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Militares alemães assinalam o Natal de 1940 num abrigo, algures na França ocupada

ullstein bild via Getty Images

Militares alemães assinalam o Natal de 1940 num abrigo, algures na França ocupada

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A árvore de Churchill e Roosevelt, o peru falso à mesa e a única trégua militar numa floresta. Como foi o Natal numa Europa em guerra

De 1939 a 1945, a Europa viveu seis Natais em guerra. Os líderes leram discursos a uma população que vivia o racionamento. Mas até em Auschwitz e na frente de batalha houve espírito de Natal.

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Um Natal debaixo de bombardeamentos. Será isto que irá acontecer este ano, na Ucrânia, depois de o porta-voz do Kremlin ter confirmado que não haverá qualquer trégua de Natal. “A operação militar especial prossegue”, afirmou Dmitry Peskov quando questionado sobre o tema. O líder ucraniano não parece ter dúvidas de que será mesmo assim. “Se formos atacados pelos mísseis russos, faremos o melhor para nos protegermos. Se nos atacarem com drones iranianos e o nosso povo tiver de ir para os abrigos na véspera de Natal, os ucranianos vão sentar-se à mesa no feriado e animar-se uns aos outros. E não precisamos de saber o desejo de cada um para saber que todos nós, milhões de ucranianos, desejamos o mesmo: apenas a vitória”, disse Volodymyr Zelensku perante o Congresso norte-americano, esta quarta-feira.

Essa realidade — um Natal passado debaixo de bombardeamentos ou em combate — não é nova em território europeu. Durante a II Guerra Mundial, seis épocas natalícias foram passadas em guerra, também sem qualquer trégua decretada, de 1939 a 1944.

Apesar do racionamento, as famílias tentavam fazer as melhores refeições possíveis, muito embora algumas das ceias de Natal tenham sido passadas, como se prevê agora na Ucrânia, em abrigos anti-bomba. Na frente de guerra, os militares assinalavam a data como podiam, confortados pelos pacotes especiais que recebiam pelo correio — mas os combates nunca pararam. Até nos campos de prisioneiros de guerra e nos campos de concentração se assinalava a data, com festejos autorizados pelos guardas das SS, mas os relatos são sombrios.

No meio do horror, contudo, houve pequenos momentos de luz. Muitos acalentaram esperança ao ouvir discursos inspiradores dos seus líderes pela rádio; várias crianças (algumas órfãs de guerra) puderam provar doces graças à solidariedade dos militares; e até em plena Batalha das Ardenas, nas profundezas da floresta alemã, houve militares americanos e alemães sentados à mesma mesa. Pequenos consolos, porém, que não compensam as vidas perdidas durante os seis anos do conflito — inclusivamente na própria noite de Natal.

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Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia”, que arranca na chamada Trégua de Natal na Primeira Guerra Mundial. 

Jesus nasceu a 25 de dezembro do ano 0?

Da família real britânica a Churchill e Hitler. O Natal dos líderes

Não faltam relatos das ações dos vários líderes políticos nos vários Natais ao longo da II Guerra. Além dos discursos, as visitas às tropas ou população, por exemplo, eram um clássico. Foi isso que fez o líder nazi Adolf Hitler logo em 1939, ao aparecer de surpresa em Saarland, na zona sul da Alemanha, para distribuir velas e doces. No ano seguinte, já com parte da França ocupada, Hitler resolveu passar a época festiva com militares colocados no norte do país, perto do Canal da Mancha. O momento foi captado por fotógrafos e usado pela propaganda para mostrar que o Führer estava com os seus homens.

Hitler janta com soldados no Natal de 1940

DR

Do outro lado do Canal, no Reino Unido, a Família Real adotava a postura estóica do stiff upper lip. O tradicional postal de Natal de 1940 mostrava a Família Real em frente aos destroços da parte do Palácio de Buckingham que havia sido bombardeada em novembro pela aviação germânica. Às 15h do dia de Natal, o Rei Jorge VI leu a sua mensagem de Natal, transmitida pela BBC para os rádios que existiam em várias casas: “Lembrem-se disto: se a guerra traz separações, também traz nova unidade, a unidade que vem dos perigos e sofrimentos comuns partilhados.” O paradeiro da Família Real não era conhecido, como explica um artigo da revista Time da altura, para evitar ataques alemães. Mais tarde, seria revelado que esse anúncio de Natal foi lido a partir do castelo de Windsor.

O primeiro-ministro Winston Churchill também ouviu o discurso a partir da sua casa, onde o ambiente foi festivo, apesar do conflito. O seu secretário, John Martin, revelaria os detalhes: “Vic Oliver, o ator e marido de Sarah Churchill [filha do primeiro-ministro], tocou piano e Sarah cantou. Depois do jantar, foi igual. Por uma vez, o estenógrafo foi dispensado e tivemos uma espécie de cantoria até depois da meia-noite. O primeiro-ministro cantou com vontade, mesmo que nem sempre afinado.”

