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A mitra, o mais reconhecido dos símbolos usados pelos bispos

Universal Images Group via Getty

A mitra, o mais reconhecido dos símbolos usados pelos bispos

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Abusos na Igreja. Quem são e como pensam os bispos que já decidiram afastar os padres suspeitos?

Vários bispos já anunciaram o afastamento de padres suspeitos, outros dizem não haver dados e alguns continuam em silêncio: numa Igreja que fala várias vozes, quem são os bispos que já decidiram agir?

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Uma semana depois de os bispos terem recebido das mãos da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa a lista com os nomes dos alegados abusadores sexuais que ainda se encontram no ativo, a maioria dos 20 bispos diocesanos do país já anunciou publicamente o destino que deram ao documento: alguns anunciaram o afastamento dos suspeitos, enquanto nos outros casos houve bispos a revelar que não tinham recebido informação nova, que já tinham suspendido aqueles padres, que precisavam de dados adicionais ou até que não conheciam os nomes em questão.

Os restantes bispos mantêm-se em silêncio sobre o assunto até ao momento. O Observador questionou-os a todos esta quinta-feira, tendo recebido de várias dioceses a indicação de que é expectável a divulgação de informação pública nos próximos dias.

Entretanto, ao longo desta semana, os pronunciamentos públicos de alguns bispos portugueses, incluindo o presidente da Conferência Episcopal e bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e o bispo auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, demonstraram de modo particularmente eloquente aquilo que já não tem sido novidade em todo este processo de luta contra os abusos: em Portugal, a Igreja Católica está longe de falar a uma só voz; pelo contrário, começam a ganhar expressão pública as sensibilidades diferentes, e por vezes contraditórias, que se verificam entre os bispos portugueses.

Mas, afinal, quem são os bispos que se anteciparam na divulgação do que pretendem fazer com a lista? Como se têm posicionado no debate sobre os abusos na Igreja? E o que pretendem fazer agora?

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Funchal: quatro nomes, nenhum no ativo e um pedido de perdão

A primeira diocese portuguesa a falar publicamente sobre a lista de nomes que recebeu da comissão independente foi a do Funchal, que emitiu um comunicado logo no dia 3 de março — o próprio dia em que os elementos da comissão independente foram a Fátima reunir-se com todos os bispos e entregar-lhes, em envelopes fechados, os nomes de cada uma das dioceses que tinham sido mencionados nos testemunhos das vítimas.

A diocese, liderada por D. Nuno Brás, confirmou que a comissão independente tinha entregado ao bispo “quatro nomes resultantes das denúncias recebidas por parte de eventuais vítimas de abusos sexuais no âmbito da Igreja“, mas que nenhuma das pessoas mencionadas na lista tinham atualmente qualquer ligação à diocese.

“Apesar de nenhum daqueles nomes exercer atualmente qualquer ofício eclesiástico na diocese (um deles é mesmo desconhecido), a Diocese do Funchal não deixará de tomar a sério esta indicação e de procurar eventuais procedimentos canónicos e civis se aplicáveis no respetivo caso concreto”, disse a diocese no comunicado, no qual também se lê que a Igreja madeirense “pede perdão se em algum caso não foi capaz de proteger as vítimas e ao mesmo tempo reitera o seu empenho para que qualquer futura denúncia venha a conhecer o respetivo procedimento canónico e civil expressamente consignado para a proteção das vítimas”.

D. Nuno Brás, bispo do Funchal

A diocese do Funchal já esteve várias vezes sob os holofotes mediáticos devido a casos de abusos. Foi lá que, na década de 1990, aconteceu o célebre caso do padre Frederico, que fugiu da cadeia onde cumpria pena por homicídio de um jovem (de quem também terá abusado sexualmente) para o Brasil, onde ainda hoje se encontra. O caso, que ganhou grande dimensão mediática, envolveu diretamente o então bispo, D. Teodoro de Faria, que continuaria até aos dias de hoje a defender o sacerdote — e que também viria a estar envolvido no caso do padre Anastácio Alves, que volta por estes dias a estar na ordem do dia, depois de o antigo sacerdote se ter tentado entregar, sem sucesso, no Ministério Público, como o Observador noticiou.

