elevado (entre 43% e 47%), mas sempre inferior ao deste ano (embora não se compare com o OE2016, em que o PSD se absteve em todas as propostas de alteração que foram a votos).

Há ainda casos em que a abstenção do PSD impediu que o PS ficasse isolado mais vezes. Por exemplo, na proposta do CDS (1121C) para majorar o limite mínimo de alguns apoios sociais.

O Governo já tinha proposto aumentar um pouco o limiar mínimo do subsídio de desemprego para rendimentos mais baixos, de forma a que nunca ficasse abaixo de aproximadamente 505 euros — o Indexante de Apoios Sociais (438,81 euros) multiplicado por 1,15. Uma proposta que acabaria aprovada por unanimidade.

Só que o CDS queria alargar essa majoração ao subsídio por cessação de atividade (para trabalhadores independentes) e ao subsídio por cessação de atividade profissional (que, além dos recibos verdes, inclui ainda gerentes ou administradores de empresas que encerraram). Quem vota contra? PS. Quem se abstém? PSD. Quem vota a favor? CDS, Iniciativa Liberal e Chega, mas também Bloco de Esquerda, PCP e PAN. Com o voto contra socialista (108 votos), a abstenção social-democrata (79 votos) fazia cair a medida para alargar o aumento do limiar mínimo desses apoios a recibos verdes e sócio-gerentes.

Abstenção do PSD deixou CDS-PP "pendurado" no tema dos apoios aos sócios-gerentes.

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No entanto, ainda neste dossier dos apoios sociais, nem sempre o PSD deixou o CDS “pendurado”. Uma medida centrista, que contou com voto a favor de toda a oposição, alargou também aos gerentes ou administradores de empresas uma majoração que era concedida pelo Governo a casais desempregados com filhos ou a pais solteiros (proposta 1124C). Estava em causa um acréscimo de 10% apenas para trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes, mas o CDS propôs que também os sócio-gerentes fossem abrangidos e o PS acabou isolado.

As abstenções do PSD apenas não se sobrepuseram aos restantes sentidos de voto em propostas de dois partidos — o PS e o Bloco de Esquerda. No caso dos bloquistas, o PSD rejeitou 9 em 12 propostas, mas a única que apoiou, para travar novas transferências de dinheiro para o Novo Banco, criou um terramoto político.

Já a relação com o PS é diferente. Apesar de ter votado contra o Orçamento do Estado e de ter criado um pesadelo institucional para o Governo nessa proposta sobre o Novo Banco, Rui Rio deu a mão ao grupo parlamentar socialista em mais de metade das ocasiões (57,6%) para corrigir ou acrescentar medidas ao documento do Governo. É o único partido a que o PSD concedeu mais votos a favor do que abstenções. Em sentido contrário, como vimos, o PS chumbou todas as propostas sociais-democratas.

Rui Rio confirma voto contra o Orçamento e desafia a “cigarra” socialista a estar à altura do desafio

Entre as propostas do PS apoiadas pelo PSD estão a proibição de cortes no fornecimento de vários serviços ao longo do primeiro semestre de 2021 em caso de desemprego, quebra de rendimentos igual ou superior a 20 % ou por infeção por Covid-19 (1112C); o aumento do mínimo de existência em 100 euros (1052C); e a extensão do novo Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores a sócio-gerentes de empresas que fecharam e a quem esteja em situação de “desproteção económica e social” causada pela pandemia (1169C)

Na verdade, o PSD votou mais a favor do PS do que nas propostas apresentadas pelos deputados madeirenses do seu próprio grupo parlamentar. Nem um terço dos 64 documentos do PSD Madeira (28,12%) passaram pelo crivo da direção no continente — apenas 18 votos favoráveis, face a outros 18 contra e 28 abstenções. Por esta razão, o PSD acabou por só aprovar 72,1% de todas as propostas da sua bancada.