Na França ocupada, além da visita de Hitler naquele Natal de 1940, houve também esforços de solidariedade promovidos pelo marechal Pétain, que reinstituiu o Secours National d’Hiver da I Guerra Mundial na Vichy. A comuna Rueil-Malmaison, nos arredores de Paris, recorda como foram distribuídas refeições aos mais carenciados, bem como cobertores, sapatos e roupa. Esforços destacados pelo marechal na sua mensagem, emitida na noite de 24 de dezembro, dizendo que se recordava dos “pobres” que não tiveram acesso a essa ajuda. “Meus filhos, não se esqueçam, o Natal é a noite da Esperança, é a festa da Natividade. Nasceu uma nova França”, prometia o líder, que acabaria condenado por colaborar com a Alemanha Nazi.

World War II. Marshal Pétain

O marechal Pétain grava a sua mensagem de Natal, em 1943

Roger Viollet via Getty Images

No ano seguinte, em 1941, o reconhecido líder da França livre, Charles de Gaulle, reagiria com a sua própria mensagem de Natal destinada às crianças francesas, onde prometia que a vitória “será bela”. E os anos seguintes seriam marcados pelas duplas mensagens dos líderes franceses, com orientações bem diferentes nos seus discursos.

Veja-se o caso de 1943, quando a França ocupada era alvo de bombardeamentos sem parar dos Aliados, que tentavam reconquistar o território aos alemães. Enquanto Pétain pedia aos franceses que “[abandonassem] as discussões estéreis, as rivalidades vãs, os ódios mortais”, De Gaulle tentava galvanizar os resistentes. “Homens e mulheres franceses, unamo-nos nos esforços supremos e nas dores supremas do inimigo, o inimigo que está em retirada, o inimigo cuja nação não nos separa dos poucos traidores que a servem.”

Mas o Natal de 1941 ficaria para a História, por unir dois dos líderes mais relevantes do conflito. A 13 de dezembro, seis dias depois do ataque a Pearl Harbor — que decretou o envolvimento dos Estados Unidos na guerra — Churchill tomou a decisão de embarcar para a América para passar o Natal com o Presidente Franklin D. Roosevelt e tentar garantir que os norte-americanos se focavam na frente europeia e não apenas no Pacífico.

Winston Churchill and Franklin D. Roosevelt Leaving White House

Churchill e Roosevelt na Casa Branca

Bettmann Archive

A excentricidade de Churchill surpreendeu a equipa da Casa Branca — como a exigência de ter whisky, champanhe e brandy a horas específicas — e até a primeira-dama. Eleanor Roosevelt partilharia num artigo publicado na revista Atlantic em 1965 em que contava como o pequeno-almoço do primeiro-ministro era servido às 9h, mas “o senhor Churchill não se levantava antes das 11h”.

“Das 11h até ao almoço ele trabalhava com o meu marido ou nos seus próprios assuntos, mas depois do almoço retirava-se para o quarto e dormia até às 5h da tarde. A partir daí, ele estava pronto para o trabalho a sério, a maior parte depois do jantar”, contou Eleanor, explicando que Chuchill e Roosevelt ficavam a conversar até altas horas da noite. “Vivemos aqui como uma grande família, na maior das intimidades e informalidade”, garantiria o próprio Churchill num telegrama enviado a Clement Attlee, líder dos trabalhistas.

A noite da véspera de Natal, porém, seria a mais importante. Roosevelt convidou Churchill a participar no discurso à varanda da Casa Branca, após serem acendidas as luzes da árvore de Natal — uma árvore com mais de cinco metros de altura, enviada diretamente da ilha de Saint Croix, no estado do Maine, o primeiro local onde há registos de se ter celebrado o Natal nos Estados Unidos.

No discurso, Roosevelt admitiu que muitos americanos se questionavam naquele Natal sobre como acender as luzes das suas árvores numa altura de desespero, com o anúncio de uma nova guerra. “A nossa arma mais forte nesta guerra é a convicção da dignidade e irmandade do Homem que o Dia de Natal significa”, afirmou o Presidente, pedindo que, além dos exércitos, fossem também preparados “os corações”.

Dada a palavra a Churchill, o primeiro-ministro britânico agradeceu o acolhimento caloroso dos americanos e optou por deixar uma mensagem sobre as crianças “nesta estranha véspera de Natal”. “Num mundo de tempestade, façam as crianças felizes”, pediu. “Que, através do nosso sacrifício e ousadia, estas mesmas crianças não vejam a sua herança roubada ou que lhes seja negado o direito de viver num mundo livre e decente.”

O dia seguinte seria marcado por festejos, alternados com discussões de estratégia militar entre os dois líderes, que falaram sobre como defender Singapura dos ataques japoneses. Mas foi terminado com um jantar de luxo, com ostras, peru assado e gelado, e com o visionamento do filme Oliver Twist — que Churchill não assistiu até ao fim, por ter ido preparar o discurso que leria no dia seguinte no Congresso americano.

Do outro lado do Atlântico, Hitler também assinalava a data, em Munique, numa festa exuberante que contou com a presença de todos os altos representantes do Partido e generais, bem como centenas de cadetes das SS. A mensagem de Natal desse ano, porém, foi lida pelo ministro da propaganda, Joseph Goebbels, que não se coibiu de mencionar Hitler: “Nesta noite, pensemos no Führer, que também está presente em todo o lado, onde quer que os alemães se reúnam, e coloquemo-nos ao serviço da pátria.”