Atualmente, a diocese do Funchal é liderada por D. Nuno Brás, que tomou posse em fevereiro de 2019 após uma carreira eclesiástica passada entre o Patriarcado de Lisboa (onde foi reitor do Seminário dos Olivais e bispo auxiliar) e Roma (onde foi reitor do Pontifício Colégio Português).

Quando chegou ao Funchal, D. Nuno Brás deparou-se com o dossiê do padre Anastácio Alves ainda em aberto: na altura, o sacerdote encontrava-se desaparecido e a diocese não tinha sequer forma de abrir o respetivo processo canónico.

Contudo, logo desde o primeiro momento, o atual bispo do Funchal começou a ser conotado entre os mais resistentes a um processo de investigação do fenómeno dos abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal. Em abril de 2019, quando ainda se discutia a criação de comissões diocesanas de proteção de menores (só mais tarde a sua criação viria a ser obrigatória), D. Nuno Brás foi um dos bispos a rejeitar a possibilidade, afirmando que não existiam casos que justificassem a criação do organismo.

Em outubro de 2021, antes da assembleia plenária dos bispos portugueses na qual foi decidida a criação da comissão independente para o estudo dos abusos de crianças na Igreja, várias fontes da Igreja Católica apontavam ao Observador três nomes como os mais resistentes à criação do organismo: D. Nuno Brás, mas também D. António Couto (Lamego) e D. Manuel Linda (bispo do Porto, à época tornado célebre por ter rejeitado a criação de uma comissão diocesana porque também não havia comissões para estudar a queda de meteoritos na cidade do Porto).

Ao longo do último ano, foram escassas as declarações públicas do bispo sobre a questão dos abusos, embora D. Nuno Brás tenha participado na vigília de oração pelas vítimas dos abusos, agendada para a semana seguinte à divulgação do relatório da comissão independente.

Mais recentemente, já depois da assembleia plenária dos bispos portugueses, D. Nuno Brás foi um dos bispos que fizeram eco das palavras de D. José Ornelas sobre a não responsabilidade da Igreja em eventuais indemnizações às vítimas dos abusos. “A Igreja não é culpada daquilo que os sacerdotes, individualmente, fizeram. Não faz parte do ministério dos sacerdotes cometer pecados, cada um é responsável por aquilo que praticou”, disse, citado pelo Diário de Notícias da Madeira, no início da semana. “Agora, a Igreja está disponível para ajudar naquilo que são apoios psicológicos dessas vítimas, naquilo que for necessário, mas para isso é preciso saber quem são elas.”

Angra: tolerância zero e padres suspeitos afastados de imediato

Depois de uma primeira reação ainda a quente do bispo do Funchal, foi dos Açores que veio um dos primeiros anúncios concretos: o bispo de Angra, D. Armando Esteves Domingues, decidiu afastar temporariamente os dois padres que constavam da lista entregue pela comissão independente.

A diocese tomou a iniciativa de divulgar um comunicado aos meios de comunicação social a explicar tudo o que estava em causa: no total, a comissão independente recebeu denúncias relativas a oito casos de alegados abusos ocorridos na Região Autónoma dos Açores, no contexto da Igreja Católica, entre 1973 e 2004. Dos oito alegados abusadores, quatro (três padres e um leigo) já tinham morrido; outros dois não foram classificados pela comissão independente como casos relevantes. Por isso, a lista que a comissão entregou ao bispo incluía apenas dois nomes.