Quando o PSD Madeira envolveu o Novo Banco em “trapalhadas”

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Marcante na relação dos deputados madeirenses com a direção nacional do PSD — e para o processo orçamental deste ano — foi o episódio referente ao Novo Banco.

A medida para impedir novas transferências já tinha sido aprovada em sede de comissão, na noite anterior, mas foi resgatada para o plenário de quinta-feira, o último dia de trabalhos sobre o Orçamento do Estado. Só que, nessa manhã, antes dessa votação, o presidente da Assembleia da República interpelava a bancada do PSD, porque tinha acabado de receber na mesa “uma chamada da senhora deputada Sara Madruga da Costa”.

A deputada “encontra-se no gabinete e quer saber como é que pode votar de forma diferente da bancada” social-democrata, disse Ferro Rodrigues.

Neste Orçamento, como em vários outros anos, os deputados madeirenses têm alguma autonomia na bancada social-democrata, apresentando várias propostas à margem da direção do partido. E estando ausente desta parte crucial das votações orçamentais, por causa das limitações ao número de deputados que vigora nestes dias de pandemia, Sara Madruga da Costa queria deixar vincada a posição dos deputados madeirenses na questão do Novo Banco.

“Ora bem, para votar de uma forma diferente da bancada tem de estar aqui — e para estar aqui tem de ser o grupo parlamentar do PSD a decidir que está aqui, não é a mesa [do plenário]”, atirou Ferro. “Peço ao grupo parlamentar do PSD para providenciar nesse sentido. A mesa não pode resolver problemas de grupos parlamentares”.

Rui Rio dialogou com Duarte Pacheco e Marques Guedes, as votações em curso continuaram, mas pouco depois o PS pedia uma interrupção de 20 minutos — e as negociações no intervalo foram intensas.

Quando retomaram os trabalhos, Ferro Rodrigues avançou então para a votação da proposta do Bloco de Esquerda (379C) sobre o Novo Banco. “Quem vota contra? PS, Iniciativa Liberal, senhora deputada Cristina Rodrigues — e dois deputados do PSD da Madeira”. Como prometido, Sara Madruga da Costa — e Paulo Neves, o outro deputado madeirense — já estavam presentes para votar em sentido contrário à bancada social-democrata.

Com as abstenções do CDS, do PAN e do Chega, os votos a favor do BE, do PCP e de Joacine Katar Moreira não chegaram para fazer passar a medida. “A proposta foi rejeitada”, anunciou Ferro Rodrigues.

Mas Sara Madruga da Costa pede a palavra: “Era para comunicar uma alteração do sentido de voto dos deputados da Madeira — não é contra, mas sim a favor.” Silêncio de alguns segundos, Ferro Rodrigues hesita, começa a falar, mas Sara Madruga da Costa interrompe — com uma mão a encostar o telemóvel ao ouvido e a outra no microfone do Parlamento: “Senhor Presidente, podemos pedir só um momento?” E continua a chamada ao telemóvel.

Ferro Rodrigues ri-se, o Parlamento espera, Paulo Neves fala também ao telemóvel, os dois deputados madeirenses dialogam brevemente, mas são interrompidos por Ferro Rodrigues: “Senhora deputada, o que pediram foi para vir cá dentro para poderem ter uma votação diferente do resto do grupo parlamentar”. Sara Madruga da Costa responde: “O senhor Presidente tem razão, mas nós alteramos agora o sentido de voto — será a favor. Os três deputados eleitos pela Madeira votam a favor, o que significa que acompanharemos o sentido da bancada do PSD”. Por essa altura já tinha sido noticiado que o PSD exigia aos seus deputados disciplina de voto na votação referente ao Novo Banco.

E Ferro Rodrigues não perdoou: “Portanto, vieram cá dentro dizer que votavam com o grupo parlamentar do PSD?…” Sara Madruga da Costa e Paulo Neves não esboçaram reação. E o presidente da AR sublinhou as “trapalhadas” que os deputados estavam a fazer “numa coisa desta importância”.

