Discurso de Pedro Nuno Santos

na Academia Socialista, rentrée do PS.

Começo por notar que não é possível ignorar a agressividade com que um governo absolutamente minoritário tem atacado o PS. (…) A nossa atitude tem sido de abertura e disponibilidade para encontrar soluções maioritárias para os problemas. (…) Infelizmente, este governo absolutamente minoritário comporta-se como se fosse de maioria absoluta – que não tem porque os portugueses não lha deram. Ataca o PS como se ainda estivesse na oposição, passa os dias a desculpar-se com o passado e combate o Parlamento e o seu direito a apresentar e a aprovar iniciativas.

Boa parte do PS espanta-se, nesta altura, com a falta de abertura que Luís Montenegro tem mostrado em público para fazer cedências no Orçamento do Estado, acreditando que o PSD está a encostar os socialistas à parede ou até a tentar “humilhá-los”, como dizia Alexandra Leitão esta semana. Por isso, Pedro Nuno Santos tem tentado deixar claro a cada oportunidade que encontra que se alguém é inflexível num processo delicado e que pode levar a uma crise política, como noutros desde que o Governo tomou posse, essa culpa não pode ser atribuída ao PS. Tem alguns exemplos a que se agarrar e que enumerou neste discurso, do acordo para a escolha do novo Presidente da Assembleia da República à disponibilidade para numa reforma da Justiça. Por esta altura, o PS já estaria à espera de sinais menos “agressivos” do PSD, até porque os socialistas não querem perder a face neste processo negocial e sabem que têm de conseguir encaixar conquistas significativas no Orçamento para poder justificar uma viabilização. Mas não é o que tem acontecido — horas antes, Luís Montenegro considerava, na Universidade de Verão do PSD, que Pedro Nuno Santos está “despeitado” e não tem razão nas queixas que faz sobre o alegado atraso no início das negociações orçamentais.

Mais do que falar do futuro do país, o governo concentra-se em reescrever a história dos últimos 8 anos. E a desonestidade com que o tem feito tem de ser combatida. (…) Sim, é verdade, a subida da inflação e das taxas de juro nos últimos dois anos da nossa governação emagreceu muito os já curtos orçamentos familiares. O SNS, apesar do maior aumento de investimento das últimas décadas, do aumento do número de profissionais, do aumento do número de cirurgias, de consultas e de episódios de urgência, não acompanhou a procura crescente de uma população mais envelhecida. A construção pública de habitação devia ter começado anos antes e a regulação do mercado de habitação avançou tarde na nossa governação.

Pedro Nuno Santos teve de tentar fazer um equilíbrio: defender os anos de governação costista das supostas “deturpações” da direita, enumerando várias conquistas do PS (do aumento dos salários e pensões à redução da dívida pública), enquanto reconhecia as falhas dessa mesma governação. É assim, aliás, que tem defendido que o partido deve proceder, aplicando o seu lema “humildade e empatia” e percebendo que há uma faixa da população que estará ainda zangada ou descontente com o PS (uma admissão de culpa que António Costa também fizera na véspera). Desta vez, Pedro Nuno foi aos exemplos concretos: reconheceu que os dois anos de maioria absoluta não trouxeram uma solução para o impacto da inflação sobre os orçamentos familiares e — um exemplo ainda mais significativo, porque teve esta pasta em mãos como ministro — que as soluções para a Habitação deviam ter sido encontradas “anos antes”. O PS perdeu as legislativas e precisa, como também aconselhava Costa, de reconhecer os seus próprios erros para fazer as pazes com o eleitorado que perdeu.

No que à administração pública diz respeito, apesar de termos reposto os cortes salariais, termos descongelado as carreiras e aumentado os salários dos funcionários públicos, devíamos ter ido mais longe. Porque era necessário, porque era justo e porque era possível do ponto de vista orçamental. (…) Quero, aliás, que fique claro que não será pelo PS que os acordos celebrados entre o governo e os diferentes grupos profissionais da administração pública ficarão por cumprir; e que, no caso de o Orçamento do Estado para 2025 não ser aprovado, estaremos disponíveis para aprovar um orçamento retificativo que garanta a execução desses acordos.

Segundo o PS, o Governo anda a adotar medidas “eleitoralistas” enquanto pensa numa crise política antecipada; segundo Luís Montenegro, elas são apenas medidas “agradáveis”. Seja como for, tanto um como outro prometeram, durante a campanha eleitoral, que chegariam a acordo com vários setores da Função Pública para que fossem aumentados — e Montenegro, chegado a São Bento, fez dessa uma das suas primeiras prioridades. Aqui, Pedro Nuno faz um mea culpa que ocupa as cabeças socialistas — se o PS tivesse adotado algumas destas medidas “agradáveis” mais cedo, com o excedente que tinha em mãos e que agora o PSD pode utilizar, o resultado das eleições teria sido diferente? — e tenta conter os danos de um possível chumbo orçamental, assegurando que não é pelo PS que essas medidas ficam pelo caminho. Quando a crise política ainda estava longe Pedro Nuno Santos já fazia, de resto, essa crítica ao próprio Governo do PS, dizendo que deveria concentrar-se em fazer as pazes com várias classes profissionais que pediam aumentos. Não foi a tempo.

Agora pedem-nos que não façamos críticas, que nos calemos, porque governámos 8 anos e o atual governo só tem 5 meses. O que o governo mais desejava era um PS amordaçado, refém do seu passado, com medo da sua própria sombra. Mas como nos podemos calar perante a gestão caótica da saúde? (…) Como nos podemos calar perante um governo que quer baixar o IRC de forma transversal e sem critério para todas as empresas(…)? Como nos podemos calar perante um governo que quer implementar dois regimes de IRS distintos em Portugal?