Bispos de Angra e Évora afastam padres incluídos na lista de alegados abusadores entregue pela comissão independente

“O bispo diocesano já falou com ambos e, em conjunto, acordaram que os sacerdotes em causa ficarão impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia, que já foi iniciado na Diocese e de acordo com as normas canónicas. Igualmente seguirá a participação ao Ministério Público”, anunciou a diocese, num comunicado em que também salientou que esta decisão era a única em linha com as orientações do Papa Francisco: “Esta decisão não é uma assunção de culpa dos próprios nem uma condenação por parte do Bispo diocesano. Trata-se de seguir aquilo que o Papa Francisco tem recomendado como norma e prática da Igreja em matéria de abusos, sobretudo depois da publicação do Vade-mécum sobre procedimentos para enfrentar casos de abuso de menores na Igreja.”

D. Armando Esteves Domingues, bispo de Angra

Site da diocese de Angra

Habitualmente discreto e à frente de uma diocese com pouca exposição nos meios de comunicação social nacionais, D. Armando Esteves Domingues saltou rapidamente para as primeiras páginas dos jornais por ser um dos rostos da ação decisiva numa altura em que a Igreja Católica portuguesa estava sob duras críticas da sociedade civil (e também de alguns membros da comissão independente) devido à reação frouxa da Conferência Episcopal Portuguesa ao relatório conhecido em fevereiro.

Nascido em 1957 na pequena vila de Oleiros, distrito de Castelo Branco, Armando Esteves Domingues foi ordenado em 1982 em Viseu — diocese onde passou grande parte da sua carreira eclesiástica, uma vez que foi nesse seminário que estudou logo depois de concluir a quarta classe em Oleiros. Chegou a vigário-geral da diocese de Viseu (na prática, o braço direito do bispo) em 2015 e, três anos depois, foi elevado a bispo pelo Papa Francisco, que o colocou como bispo auxiliar do Porto.

Durante cerca de quatro anos, D. Armando Esteves Domingues manteve-se essencialmente discreto, como bispo auxiliar de D. Manuel Linda — o bispo do Porto que causou polémica com as muitas declarações controversas sobre a questão dos abusos. Em 2021, quando o Observador procurou ouvir todos os bispos portugueses sobre a sua opinião em relação à criação de uma comissão independente, D. Armando Esteves Domingues foi um dos bispos que disse preferir manter-se em silêncio até à reunião da CEP.

O bispo chegou a Angra em novembro de 2022 na sequência de um demorado processo de rotação de bispos provocado, inicialmente, pela morte trágica do antigo bispo de Viana do Castelo, D. Anacleto Oliveira, que deixou aquela diocese sem liderança. Desde que chegou a Angra, D. Armando Esteves Domingues reafirmou a sua intenção de adotar uma política de “tolerância zero” em relação aos abusadores e, no dia em que a Comissão Independente apresentou o seu relatório, garantiu publicamente que não basta pedir perdão, é preciso agir.

Fontes ouvidas pelo Observador dão conta de que o bispo de Angra foi um dos que mais colaboraram com a comissão independente durante o processo de estudo que decorreu no último ano — apesar de já só ter estado em funções na fase final da investigação. O psiquiatra Daniel Sampaio, uma das figuras que pertenceram à comissão independente, destacou ao Observador que os bispos de Angra e Évora, dois dos que anunciaram a suspensão preventiva de padres suspeitos, estão “em linha com o que foi recomendado pela comissão”.

Évora: “o primeiro a ir à polícia” foi dos primeiros a afastar padre suspeito

Em março de 2019, numa entrevista ao Observador, o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, destacou-se de vários outros líderes religiosos portugueses ao afirmar, sem deixar margem para dúvidas, que seria “o primeiro a ir à polícia” caso recebesse uma denúncia de abusos. Na altura, a questão da obrigação moral vs. obrigação legal de denunciar à polícia os casos de abusos era um dos debates centrais na Igreja Católica em Portugal — um país cuja lei civil não exige a denúncia de crimes aos cidadãos em geral, apesar de, a partir do Vaticano, a indicação central ser a de que existe uma obrigação moral de o fazer que recai sobre os bispos.