A votação seria então repetida, a pedido de Duarte Pacheco, do PSD — “para termos todos a certeza…” —, e a proposta do Bloco de Esquerda passou mesmo, com voto a favor de BE, PCP, PSD (incluindo os deputados da Madeira) e o Chega (que também mudou o sentido de voto — de abstenção para voto a favor). PS, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues (ex-PAN) votaram contra. PAN e o CDS abstiveram-se.

O presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque, acabou por assumir as responsabilidades por este episódio, reconhecendo que resultou de instruções suas.

Mas não é só o PSD Madeira que perde na comparação com o PS — até o CDS recebeu uma votação tímida do habitual parceiro de coligação, ao ver apoiado pelos sociais-democratas um pouco mais de um terço das propostas (34,82%) que levou a votação. Em todo o caso, apenas 4,5% das medidas centristas foram rejeitadas pelo PSD, que se absteve ainda 60,7% das vezes. Sete dos documentos do CDS acabaram aprovados à revelia do PS.

Ainda à direita, a Iniciativa Liberal contou com apoio social-democrata em 28,2% das votações. E em relação ao Chega, de que se tem falado numa hipotética coligação alargada no futuro? Para já, as posições parecem bem distantes e o PSD não é, nem de perto nem de longe, o partido que mais votou em André Ventura (já lá iremos). Em 144 propostas, o PSD deu aval a 15 (10,3%), abstendo-se em 88 (60,7%) e votando contra em 42 ocasiões (29%).

Entre as propostas de André Ventura que contaram com apoio do PSD (mas que não passaram, tal como nenhuma do Chega) estão a obrigação de os estágios na administração pública serem realizados via IEFP, para que todos os estagiários tenham remuneração mensal (468C); a eliminação do provedor do animal (1190C); retomar o IVA a 6% na tauromaquia (815C); investir em Centros de Procriação Medicamente Assistida (684C); integrar o estudo da corrupção na disciplina de educação cívica (421C); e reavaliar “a introdução da ideologia de género nas escolas”, porque, diz o Chega, há pais preocupados com “uma cada vez maior erotização precoce” entre os jovens (681C).

Tendo em conta a proporção de propostas aprovadas, o PSD está, aliás, quase tão longe do partido de André Ventura como dos maiores partidos à esquerda do PS: do BE, como vimos, aprovou uma proposta em 12 (8,3%); e dos cerca de 300 documentos do PCP, os sociais-democratas votaram a favor de 6,3%. O nível de abstenções do PSD em relação a Chega e PCP também não é muito diferente, a rondar os 60%.

Socialistas ameaçaram deputados do PSD/Madeira com bloqueio da Zona Franca

Bloco de Esquerda a favor de mais propostas socialistas do que PCP

Neste orçamento foi o PCP que chegou a um acordo mínimo com o PS, mas se levássemos apenas em conta a quantidade de propostas socialistas apoiadas pelo Bloco, seríamos tentados a pensar que também Catarina Martins teve sucesso nas negociações com o PS. O Bloco de Esquerda votou a favor de seis em cada dez propostas de alteração socialistas (59,7%) — e apenas votou contra 8,9% das vezes, enquanto o PCP votou a favor de 52,3%, rejeitando 10,8%.

Tanto BE como PCP deram ainda o aval a sensivelmente 4 em cada 10 propostas do PSD e do CDS, votando ambos mais vezes a favor do que contra nestes dois partidos à direita. No PSD, além dos descontos nas portagens (ver caixa abaixo), PCP e BE apoiaram, por exemplo, o fim das cativações nas entidades reguladoras e nas despesas médicas de deficientes das Forças Armadas, bem como o alargamento do prazo de adesão às moratórias.

A discussão sobre as portagens foi para tempo de descontos e Ferro Rodrigues resolveu

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As portagens do Algarve e várias do interior do país vão ter um desconto de 50% (ou 75% para veículos elétricos e não poluentes), depois de o PCP ter aprovado duas propostas do PSD. Dito assim, parecerá que foi mais uma pacífica coligação à revelia do PS, mas, na verdade, estas foram medidas que, antes de aprovadas, dividiram a meio a oposição. E coube a Ferro Rodrigues desatar o nó.

