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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A primeira paella e o "pessimismo" que o distingue de Costa. As histórias de Marcelo sobre o "amigo" Ferro

Ferro Rodrigues apresentou livro que inclui "feridas" por cicatrizar e contou história sobre fim da geringonça. Marcelo encheu a sala com a história de como começaram a ser amigos.

Marcelo Rebelo de Sousa no púlpito a falar, Eduardo Ferro Rodrigues a ouvi-lo com atenção e António Costa sentado na plateia. Noutros tempos, a descrição poderia corresponder a um qualquer evento de Estado; desta vez, assemelhava-se mais a um encontro de amigos, convocados para lançar as memórias políticas e pessoais de Ferro. E foi Marcelo que, rodeado de “camaradas de luta” do socialista — e muito menos camaradas seus, é a sua “sina” desde que é Presidente e coabita com os socialistas na governação, gracejou — tomou o palco para, em registo de stand-up, apresentar as memórias do amigo.

A plateia ria e ria, e Marcelo lá puxava da memória. Sem precisar de puxar muito porque, como começou por explicar, dá-se a situação “estranha” de só ter começado a ser amigo de Ferro Rodrigues aos 70 anos, mais precisamente a 19 de março de 2018 — o dia em que Ferro o convocou à pressa para um encontro no Parque Eduardo VII, em Lisboa. “A segurança ficou muito nervosa e disse: mais uma originalidade do Presidente! Agora quer encontros no Parque Eduardo VII…”, brincou o Presidente da República, aqui no papel de amigo, numa sala do Centro Cultural de Belém.

“É um doce”. Como uma paella tornou Marcelo Rebelo de Sousa amigo de Ferro Rodrigues

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Acontece que Ferro, então presidente da Assembleia da República, o chamava para lhe comunicar que estava gravemente doente e que poderiam não lhe restar mais do que uns meses da vida. E Marcelo, que apareceu no CCB de bom humor, brincou de novo: para essa noite até tinha previsto jantar com Ferro e com António Costa, após um evento da Federação Portuguesa de Futebol; a solução seria que jantassem os três com as mulheres dos dois socialistas e que se transformasse a refeição tardia num evento de ambiente “familiar”. Perguntou a Ferro o que desejava jantar (“paella”, prato preferido do antigo secretário-geral do PS), preocupou-se (“Pensei: paella a esta hora? É a minha última paella!”) e deu assim o pontapé de saída para uma amizade que se prolongou pela convalescença de Ferro e que ainda dura.

O que acabou por unir os dois, dizia Ferro Rodrigues no início do evento, enquanto apresentava a sua extensa mesa de oradores — falaram António Luís Neto, Eduardo Graça, Isabel Alçada, José António Vieira da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa — foi inicialmente o começo da geringonça, que os juntou ao mesmo tempo nos dois principais papéis institucionais do Estado português.

Uma experiência que, lamentavelmente para Ferro, terminaria definitivamente em 2021 (“no dia em que soube que ia acabar, disse a ambos [António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa] que não contassem comigo para que ficasse sequer no Parlamento, porque aquilo era uma grande derrota que sentia também como minha”, explicou, e explica em maior detalhe no livro de memórias, embora nessas páginas só refira a falta de condições físicas e anímicas para continuar).

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É uma época que Ferro recorda com carinho. Não por acaso, referiu também, escolheu este dia — 23 de outubro de 2023 — para a sua apresentação de sala cheia: fazia oito anos desde a sua eleição como Presidente da Assembleia da República, explicou ao elenco de figuras políticas e familiares que enchia a sala, em circunstâncias “difíceis” em que Costa ainda era “só um deputado”, antes de conseguir formar a geringonça; por isso, para Ferro, a data “não é contornável”.

Os oradores falaram com vista para uma sala cheia de socialistas, ministros e ex-ministros: ao lado de Costa na primeira fila acomodavam-se nomes como Pedro Adão e Silva, Fernando Medina ou Mariana Vieira da Silva, pela sala sentavam-se onde era possível arranjar lugar Ana Catarina Mendes, Pedro Siza Vieira, Eduardo Cabrita, Ana Gomes (bastante referida no livro por ter pertencido à direção do PS nos tempos de Ferro como secretário-geral) e, ocasionalmente, figuras extra-PS (casos de Francisco Louçã ou de António Filipe).