Abusos sexuais. “Eu serei o primeiro a ir à polícia”, diz o arcebispo de Évora

Na mesma entrevista, o arcebispo assumia que o povo se sentia “gravemente traído e criminosamente traído” pela atitude do clero e afirmava: “Não devemos, de maneira nenhuma, descansar no setor da Igreja e não estar atentos a este complexo mundo das violações dos direitos humanos, da violação da mulher, da violação das crianças. Eu penso que é importante termos uma verdadeira paixão pela defesa da criança, pela defesa de todos os que são mais desprotegidos, e não temermos o caminho da verdade. Aí, eu gostava de prestar uma homenagem à comunicação social, que fez um trabalho muito importante de despertar a sociedade, de nos alertar, de trazer um tema para a mesa que é fundamental. Foi um trabalho que não posso deixar de apreciar e de agradecer.”

D. Francisco Senra Coelho, arcebispo de Évora

Paulo Jorge Magalhães / Global Imagens

D. Francisco Senra Coelho, que passou toda a sua vida eclesiástica na arquidiocese de Évora até ser elevado a bispo em 2014, altura em que foi colocado como bispo auxiliar de Braga, voltou a Évora em 2018 como arcebispo. Ao longo dos últimos anos, tem sido considerado um dos bispos mais progressistas do país, um dos mais alinhados com as posições do Papa Francisco e também um dos que mais colaboraram com a comissão independente.

Em outubro de 2021, D. Francisco Senra Coelho dizia ao Observador que defendia sem margem para dúvidas uma investigação histórica sobre a realidade dos abusos na Igreja — mesmo que para isso fosse necessário abrir uma exceção nas regras de acesso aos arquivos eclesiásticos. “A verdade histórica deve ser apurada com credibilidade, seriedade e metodologias científicas“, dizia. “Não podemos ter qualquer tipo de censura quanto à investigação histórica.”

No verão do ano passado, por exemplo, o arcebispo de Évora afastou um padre de Samora Correia de todas as funções eclesiásticas depois de este ter sido acusado de ocultar um crime de abuso sexual praticado por um acólito — motivo pelo qual o Ministério Público o acusou do crime de abuso por omissão.

Agora, no mesmo dia em que o bispo de Angra anunciou o afastamento de dois padres suspeitos de abusos, o arcebispo de Évora anunciou uma decisão semelhante na sequência da informação que recebeu da parte da comissão independente. Segundo um comunicado da arquidiocese, D. Francisco Senra Coelho recebeu das mãos da comissão independente uma lista com apenas dois nomes: um deles o de um sacerdote que morreu “há alguns anos” e outro um nome sem informações complementares sobre o qual não havia qualquer elemento. Por isso, o arcebispo pediu à comissão independente que lhe enviasse mais informações sobre o caso. A comissão confirmou o caso e explicou que se tratava de uma queixa referente a abusos ocorridos contra rapazes na década de 1980 no Seminário Menor de Évora.

Perante estas informações, o arcebispo decidiu abrir um processo canónico ao padre em questão, enviou os dados para o Ministério Público e decidiu pelo “afastamento cautelar do sacerdote do ofício de pároco e de todas as atividades pastorais que incluam contacto com menores, sem prejuízo da sua presunção de inocência“.

Viana do Castelo: único suspeito no ativo já tinha sido afastado

Depois dos anúncios feitos pelos bispos de Angra e Évora, várias outras dioceses portuguesas começaram a divulgar informações sobre o que estão a fazer com a lista de nomes que receberam.

Foi o caso de Viana do Castelo. Inicialmente, quando questionada pelo Observador, fonte da diocese explicou que “após a entrega da lista pela Comissão independente à Diocese de Viana, no passado dia 3 de Março, a mesma não tem nada a acrescentar ao seu último comunicado sobre esta matéria no dia 23 de Janeiro”.