As propostas sociais-democratas já tinham gerado controvérsia durante a comissão de Orçamento e Finanças, porque um ponto do texto autorizava o Governo “a proceder às alterações orçamentais, se necessário, para compensar a eventual perda de receita” com a medida. O que, à primeira vista, pode parecer inócuo tornou-se na base de um intenso braço de ferro entre PCP e PSD — com alianças de ambos os lados da barricada.

O PCP pediu a separação das alíneas com as principais medidas da proposta — os descontos de 50% e 75% — da tal condição imposta pelos sociais-democratas, que aceitaram a votação e ajudaram a aprovar a proposta nos novos moldes. Até que se aperceberam, depois de um intervalo, que a proposta votada já não era bem a mesma.

Afonso Oliveira, do PSD, pediu uma nova votação (que não separasse a medida da condição imposta ao Governo), mas Filipe Neto Brandão, presidente da comissão de Orçamento e Finanças, disse ao PSD que podia sempre “retirar a proposta”, mas não podia “impedir a desagregação” da lei. Encostado às cordas, o PSD deitou a toalha ao chão, aceitou a votação à medida do PCP e a redução das portagens foi aprovada — com implicação direta na subida do défice.

Só que não ficou por aqui. Haveria ainda um tempo extra em plenário — em que o PSD daria a volta. O deputado Marques Guedes invocou o regimento e convenceu Ferro Rodrigues de que não seria possível fazer a separação pretendida pelo PCP (pelo menos sem a concordância da bancada laranja, que não a dava).

Depois de mais alguma discussão entre as duas bancadas, o presidente da Assembleia da República deu razão aos sociais-democratas. A votação repetiu-se, desta vez agregando o corpo do polémico ponto às respetivas alíneas. E o PCP continuou a votar a favor. Outros pontos da proposta foram chumbados, mas, no essencial, a proposta passou como pretendia o PSD.

Na prática, a medida ao jeito do PSD em vez do PCP significa exatamente o mesmo desconto para os utentes das auto-estradas de Algarve (A22), Beira Interior (A23), Interior Norte (A24), Beira Litoral e Beira Alta (A25), Costa da Prata (A17, A25, A29 e A44), Grande Porto (autoestradas A4, A41 e A 42) e Norte Litoral (A27 e A28).

Mas as opções para o Governo são diferentes, ficando assim autorizado a encontrar alternativas para compensar a eventual perda de receita. O défice não vai aumentar automaticamente, como pretendia o PCP.

Já em relação às propostas centristas, os dois partidos à esquerda do PS apoiaram, como vimos acima, a proposta para majorar apoios sociais. O BE apoiou ainda a admissão de 1200 efetivos para a PSP, 1200 efetivos para a GNR e 100 para o SEF (835C) (o PCP absteve-se). E os comunistas deram aval à proposta para retomar o IVA a 6% na tauromaquia (1162C) (o BE votou contra).

Sem surpresa, são os partidos ainda mais à direita — Iniciativa Liberal e Chega — que menos votos a favor recebem de BE e PCP, embora no caso do Chega tanto bloquistas como comunistas se tenham abstido em cerca de metade das propostas. Em ambos os casos, a Iniciativa Liberal gerou mais anticorpos à esquerda do que o Chega neste processo orçamental — foram rejeitadas em ambos os casos mais de 60% das propostas de João Cotrim Figueiredo, face às mais de 40% no caso de André Ventura.

Mariana Mortágua e Pedro Filipe Soares reclamam com o outro extremo do hemiciclo durante a discussão do OE2021

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Em todo o caso, os deputados do Bloco tiveram mais pontos de contacto com o outro extremo do hemiciclo, aceitando oito propostas (5,5%) de André Ventura e 18 (15,4%) da Iniciativa Liberal, enquanto Jerónimo de Sousa não aprovou nenhuma de ambos os partidos.