Foi também por isso que Marcelo se lançou a uns quantos gracejos quanto a sentir “frio” na sala — “sem o aconchego de tantos camaradas de luta estava ali isolado e enregelado”. Depois, na descrição de Ferro e do seu pessimismo incorrigível: “É uma pessoa que na dúvida é pessimista, por exceção tem um laivo de otimismo“. Inevitavelmente, lá viria a comparação velada com o primeiro-ministro, cujo “otimismo irritante” já comentou várias vezes em público: “Não sei porquê faz-me lembrar o oposto de outro nosso amigo e conhecido…”. A sala continuava a rir-se.

No retrato que lançou do “amigo íntimo”, Marcelo falou de alguém com poder de encaixe para engolir as suas “malfeitorias”, como as que lhe fez enquanto era comentador político, como reconheceu; de uma pessoa profundamente “doce” e “íntegra”; e de um amigo com quem lá acabou por comer nova paella celebratória, falhadas as previsões dos médicos após duas cirurgias bem sucedidas (“Olhe, está vivo, vamos comer mais uma — jantámos mais uma vez que não foi tão agradável, porque estava iminente a reprovação do Orçamento do Estado [de 2021, que fecharia definitivamente o capítulo da geringonça]”).

Quando percebeu que Ferro, que lhe apareceu um dia dia estranhamente “bem disposto“, planeava escrever as suas memórias ficou preocupado, contou Marcelo, até porque o Presidente é “militantemente” contra a ideia de deixar memórias escritas — mas, depois de ler o livro, descansou. Nem as suas “malfeitorias” tinham trazido nenhum “teste à amizade” com o socialista, dono de “uma memória de elefante, perigosíssimo!”.

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Agora, conta que tenham tempo para “comer muitas paellas” e assim ainda conseguirem falar de uma “amizade longa”. Mesmo que continue a fantasiar com Costa, como voltou a confidenciar, sobre “funerais conjuntos” de Estado. Com o Presidente a anunciar que prometera a si próprio “não falar de política” e a sair da sala avisando os jornalistas de que não iria “comentar nada”, sobraram as impressões dos amigos. De Marcelo, que antecipou que no futuro desta ainda curta amizade discordará mais vezes de Ferro.

“Homem livre como é, está muito crítico e muito solto. Tenho a teoria de que se dá a volta e volta-se a como se era na juventude, e ele tem algumas tiradas de comício militante a meio dos jantares. Sinto-me mais conservador do que sou, sempre rodeado de progressistas, embora sem aprender a lição de progressismo”, atirou.

Mas também de amigos de infância, amigos de juventude e companheiros da política, como foi o caso de José António Vieira da Silva, que com humor recordou o “período alucinante” do Movimento Esquerda Socialista que Ferro, como poucos, acompanhou da fundação ao jantar de extinção — “Há muito mais ex-MES do que houve MES”, gracejou: “quando Ferro vinha das reuniões do Conselho de Ministros trazia um papelinho em que contava quantos ex-MEs eram, e quantos eram do Sporting”. Vividas essas “utopias”, a vida “abriu-lhe feridas” que a sociedade portuguesa não “foi capaz de cicatrizar”, sentenciou — no livro de memórias, Ferro refere-se aos anos do caso Casa Pia como os piores da sua vida.

Ferro dissera no início da sessão que estava “mais nervoso” por estar ali do que nas épocas em que desempenhou funções como presidente da Assembleia da República ou líder do PS, mas acabou por passar uma espécie de tarde entre amigos, com elogios à sua “nobreza” — “há poucas pessoas que tenham tanta legitimidade para exigir o regresso da nobreza à atividade política”, ditou Vieira da Silva — e “integridade”. E histórias sobre paellas pelo meio. Com Ferro a garantir que o lançamento do livro não significa que “ameace” voltar ao ativo, a política ficou quase sempre fora da sala, mesmo que esta estivesse cheia de políticos.

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