Nos anos seguintes, com o agudizar do conflito, o Führer passaria os Natais afastado dos alemães comuns, ficando recolhido no seu quartel-militar Wolfsschanze (Toca do Lobo, em alemão), na Prússia Oriental. O seu último Natal, porém, não foi passado na Toca do Lobo, mas sim no Ninho da Águia (Adlerhorst). O historiador Peter Caddick-Adam relata que as celebrações de Natal de 1944 foram marcadas por ofertas de cigarros e distribuição de champanhe, e o líder nazi não apreciava nem uns nem outros. Mas, relata o historiador em Snow and Steel: The Battle of the Bulge, 1944-45, Hitler estava animado, confiante de que a Batalha das Ardenas, que decorria nesse momento, lhe correria de feição — o que não veio a acontecer.

Entre o frenesim alemão e o racionamento entre os países Aliados. O Natal nas cidades

Enquanto os líderes discursavam em público e celebravam em privado, os cidadãos comuns tentavam fazer o melhor possível de um Natal em tempos de guerra. O humor, porém, era muito variado consoante o local da Europa de que falamos e da fase em que a guerra se encontrava.

No primeiro Natal da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o clima nas ruas de Berlim era febril, como testemunhou o diplomata irlandês William Warnock. “A guerra está a ter um efeito peculiar nas compras de Natal”, escreveu nas suas notas enviadas para Dublin. “Gasta-se livremente o dinheiro, por duas razões: a primeira é que há pessoas que pensam que em tempos de guerra há sempre o risco de haver inflação, e portanto não vale a pena poupar; e há outros que compram tudo o que podem que fuja aos esquemas do racionamento para se precaverem contra uma possível escassez no futuro.”

A maior transformação, contudo, não estava nas compras de Natal. Nas ruas de Berlim, Munique ou Frankfurt, dificilmente se encontrava à venda presépios ou imagens de pequenos Pai Natal. Era a consequência de uma política que o Partido Nazi aplicava há anos, desde que chegara ao poder: a metamorfose de uma festa religiosa que celebrava o nascimento de Cristo num festival de origens pagãs onde a devoção ao líder e ao partido suplantavam as referências religiosas. “O Natal era uma provocação para os nazis — afinal, o menino Jesus era uma criança judia”, explicou à Der Spiegel Judith Breuer, organizadora de uma exposição de enfeites de Natal do período da Alemanha nazi.

Postal de Natal alemão com o Fuhrer

Assim, além das árvores de Natal enfeitadas com bolas com suásticas — e sem a estrela no topo, que poderia fazer lembrar ou a Estrela de David ou a estrela dos bolcheviques —, o Terceiro Reich afinou cuidadosamente todos os detalhes, arranjando até novas letras para os clássicos cânticos de Natal. A letra da Noite Feliz, por exemplo, cantava-se agora assim: “Noite silenciosa, noite sagrada/ Tudo está calmo, tudo é brilhante/ Só o chanceler se mantém de guarda/ Para vigiar e proteger o futuro da Alemanha”.

A cooptação de símbolos do Natal para fins políticos também acontecia em Itália. Desde o final da década de 1920 que o Partido Nacional Fascista de Benito Mussolini havia promovido a antiga lenda da velha bruxa que traz presentes ou carvão aos meninos bem e mal comportados, em vez do menino Jesus ou do Pai Natal: a Befana tornou-se um símbolo divulgado por todo o país, que patrocinava uma série de distribuições de prendas por parte do partido.

Nas escolas, nas fábricas e nas “Casas do Facho” no centro das aldeias, distribuíam-se brinquedos e roupas, sob a égide da “Befana Fascista” ou do Pacco del Duce (O Pacote do Duce). “Em Roma, em 1941, o típico pacco para um estudante da escola Mazzini continha um armário cheio de roupa usada, mas em boas condições: dois casacos de menina, dois pares de calças, um casaco, um par de sapatos, dois bibes, duas camisolas”, escreve a investigadora Diana Garvin. “Podemos imaginar que esta prenda tinha como objetivo agradar mais às mães de classe trabalhadora do que aos seus filhos.”

Outro relato, de 1943, publicado no La Stampa, mostra como em Bolonha foram distribuídos brinquedos como “bonecas, carrinhos, banda desenhada, doces”. “O dia foi vivido como um momento de união entre classes sociais”, recordou o advogado Giorgio Magnarini.

Do lado dos Aliados, também não faltavam iniciativas de distribuição de doces e brinquedos pelas crianças, sempre que possível. Mas desde cedo que o Natal de 1939 ficou ensombrado no Reino Unido pelo anúncio de que, no ano seguinte, a manteiga e o bacon passariam a ser racionados. O ambiente ali foi também por isso de correria às lojas, naquele que seria um último Natal “normal” durante muito tempo: “Com o racionamento no horizonte, todos estavam determinados em gozar a época festiva e os hotéis e restaurantes estavam cheios”, escreve a BBC.