Dos liberais, o BE apoiou a revogação de vários benefícios fiscais aplicados aos partidos políticos, como IMT, IMI e IVA em algumas circunstâncias (928C-1 e 928C-2); o reforço da formação dos magistrados para o combate aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (960C); um Censo às Fundações (o último foi feito em 2012) (1008C); o reforço de verbas da Entidade para a Transparência (uma das duas medidas liberais aprovadas, neste caso com apoio socialista) (953C); e a redução do IVA para a taxa reduzida dos alimentos para bebés (medida chumbada pelo PS com abstenção de PSD e PCP) (200C).

No caso do Chega, o BE apoiou nomeadamente uma taxa de dois euros por passageiro de cruzeiros que aportem em Portugal (1150C); o “aprofundamento jurídico” que vise criminalizar o enriquecimento ilícito (509C); a redução para o IVA intermédio das reparações de electrodomésticos e aparelhos eletrónicos (844C), bem como dos atos médico-veterinários (837C); e para a taxa reduzida das fórmulas para os bebés substituirem o leite materno (840C).

Não só as votações de PCP e BE são, de um modo geral, semelhantes, como a relação entre os dois partidos mostrou ser quase umbilical neste processo orçamental. O PCP votou a favor de todas as propostas do Bloco de Esquerda e a direção de Catarina Martins apoiou mais de 97% das propostas de Jerónimo de Sousa.

Os comunistas acabaram por acumular o maior número de propostas aprovadas pelo Parlamento — 75 em 291 — embora a quantidade de documentos que apresentaram (346) seja pelo menos o triplo face à generalidade dos partidos.

O PCP votou também de forma esmagadora a favor dos Verdes (94%), mas absteve-se seis vezes (5%) e contrariou os parceiros de coligação uma só vez. Qual? Os Verdes queriam — mas a esquerda não aceitou — que as famílias pudessem deduzir 35%, até 1500 euros, das despesas com equipamentos e obras que visem o isolamento térmico das casas; equipamentos de energia solar térmica para aquecimento de água ou para produção de eletricidade para autoconsumo. A proposta (658C) só teve voto a favor do PAN, uma vez que os Verdes não têm assento na comissão de Orçamento e Finanças.

Iniciativa Liberal prefere CDS… que prefere o PSD… que prefere o PS

Se as opções tomadas pelo PSD face a propostas do CDS (dando voto favorável a apenas 34,8% das propostas centristas) podem fazer parecer que há algum distanciamento entre os dois partidos, as votações em sentido contrário mostram um outro lado da moeda — o CDS votou a favor de 87% das medidas sociais-democratas. E apenas três propostas mereceram o voto contra do partido liderado por Francisco Rodrigues dos Santos (duas do PSD Madeira e apenas uma do grupo parlamentar do PSD).

João Almeida, do CDS, durante o debate do Orçamento

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Ainda na relação com a restante direita, o CDS votou a favor de sete em cada 10 propostas da Iniciativa Liberal (70,7%) e cinco em cada dez do Chega (54,60%).

No que diz respeito ao outro lado da “barricada”, tal como o PSD, o CDS deu o aval a quase seis em cada 10 propostas socialistas (58%). Só que, ao contrário dos sociais-democratas, votou mais a favor do que contra propostas do PCP — e ainda que esses votos favoráveis não cheguem a um terço do total (33,1%), fica bem acima dos 6,3% de medidas comunistas apoiadas pelo PSD.

O CDS votou favoravelmente, por exemplo, as propostas comunistas para aumento das pensões e extensão do subsídio de desemprego por meio ano em tempos de pandemia (aquelas em que o PSD se absteve). No caso do Bloco de Esquerda, que tem apenas 12 propostas, o CDS não ficou convencido com nenhuma, rejeitando 53,9% e abstendo-se nas restantes.