Nesse dia, a diocese minhota tinha tomado a iniciativa de afastar um padre suspeito de abusos, depois de ter recebido uma denúncia e de o próprio suspeito ter confirmado uma relação com um menor de idade.

Diocese de Viana do Castelo afasta padre após receber queixa de abusos. Pároco confirmou factos da acusação

“Além do caso tornado público pela Diocese de Viana não existe mais nenhum padre no ativo que conste do material entregue pela comissão independente”, disse fonte da diocese ao Observador.

D. João Lavrador, bispo de Viana do Castelo

Site Diocese Viana do Castelo

Mais tarde, o bispo de Viana do Castelo, D. João Lavrador, falou à Rádio Renascença e à Agência Ecclesia (ambos meios de comunicação social da Igreja Católica), admitindo que tem o dever de “informar a sociedade” sobre a realidade dos abusos.

“Recebi dois nomes, duas pessoas: um primeiro identificável, com nome e apelido, de uma pessoa que já morreu há bastante tempo”, e um segundo referido “apenas por um nome”, que foi possível identificar por ser o único com aquele nome em todo o clero da diocese. “Neste momento, não está no ativo, dadas as suas condições de fragilidade pessoal“, explicou o bispo.

Assim, segundo a diocese, o único padre no ativo que se sabe estar envolvido em casos de abuso já tinha sido afastado por iniciativa do próprio bispo antes da apresentação do relatório da comissão independente.

D. João Lavrador, natural de Mira (Coimbra), fez grande parte da sua carreira eclesiástica na diocese de Coimbra, onde chegou a ser reitor do seminário e cónego da catedral, antes de ser nomeado como bispo auxiliar do Porto, em 2008 — seguindo depois, em 2015, para Angra. Foi nomeado para Viana do Castelo em 2021.

Santarém: diocese revela que não recebeu qualquer lista

Outro dos bispos portugueses que já se pronunciaram sobre o assunto foi o bispo de Santarém, D. José Traquina — antigo bispo auxiliar de Lisboa que assumiu a diocese ribatejana em 2017 e que, ao longo dos últimos anos, se manifestou favorável à investigação dos abusos na história da Igreja em Portugal. Aliás, em 2019, quando se começou a debater a possibilidade de criar comissões diocesanas de proteção de menores, Santarém foi a única diocese a dizer que não precisaria de implementar grandes mudanças, uma vez que já tinha uma equipa do género em funções há vários anos.

Em outubro de 2021, ao Observador, D. José Traquina disse que era “favorável” à criação de uma comissão nacional para investigar os abusos na Igreja e para apoiar as comissões diocesanas no seu trabalho de prevenção.

D. José Traquina, bispo de Santarém

Facebook Diocese Santarém

Agora, depois da entrega das listas à Igreja Católica por parte da comissão independente, o bispo de Santarém publicou um comunicado a explicar que não recebeu qualquer nome que lhe caiba investigar.

“Na passada sexta-feira, na Assembleia Plenária da CEP, não lhe foi entregue nenhum envelope com nomes de padres a investigar por denúncia de abusos”, disse, sublinhando esta realidade com o âmbito geográfico e temporal da diocese. “A área geográfica da Diocese de Santarém corresponde apenas a 13 municípios dos 21 que constituem o Distrito de Santarém”, explicou. “A Diocese de Santarém foi criada em 1975 (há 48 anos) e o Relatório é referente ao período desde 1950 (há 72 anos). Houve casos referidos a Santarém no Relatório da CI que não se enquadravam na geografia e/ou no tempo histórico da Diocese, conforme comprovou o investigador.”

Até 1975, os territórios que hoje correspondem às dioceses de Santarém e de Setúbal faziam parte do Patriarcado de Lisboa — pelo que os casos que dizem respeito a esse período estão ligados aos arquivos da diocese lisboeta.