O ano seguinte seria, por isso, o ano do choque com a realidade para os britânicos. Em 1940, França já tinha caído e o Reino Unido era agora alvo de bombardeamentos. Além do blackout que impedia que houvesse luzes de Natal nas ruas, o racionamento era agora uma realidade a que não se podia escapar. Cada família tinha habitualmente direito a 100 gramas de bacon, 170 de margarina, 50 gramas de chá, 200 gramas de açúcar e 50 gramas de banha por semana. Nesse ano, o governo autorizou que os britânicos pudessem receber o dobro do chá e o triplo do açúcar, mas nada mais.

Nas ruas não houve os tradicionais cânticos de Natal, por receio do Blitz, mas dentro de casa os britânicos tentaram manter a tradicional ceia. Em vez de peru ou ganso, como era habitual, faziam versões falsas com carne de carneiro, coração de boi ou até apenas com um gratinado de batatas. E os bombardeamentos violentos entre os dias 22 e 24 na cidade de Manchester — que provocaram quase 700 mortes — deixaram todos os britânicos conscientes de que poderiam ter de passar a noite nos abrigos ou nas estações de metro, o que muitos fizeram, com receio.

Wartime Christmas

Uma montra protegida por sacos de areia em Londres, no Natal de 1939

Getty Images

“Tínhamos medo de que o Pai Natal não nos encontrasse por estarmos no abrigo. A minha mãe disse ‘Não te preocupes, deixei-lhe uma nota em casa’”, recordou anos mais tarde June Dineley, de Liverpool. “Não esperávamos muito do Natal, porque a vida era assim. Recebi uma boneca de trapos e outras coisas pequenas feitas pela minha mãe, estavam na minha fronha na manhã do dia de Natal. Que delícia.”

O ano seguinte não seria melhor. Em 1941, pela primeira vez os sinos não tocaram na manhã de Natal por todo o Reino Unido, já que haviam passado a ser usados como sirenes para ataques, recorda-se no vídeo de propaganda Christmas Under Fire.

Além do racionamento de comida, era agora proibido usar papel de embrulho, e comprar presentes numa economia de guerra era cada vez mais difícil. “Agora é só andar por ali sem rumo, à procura de uns pequenos presentes. E até encontrar esses é o diabo”, lamentava-se um florista nesse ano, num relato publicado pelo The Telegraph.

Christmas in an Air Raid Shelter

Uma criança dorme num abrigo, algures no Reino Unido, em 1940

Corbis via Getty Images

À medida que a guerra avançava, os Natais foram ficando cada vez mais sombrios. Na França ocupada, grande parte da época natalícia era dedicada aos esforços de caridade para os mais necessitados. Nas aldeias, o autarca, o padre e o professor iam de porta em porta recolher donativos, como se vê neste vídeo do Natal de 1942.

Em Paris, a Cruz Vermelha organizava várias festas para crianças, com presentes e doces. Uma dessas festas, porém, seria interrompida pelo som das sirenes no Natal de 1943, e pela descida abrupta para os abrigos: “Lembro-me de ver uma menina a agarrar junto ao peito o livro de ilustrações que tinha acabado de receber e a dizer com um sorriso e um ar confiante: ‘Assim, se ficamos trancados no abrigo, pelo menos tenho alguma coisa para ler’”, recordou uma das trabalhadores da festa à Cruz Vermelha.

Gas Mask Kiss
Um casal beija-se com máscaras de gás
Getty Images
Hospital Tree
Festa de Natal num hospital militar britânico com soldados canadianos, 1941
Getty Images
Festa de Natal para crianças que ficaram sem casa em 1939, no País de Gales
National Library of Wales
World War II. France. Distribution
Distribuição de bens alimentares para o Natal em França, 1944
Roger Viollet via Getty Images
Christmas in Liverpool, 1941
Festa de Natal num abrigo anti-bomba em Manchester, no Natal de 1941
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Strasbourg, Alsace (France) in 2. WW under german occupation: Shopwindow of a toys shop at christmas tide; text reads 'Strasbourgers ! let us joyfully celebrate again the first german chritmas since 22 years. December 1940
"Habitantes de Estrasburgo! Celebremos o primeiro Natal alemão em 22 anos", diz uma montra da cidade em dezembro de 1940
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An underground railway guard decorating a Christmas tree at Holburn tube station during World War Two December 1940
Decoração de Natal da estação de metro de Holburn, Londres, 1940
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Sick Children Have Their Christmas
Prendas para crianças hospitalizadas em Londres, 1940
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War Dolls
Brinquedos a serem feitos para o Natal numa fábrica britânica, em 1939
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Window Shoppers
Uma montra de Natal em Londres, 1939
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Busy Christmas
Trabalhadoras numa fábrica britânica durante o período antes do Natal de 1940
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Father Christmas Comes to Hoxton
Distribuição de prendas a crianças no Natal de 1939 em Hoxton, Londres
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World War II. Distribution of
Distribuição de brinquedos pelo Natal de 1943 no Grand Palais, em Paris
Roger Viollet via Getty Images
Menina de 12 anos em Middlesex, Reino Unido, em frente à sua árvore de Natal
Imperial War Museums

O Natal de 1944, o último em guerra, foi agridoce em muitas das cidades europeias já libertadas pelos Aliados. Foi assim na Alsácia, por exemplo, onde um soldado se vestiu de Pai Natal e distribuiu por 150 órfãos os doces que ele e os camaradas tinham recebido das famílias, bem como laranjas que alguns colegas trouxeram dos seus destacamentos no Norte de África. “Alguns dos mais novos nunca tinham visto uma laranja na vida e não sabiam exatamente se a deviam comer ou usar como uma bola”, relatou o jornalista Seymour Korman.