Ainda à direita, a Iniciativa Liberal mostra maior alinhamento com as ideias do CDS (votou a favor de 83,8%) e PSD (71,3% das propostas sociais-democratas) do que com o Chega.

Apesar de ter votado a favor de mais de metade (53,8%) das propostas de André Ventura, até o PS conseguiu melhor nas votações da Iniciativa Liberal — 64,6% das propostas socialistas foram bem acolhidas por João Cotrim Figueiredo.

O que não houve foi “reciprocidade” dos sociais-democratas, tendo em conta que a Iniciativa Liberal só viu apoiadas por Rui Rio 28,2% das suas propostas, ao contrário do CDS (70,7%) e do Chega (65,5%), que gostaram da maior parte das medidas liberais.

Chega sem voto (totalmente) correspondido à direita e aos ziguezagues com Bloco

André Ventura abraçou 90,1% das medidas do CDS e 76,1% do PSD e, em qualquer dos casos, não votou contra nenhuma das propostas. Mas o líder do Chega já terá percebido — apesar das declarações que fez sobre Rui Rio — que a relação com a restante direita está longe de ser um voto à primeira vista.

Do PSD, André Ventura só viu apoiadas 10,3% das propostas que apresentou; e mesmo do CDS, apesar de ter recolhido voto favorável em cerca de metade das medidas (55%), não se aproxima dos 90% de aprovação em sentido contrário.

André Ventura vê Rio em aproximação ao Chega

No caso dos liberais, o Chega votou a favor de 65,5% das propostas, só ficando contra em três ocasiões (2,6%) — o partido de João Cotrim Figueiredo queria que fosse liberalizada a travessia do Tejo (1004C), mas apenas contou com o apoio do CDS; e pretendia privatizar a RTP (999C) e a CGD (995C), mas ficou sozinho.

À esquerda, apesar das fortes críticas ao Governo de António Costa, nem 12% das propostas socialistas foram rejeitadas por André Venturae o Chega apoiou, na verdade, quase metade (46,4%). Ainda assim, foi o único entre todos os partidos a não apoiar pelo menos metade das propostas do grupo parlamentar do PS. Como vimos, os outros partidos à direita aceitaram uma maior proporção de medidas socialistas — PSD e CDS com 56% e Iniciativa Liberal com 65%.

Destaque ainda para as votações do Chega à esquerda do PS, com André Ventura a apoiar 47,2% das propostas do Partido Comunista.

No caso do BE, as votações do Chega ganharam outras proporções quando chegou a polémica do Novo Banco. “Lição de oportunismo parlamentar”, escreveu Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, no twitter, depois da votação.

“Sobre a proposta do BE que impedia a entrega de mais dinheiro ao Novo Banco, André Ventura votou Contra quando achava que ninguém estava a prestar atenção, Abstenção quando o seu voto era decisivo, Favor quando percebeu que seria aprovada”.

O líder do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda referia-se à mudança de opinião de André Ventura, que tinha votado contra na comissão de Orçamento e Finanças, mas que na passagem para plenário se absteve num primeiro momento. Foi logo depois dessa votação — que acabou por não contar — que o PSD Madeira anunciou a mudança do sentido de voto, gerando confusão no Parlamento. Afinal a proposta bloquista ia mesmo passar. A votação foi então repetida e André Ventura aproveitava também para mudar de abstenção para voto a favor.

Não é caso único. E, apesar de haver outros partidos a mudarem ocasionalmente de opinião na passagem da comissão para plenário, só em relação ao Bloco de Esquerda, André Ventura mudou o sentido de voto em cinco das 12 medidas (quatro delas passando para abstenção e na do Novo Banco de voto contra para voto a favor, depois da tal abstenção que não contou).

Já em relação a Joacine Katar Moreira, com quem André Ventura mantém uma relação difícil, depois de várias tiradas racistas, o deputado único do Chega rejeitou 28 (46,6%), votou a favor em três ocasiões (5%) e absteve-se nas restantes.