Um dos principais argumentos que o Governo tem usado para contornar as críticas do PS é que o partido teve anos para resolver os problemas de que agora se queixa. Aqui, Pedro Nuno Santos vai buscar esse argumento, mas para frisar que não é por isso que o PS ficará “refém do seu passado” — o tal que defendeu, assumindo falhas, minutos antes — e elencar todos os erros que o Governo já cometeu ativamente (e não os problemas que já existiam) nestes cinco meses. Dá exemplos diferentes, mas dois particularmente relevantes para a negociação do Orçamento do Estado: a descida do IRC e o regime do IRS Jovem, dois exemplos que tem usado para argumentar que o PSD quer favorecer os mais ricos (pessoas e empresas) e governar para uma “minoria”, agravando desigualdades.

É por isso que, logo que seja ultrapassada a discussão e votação do Orçamento do Estado, lançaremos os Estados Gerais que permitirão abrir o PS a novas pessoas e a novas ideias. Uns Estados Gerais que sejam um primeiro passo para um partido renovado, mais próximo dos portugueses, capaz de reconquistar a sua confiança.  O próximo ano será também ano de eleições autárquicas. (…) Será um ano de trabalho intenso para todos os socialistas, com um objetivo em mente: voltarmos a ganhar as eleições autárquicas.

A ideia vem das eleições europeias: na noite da vitória, Pedro Nuno Santos prometeu que o PS lançaria uns Estados Gerais para renovar o partido, e agora anuncia que isso acontecerá após o período orçamental. É um dos passos de um caminho que muitos socialistas acreditam que o novo líder ainda tem de percorrer, para se consolidar como líder, abrir o partido e fazer um percurso sólido que não chegou a ter tempo de fazer com a surpresa das eleições antecipadas deste ano. O próximo desafio, se o calendário político correr normalmente — e aqui Pedro Nuno Santos não fez grandes referências à questão da instabilidade ou de uma possível crise política — será o autárquico, de que o PS começará a tratar mais ativamente com o início deste ano político.

Em primeiro lugar, o Partido Socialista só pode iniciar qualquer negociação se receber a informação que foi pedida há cerca de um mês ao governo. (…) Em segundo lugar, o Partido Socialista nunca viabilizará um Orçamento de Estado que inclua ou tenha como pressuposto os regimes para o IRS e IRC que deram entrada na AR. (…) Em terceiro lugar, se as propostas de autorização legislativa sobre o IRC e o IRS que deram entrada na Assembleia da República forem aprovadas com a Iniciativa Liberal e o Chega, então é com esses partidos que também o Orçamento do Estado deve ser aprovado.

Neste ponto do discurso, Pedro Nuno Santos promete ser “claro” sobre o elefante na sala — o Orçamento do Estado para 2025 — e sistematiza os passos que, na sua visão, o Governo tem de dar para que o PS possa negociar e eventualmente viabilizar o documento. Por um lado, repete que precisa de mais informações para saber o real estado das contas públicas e a folga com que o Governo conta para novas medidas. Por outro, também repete que dois regimes que considera injustos, e que tem considerado provas de que o Governo governa para uma “minoria” — a descida transversal do IRC e o IRS Jovem mais favorável para quem tem mais rendimentos — são uma linha vermelha que o PS não aceitará. Acontece que o PSD avançou em julho com esses dois regimes não no âmbito orçamental, mas parlamentar, via autorizações legislativas que não passam pelo articulado do Orçamento. Aqui, Pedro Nuno Santos deixa claro que considera essa ideia uma espécie de expediente e que um documento que tenha essas medidas como “pressuposto” — mesmo que não sejam aprovadas nesse âmbito — não terá o seu aval: para isso, o Governo terá de contar com a direita e o PS colocar-se-á fora de jogo.

Compreendo que muitos considerem que o Partido Socialista deve viabilizar o Orçamento do Estado porque o país deve excluir um cenário que possa levar a novas eleições. Mas peço-vos que façam um esforço para perceber a nossa posição. Em primeiro lugar, é uma questão de legitimidade política. (…) Em segundo lugar, é uma questão de coerência. O PS não pode simplesmente fechar os olhos a uma agenda fiscal radical, injusta e cara, que colide frontalmente com os seus princípios programáticos e que entende ser negativa para o país.

A reta final do discurso passa por um apelo à compreensão de quem o ouve sobre a delicada posição do PS, que o PSD tem afirmado que deve, por uma questão de responsabilidade, viabilizar o Orçamento do Estado. Sabendo que quem chumbar o Orçamento poderá ficar com o ónus da responsabilidade por uma eventual crise política, Pedro Nuno Santos tenta prevenir: tendo o PSD ficado pouco à frente nas legislativas, precisa de fazer cedências relevantes ao PS para que este tenha argumentos para viabilizar o documento, argumenta; além disso, as duas questões fiscais em cima da mesa — IRC e IRS — têm estado sempre no centro do discurso do socialista como exemplos do que distingue as agendas e as filosofias de PS e PSD. Numa altura em que a retórica orçamental está mais agreste do que nunca, o líder do PS jura que não está a pensar em “cálculos eleitorais” e apenas no interesse dos eleitores. E ganhar a narrativa sobre a negociação orçamental é, para os partidos, um objetivo crucial para os próximos meses.