Também nos Países Baixos os soldados americanos organizaram festas para as crianças e distribuíram presentes de madeira feitos por si e doces das suas rações.

Mas foi, de qualquer forma, um Natal marcado pela fome e pelo frio. Kevin Prenger recorda em Christmas Under Fire, 1944 como a miséria era a rotina para a maioria dos habitantes. Em Amesterdão, por exemplo, o casal Crone passou o Natal na cama, por ser o local mais quente numa casa onde não havia aquecimento, e a ceia de Natal foi apenas cenouras cozidas. Uma situação semelhante à da família Amsberg: “A sua filha Kiki, que tinha quatro anos à altura, recorda-se apenas de que o jantar de Natal foi uma lata de leite condensado partilhada pelos três. Ela também perdeu o seu gato. Segundo os pais, tinha sido roubado. É muito possível que tenha desaparecido para ser usado na panela de uma família esfomeada”, escreve o historiador.

Em Maastricht — a primeira cidade neerlandesa libertada pelos Aliados —, os militares americanos assinalaram a noite de Natal de uma forma solene, ao reunirem-se para uma missa de Natal improvisada numa cave, onde deixaram depois mensagens escritas a carvão na parede. “Nunca fui a uma missa tão bonita”, diria mais tarde um dos militares. Um dos monges que cantaram no coro comentaria também que o serviço foi “comovente”. “Não percebia o inglês deles, mas, não sei como, conseguia ler os seus pensamentos, os seus rostos. ‘Quem sobreviverá? Este pode ser o meu último Natal’.” Muitos dos soldados ali presentes seriam de facto mobilizados em breve para a Batalha das Ardenas, que decorria a uma centena de quilómetros dali.

Where's Daddy?

"Mãe, porque é que o pai não está connosco?', pergunta uma criança num poster de propaganda alemã para desmoralizar os soldados Aliados

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Na recém-libertada Roma, milhares juntaram-se para ouvir pela primeira vez em anos a mensagem de Natal do Papa Pio XII na Praça de São Pedro. Mas se a conquista de Itália pelos Aliados seguia a bom ritmo, a da Alemanha ainda tardava. E esse Natal foi marcado por um ambiente pesado no país. Em Berlim, sentia-se uma “atmosfera de queda iminente, tanto nas vidas pessoais como na existência da nação”, recordaria Herbert Vogt, voluntário para apagar fogos, citado por Kevin Prenger. “Sentia que a maioria dos berlinenses já sabiam, por instinto, que este era o último Natal antes da queda da Alemanha. Para onde quer que se olhasse, havia pouco para celebrar e com quem celebrar. Rações super-pequenas, stress constante e muita da capital a ser reduzida a escombros em raides intermináveis que não deixavam as pessoas no espírito certo para as festas.”

A ideia da morte era constante. “Seja prático, ofereça um caixão”, era a piada que circulava em Berlim à altura, conta o historiador Anthony Beevor em Ardennes 1944: Hitler’s Last Gamble. O livro de Natal do Partido Nazi desse ano continuou a ser publicado, como habitual, mas desta vez trazia um tom sombrio, com o poema “Der toten Soldaten Heimkehr” (O Regresso dos Soldados Mortos): “Quando as velas acabarem de arder na árvore de luz, o soldado morto colocará gentilmente a sua mão cheia de terra na cabeça de cada uma das crianças. ‘Morremos por vocês, porque acreditávamos na Alemanha.’”.

O Natal nos campos de concentração

São poucos os relatos do que acontecia nos campos de prisioneiros de guerra e nos campos de concentração e morte do regime nazi — mas eles existem. Não são, contudo, as histórias mais calorosas de Natal.

O museu do campo de Auschwitz-Birkenau revela um pouco do que aconteceu no campo que simbolizaria para sempre a Solução Final nazi, ou não tivessem sido ali assassinadas mais de um milhão de pessoas. No primeiro Natal com o campo em funcionamento, em 1940, os guardas das SS montaram uma árvore de Natal no pátio principal, enfeitado com luzes elétricas. Mas aquilo que à primeira vez vista pode parecer um sinal de boa vontade tornou-se num símbolo de terror, quando os guardas deixaram por baixo da árvore os corpos de alguns dos trabalhadores que morreram com o frio. A prisioneira Karol Świętorzecki recordou anos mais tarde como o comandante do campo, Karl Fritzsch, se referiu aos cadáveres como “um presente de Natal” para os vivos.