Numa delas, a deputada ex-Livre propôs que fosse alargado o Passe Social à utilização das bicicletas urbanas (464C), contando apenas com votos favoráveis de Chega, BE e PAN. Joacine Katar Moreira queria ainda que as receitas do Fundo Ambiental pudessem ser aplicadas numa Avaliação Ambiental Estratégica ao Aeroporto do Montijo (281C), numa votação em que PS e PSD se juntaram contra os restantes para chumbar a medida. E propôs que a licença de parentalidade fosse alargada para pais e mães (187C), mas também aqui apenas os dois maiores partidos votaram contra (e a Iniciativa Liberal absteve-se). Joacine Katar Moreira teve 11 propostas aprovadas pelo Parlamento, mas nessas o Chega não votou a favor.

“Na Guiné é que estava bem”: a reação de André Ventura às críticas de Joacine

PAN de braços estendidos a todo o Parlamento

O partido liderado por André Silva é um caso único neste processo orçamental. Porquê? Porque todos os grupos parlamentares e deputadas não inscritas — sem exceção — tiveram pelo menos 60% das suas propostas com apoio do PAN.

O Pessoas-Animais-Natureza foi, aliás, o que mais votou a favor do PS — 77,3% das alterações propostas pelos socialistas (contra os 15,1% de propostas do PAN que foram aprovadas pelo PS); o que mais votou no Chega — 60,1% (embora André Ventura tenha apoiado apenas um terço das propostas do PAN); o que mais votou em Joacine Katar Moreira — 79,7%; e o que mais votou em Cristina Rodrigues, que se desvinculou do partido este verão e de que o PAN mostra não guardar ressentimento, tendo em conta que apoiou 92% das suas propostas — nove acabariam aprovadas pelo Parlamento.

André Silva também votou a favor de nove em cada dez propostas dos Verdes (89,2%), mas aqui Bloco de Esquerda (92,6%) e PCP (94,1%) são ainda mais apreciadores das medidas apresentadas pelo partido que entra no Parlamento por via da coligação com os comunistas.

Ex-deputada do PAN acusa André Silva de “desonestidade brutal”

Os Verdes, que só têm oportunidade de votar em plenário as propostas que forem avocadas, por não terem assento na comissão de Orçamento e Finanças, só apreciaram sete das mais de 250 propostas do PAN, tendo votado a favor em quatro ocasiões.

Foi, portanto, de “peito feito” que André Silva apontou o dedo ao PSD durante um dos debates que antecedeu as votações. “Esperamos que o PSD seja capaz de ultrapassar o seu habitual sectarismo na hora de votar”, atirou o líder do PAN, questionando os sociais-democratas sobre uma série de medidas consideradas essenciais.

Em algumas delas, o PSD até votou a favor — como a avaliação ambiental estratégica do aeroporto do Montijo (624C) ou a proposta para garantir mais transparência nos negócios do hidrogénio verde (1113C) — mas, no total, apenas 9,92% dos documentos levados a votação pelo PAN tiveram aprovação social-democrata, não muito longe de BE (8,33%), PCP (6,30%) e Joacine Katar Moreira (5,1%), os partidos e deputados que menor atenção receberam do PSD.

Em sentido contrário, o PAN acabaria por votar a favor de seis em cada 10 propostas do PSD (61,7%), uma votação considerável, mas que, ainda assim, é das mais baixas entre as escolhas de André Silva — só Iniciativa Liberal e Chega (ambos com cerca de 60%) tiveram menos, por pequena margem.

E se houvesse um “braço-de-ferro ambiental”? Depende da aritmética. O PAN viu aprovadas 50 propostas em 252 (19,8%), face a 32 em 120 dos Verdes (26,7%). Além disso, os aliados do PCP receberam uma maior proporção de votos dos diferentes partidos. Dos deputados que têm assento na comissão de Orçamento — onde os Verdes não estão presentes — apenas a Iniciativa Liberal votou uma maior percentagem de medidas do PAN, e por escassa margem. Os restantes preferiram as propostas do partido liderado por José Luís Ferreira.

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