Cartaz de apoio aos prisioneiros de guerra franceses

O ano seguinte não seria melhor. As SS mataram 300 prisioneiros de guerra soviéticos nessa noite, os que estavam demasiado fracos para continuar a trabalhar. E obrigaram os restantes a ouvir a mensagem de Natal do Papa Pio XII, em alemão, ao frio. Mais 42 morreram. E em 1942, a árvore de Natal do pátio voltou a ser depósito de cadáveres: os guardas mandaram os homens recolher terra para a árvore e mataram a tiro todos os que não traziam “o suficiente”, contou a sobrevivente Krystyna Aleksandrowicz. “Arrumaram o monte de cadáveres por baixo da árvore de Natal”, recordou.

Mas houve outra árvore de Natal com melhor história: uma pequena árvore que o prisioneiro Henry Bartosiewicz conseguiu fazer entrar à socapa e que ficou no quarto número 7 do bloco 25, enfeitada com uma águia branca no topo, feita a partir de um nabo. Nesse Natal de 1941, os prisioneiros desafiaram a proibição de cantar músicas de Natal polacas: “Quando os cânticos dos alemães começaram, ouviram-se as vagas das palavras poderosas [em polaco] ‘Deus nasceu, os poderes tremem’ e outras, até ao último acorde do Dąbrowski Mazurka [o hino polaco]”, recordou Józef Jędrych. “Todos se abraçaram cordial e calorosamente e choraram durante muito tempo. Havia quem soluçasse alto. Um momento desses nunca desaparece da memória. Aquele Natal ficará para sempre gravado no meu coração e na minha memória.”

No ano seguinte, voltou a haver cânticos de Natal nas camaratas de Auschwitz e um dos prisioneiros, um padre católico, presidiu a uma missa, distribuindo pão como se fosse uma hóstia pelos católicos presentes.

Também em Ravensbrück, o maior campo de concentração nazi só para mulheres, se ouviram cânticos de Natal. Estes foram autorizados pelas SS, com cada nacionalidade a poder cantar uma música. As polacas inicialmente recusaram; depois acabaram por aceder, mas emocionaram-se a meio e não conseguiram continuar, relata a jornalista Sarah Helm no seu livro If This is a Woman. As prisioneiras também trocaram pequenos presentes — os possíveis — entre si.

A árvore de Natal do campo de Auschwitz-Birkenau

Museu de Auschwitz

Nesse ano também houve presentes na prisão Cherche Midi, uma prisão da Gestapo na França Vichy, mas graças a um norte-americano. Josiah P. Marvel, membro do Comité de Serviço dos Amigos Americanos na Europa, foi o único autorizado a visitar prisioneiros da polícia alemã nesse ano e tentou ajudar como podia os 150 homens e mulheres que ali estavam e que nunca recebiam encomendas da sua família. “Os pacotes das mulheres tinham camisas de dormir de flanela, sabonete, pasta de dentes e outros itens práticos que lhes faltavam completamente (escovas de dentes, roupa interior e artigos semelhantes). Os dos homens continham camisolas, roupa interior, meias, pasta de dentes e por aí fora, consoante as necessidades de cada um”, recordou Marvel num artigo publicado na Atlantic no ano seguinte.

“Para os 29 britânicos, havia um bolo de fruta de Natal. Para conseguir isto tive de dar a um padeiro dois litros do meu stock de azeite, que ele trocou por manteiga para fazer um bolo grande o suficiente para cada homem ter uma fatia de tamanho decente. Quando as distribuí, a alegria e surpresa deles não tinha limites, porque nenhum tinha sonhado provar sequer uma migalha do bolo que para eles representava o Natal inglês.”

A noite de Consoada representava um momento de partilha e a pequena esperança possível em sítios tão negros como os campos de concentração. Em Rajsko, um dos sub-campos de Auschwtiz, algumas mulheres da Resistência francesa organizaram um pequeno jantar naquele ano de 1943, usando comida das encomendas que recebiam da Cruz Vermelha, completada com uns poucos vegetais roubados das hortas do campo.

“As mulheres comeram pouco, tendo perdido o hábito da comida, mas a visão de tanto para comer deixou-as alegres. Beberam cerveja preta adocicada, roubada das cozinhas das SS. E, depois de comerem, acenderam as luzes e velas e as polacas cantaram hinos religiosos, dizendo umas às outras “do domou”: de volta a casa”, conta a jornalista Caroline Moorehead no livro A Train in Winter. “Trocaram-se presentes: uma barra de sabão, uma corda transformada em cinto, um urso de peluche encontrado perto das câmaras de gás e trocado por duas cebolas.”

Também no campo de trabalhos forçados de Majdanek, na Polónia, a noite de Natal representou um momento de união entre prisioneiros de países tão diferentes como Polónia e Rússia, comendo e cantando juntos: “Foi um momento de verdadeira reconciliação das nações, perante a manjedoura do recém-nascido Cristo”, recordaria o prisioneiro Franciszek Jackiewicz.

Nos campos em que era permitido algum tipo de festa, os prisioneiros puxavam do seu engenho. Em Buchenwald, por exemplo, em 1943 interpretou-se a ópera Buchhäuser oder Läusekrieg auf der Waldburg (Os Bichos da Casa de Buchenwald), que contava a história do combate dos prisioneiros com os piolhos — piolhos esses que, para alguns, simbolizavam os guardas das SS. Já em Stalag Luft, os prisioneiros de guerra fizeram um concurso de beleza no auditório.

Concentration Camp Neuengamme.

Celebração de Natal dos guardas das SS no campo de concentração de Neuengamme, em 1943

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O último Natal da guerra seria o mais especial nos vários campos de prisioneiros de guerra e nos campos de extermínio. Com o conflito a inclinar-se a favor dos Aliados, o garrote sobre os prisioneiros foi menos apertado, até em Auschwitz: os supervisores de um dos blocos, por exemplo, permitiram ao padre Władysław Grohs de Rosenburg que celebrasse a missa do Galo.

Um dos prisioneiros em Auschwitz nesse ano era Primo Levi e também ele teve um Natal especial. Habitualmente, os prisioneiros judeus não tinham autorização para receber encomendas (ao contrário do que acontecia com os prisioneiros políticos, por exemplo), mas, nesse ano, Primo Levi recebeu uma enviada pela mãe e pela irmã, refugiadas em Itália. “O pacote tinha um sucedâneo de chocolate, bolachas e leite em pó, mas descrever o seu real valor, o impacto que teve em mim e no meu amigo Alberto, está para lá dos poderes da linguagem comum”, contaria o escritor. “No Campo, termos como comer, comida e fome tinham significados totalmente diferentes dos normais. Aquele pacote inesperado, improvável, impossível, era como um meteorito, um objeto dos céus carregado de símbolos imensamente preciosos.”

O relaxamento das regras também se sentiu em Ravensbrück, onde as mulheres conseguiram planear uma peça de Natal para as muitas crianças que ali viviam — com um “Homem de Natal”, em vez de Pai Natal, para agradar a todos, incluindo às prisioneiras comunistas.

O resultado final, porém, ficou aquém do esperado. Depois de meses ou até anos no inferno do campo, a maioria das crianças não sabia reagir: “Eles não tinham forças para se rir, tinham-se esquecido do que era rir”, recordou uma das prisioneiras em If This is a Woman. “Algumas começaram aos gritos, histéricas, e tiveram de ser levadas dali. Os mais velhos aplaudiam no final de cada cena, mas os mais novos reagiam com medo ao som [dos aplausos], que sem dúvida os fazia recordar as estaladas que tinham recebido.” Nem o espírito de Natal seria suficiente para apagar os horrores de um campo de concentração.

O Natal na frente de batalha

Os soldados também assinalaram o Natal como puderam, ao longo dos seis anos de guerra. Os que estavam em bases militares tinham melhor sorte: para ali eram enviados os melhores ingredientes, como peru, ovos e até ameixas para o Christmas pudding dos britânicos.

As bases militares contavam ainda com a animação de concertos feitos para animar as tropas. No norte de França, por exemplo, soldados americanos contaram com a visita do cantor Bing Crosby no Natal de 1944. Os êxitos “White Christmas” e “I’ll be Home for Christmas” acabaram, porém, por levar os soldados — e o próprio artista — às lágrimas, como o próprio confessou ao sobrinho. Nesse mesmo Natal, os soldados alemães estacionados em Diekirch (Luxemburgo) puderam contar com um espetáculo de Marlene Dietrich. Militares de ambos os lados acabariam por combater e morrer na Batalha das Ardenas, alguns dias depois.

The Royal Navy During The Second World War

Dois marinheiros transportam árvores de natal numa base naval

Imperial War Museums via Getty I

Mas quanto mais perto da frente de batalha, piores as condições. Veja-se este relato da frente de Leste, feito por um capelão do exército alemão: “Dormi bem num quarto sujo. Perto de mim, cascas de batatas e outros restos, e piolhos. Visitei os homens da 9ª e da 11ª companhia. Estavam horríveis, maltrapilhos, cheios de picadas de percevejos, os seus corpos ensanguentados, emaciados, sujos. Os morteiros russos caíam perto. Um homem morreu numa explosão em frente à igreja”, escreveu no seu diário sobre a noite de Natal de 1941. “À noite, visitei os homens nas suas camaratas apertadas, li-lhes uma história de Natal da Bíblia e falei com eles. Mais tarde, cantámos. O comandante tocou acordeão.”

Mesmo durante os combates mais violentos, muitas companhias fizeram questão de assinalar a data natalícia. Foi assim em Ortona, na Itália, onde alguns militares canadianos fizeram questão de fazer um almoço de Natal por entre as ruínas da igreja de Santa Maria di Constantinopoli. “Mesas, toalhas, loiça e velas foram arranjadas pela companhia de reserva. As mesas foram postas em filas”, recordou o coronel S. W. Thomson. “Sopa, porco assado, vegetais e pudim de fruta de Natal, bem como uma garrafa de cerveja para cada um dos soldados esfarrapados, despenteados e cansados que serviam no quartel-general. Os rapazes superaram-se, o impossível aconteceu. Havia um espírito de camaradagem por toda a igreja.” O almoço aconteceu com a batalha de Ortona ainda a decorrer. Os alemães só se renderiam três dias depois.

Christmas Leave
Militares britânicos chegam a casa de licença de Natal, 1939
Getty Images
2. World War, german army
Militares alemães a abrirem presentes, Natal de 1940
ullstein bild via Getty Images
2. World War, Wehrmacht: Soviet Union Theater of War
Discurso de Natal de um comandante aos militares alemães na frente de Leste
ullstein bild via Getty Images
2. WK Wehrmacht
Um militar alemão recolhe um pinheiro, Natal de 1942
ullstein bild via Getty Images
2. WK Wehrmacht
Militares alemães recebem a "visita" de São Nicolau, 1941
ullstein bild via Getty Images
Soldiers' Christmas
Militares belgas numa festa de Natal em 1940
Getty Images

A violenta Batalha das Ardenas em 1944, porém, não contou com almoços de Natal semelhantes. A última grande ofensiva alemã na frente ocidental levou a combates violentos ao longo dos meses de novembro e dezembro, incluindo durante o Natal, na floresta espessa da Bélgica.

Os dias que antecederam o Natal foram marcados pelas explosões. Em Bastogne, principal ponto da ofensiva, caíam panfletos de propaganda: “Feliz Natal, soldado, e as nossas mais profundas condolências. É difícil estar longe de casa nesta altura do ano, especialmente quando estás cercado e a enfrentar um rácio de dez para um. Não sentes os teus entes queridos a preocuparem-se contigo, a rezarem por ti?”, dizia um dos panfletos alemães, em inglês. O antigo soldado americano Tom Chapman lembra-se de como os alemães punham música de Natal a tocar para desanimar os norte-americanos. “Não era preciso, eu já me sentia com saudades de casa o suficiente”, recordou à NPR.

2. World War, Christmas, (- celebrations)

Militares alemães celebram o Natal em 1943, algures na frente de Leste

ullstein bild via Getty Images

Nas aldeias da região, aquela foi uma véspera de Natal de terror. Alguns, como a família Kauffmann, na aldeia de Mont-Saint-Martin, viram a sua casa ocupada pelos alemães na noite de Natal, tentando adormecer as crianças no estábulo enquanto os militares “bebiam, cantavam e diziam piadas” dentro da casa, como relatado no livro The Unknown Dead: Civilians in the Battle of the Bulge, de Peter Schrijvers. Outros partilharam teto e refeições, como o soldado alemão que disse aos que o acolheram que tencionava voltar vivo para casa, porque os seus três irmãos tinham morrido na guerra. Ou como a família belga que acabou a cantar o “Jingle Bells” com os soldados americanos que lhe bateram à porta nessa noite.

Nem todos, contudo, recordam uma noite tão feliz nas Ardenas. Em Bastogne, uma das localidades mais atacadas ao longo dessa noite, a enfermeira Renée Lemaire morreu quando o hospital improvisado dos norte-americanos foi atacado. O soldado e médico John T. Prior tinha arranjado tecido de um pára-quedas para lhe oferecer de prenda de Natal, porque ela sonhava em fazer um vestido de noiva a partir desse tecido. Depois de encontrar o seu cadáver, Prior embrulhou-o no tecido de pára-quedas e levou-a até ao seu pai.

A 80 quilómetros dali, em Weywertz, a família Gronsfelds aguentou uma noite de Natal na adega, para se proteger dos bombardeamentos. Na manhã seguinte, arriscou subir para fazer um almoço de Natal à mesa. “Depois, de repente, um morteiro alemão explodiu atrás da casa dos vizinhos”, conta Peter Schrijvers. “Um fragmento entrou pela janela. Entranhou-se no pescoço de Elfriede Gronsfeld. Médicos americanos vieram tentar ajudá-la, mas já não podiam fazer nada. A menina foi enterrada a 29 de dezembro. Tinha cinco anos.

American Soldiers in Snowy Forest During Battle of the Bulge

Militares norte-americanos na Batalha das Ardenas

Corbis via Getty Images

Mas não só de sangue se fez aquele Natal no centro da Europa. Fritz Vincken, alemão, tinha 12 anos e recordou anos mais tarde, já emigrado nos Estados Unidos, o milagre a que assistiu naquela noite — num artigo publicado na revista Reader’s Digest, que chegou a ser citado por Ronald Reagan. Estava refugiado com a mãe numa cabana que um tio usava para caçar na floresta de Huertgen, a uns meros 40 quilómetros de Weywertz, quando lhes bateram à porta. Eram três militares americanos — um estava ferido numa perna. Comunicando em francês com os soldados, mãe e filho deixaram-nos entrar e partilharam com eles a sua ceia: um galo (guardado há muito para aquela ocasião) e batatas cozidas.

De repente, batem novamente à porta. A mãe, Elisabeth, foi abrir e deparou-se com mais militares — desta vez, alemães — que lhe perguntaram se podiam entrar. “Claro que sim. Mas temos outros três convidados que vocês não irão considerar amigos”, explicou-lhes a alemã, que sabia bem que corria risco de vida por estar a albergar soldados inimigos. “É véspera de Natal e não vou aceitar que haja tiros aqui.” Pediu-lhes que deixassem as armas à porta e os soldados acederam. Os americanos também entregaram as suas armas a Elisabeth. E foi então que se deu aquele milagre de Natal. Todos partilharam aquela refeição de Natal em conjunto: mãe, filho e os militares americanos e alemães. É a única trégua de Natal conhecida em toda a II Guerra Mundial.

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