Algarve: um caso arquivado e outro à espera de mais dados

Já esta quinta-feira, a diocese do Algarve, liderada pelo bispo D. Manuel Quintas, revelou que também recebeu uma lista com dois nomes da parte da comissão independente: um deles já tinha sido alvo de um processo canónico e judicial (que terminara arquivado) e outro é desconhecido da diocese.

“Um dos nomes refere-se a um caso que a Diocese do Algarve teve conhecimento em outubro de 2021 e que desencadeou imediatamente a investigação prévia, com informação ao Ministério Público, cujo resultado foi enviado para a Santa Sé, a qual, após a análise do processo, indicou que o mesmo devia ser arquivado“, disse a diocese em comunicado.

D. Manuel Quintas, bispo do Algarve

Página da Diocese do Algarve na internet

O caso em questão veio a público no início de outubro de 2021 quando uma alegada vítima expôs o caso no programa “Goucha”, na TVI. O homem revelou vários episódios de abuso sexual que sofreu quando esteve institucionalizado na Casa dos Rapazes, em Faro, incluindo da parte de um padre que tinha sido capelão do exército. A diocese tomou conhecimento do caso através do programa televisivo e abriu um processo canónico de imediato. Segundo a Igreja explicou na altura ao Observador, a diocese procurou localizar e entrar em contacto com o denunciante através das informações do programa e do contacto com conterrâneos — e assim que recolheu os dados encaminhou-os ao Ministério Público.

Igreja investiga suspeita de abusos de menores por padre no Algarve há mais de 30 anos. Diocese informou Ministério Público

O caso acabaria arquivado, tanto pelo Ministério Público (por prescrição do caso) como pela Santa Sé (por falta de indícios).

“O segundo nome indicado não corresponde a nenhum sacerdote incardinado na Diocese do Algarve, nem se encontra nos arquivos diocesanos alguma referência a seu respeito. O Bispo do Algarve já informou a Comissão Independente (Grupo de Investigação Histórica) desta ocorrência, ficando a aguardar uma informação adicional sobre este assunto“, acrescentou o comunicado da diocese.

No mesmo comunicado, a diocese algarvia revelou que o bispo convocou todo o clero da diocese para uma assembleia “destinada a estudar medidas para prevenir a possibilidade de ocorrência de abusos no futuro, quer envolvendo menores, quer adultos vulneráveis, a partir da legislação civil e canónica em vigor”.

Ao longo dos últimos anos, D. Manuel Quintas tem sido um dos bispos mais favoráveis à investigação dos abusos e à tomada de medidas de tolerância zero. Na sua recente mensagem para a Quaresma, o bispo do Algarve — que pertence à congregação dos Dehonianos (a mesma de D. José Ornelas) e que é bispo no Algarve desde 2000, primeiro como auxiliar e desde 2004 como titular — classificou o relatório da comissão independente como “um veemente apelo à conversão”, que exige “coragem e decisão em conhecer a verdade”.

Há dois anos, D. Manuel Quintas já se tinha manifestado favorável à criação desta comissão, que ajudaria os bispos a “assumir uma linha comum de atuação de modo a dar uma resposta cabal a todos as questões que este problema coloca“. Ao Observador, o bispo do Algarve disse que, na assembleia plenária dos bispos, se iria manifestar a favor da criação do organismo.

Portalegre-Castelo Branco: únicos suspeitos morreram há décadas

“Neste momento, acho que nem os mais distraídos serão capazes de ignorar ou tentar subestimar o problema dos abusos.” Em outubro de 2021, era assim que D. Antonino Dias, o bispo de Portalegre-Castelo Branco, resumia ao Observador a realidade da Igreja Católica em relação à crise que começava a ganhar enormes proporções.

No mês seguinte, na reunião dos bispos que acabaria por decidir pela criação da comissão independente, o bispo iria votar favoravelmente a medida. “Este processo não se deve enrodilhar no tempo, deve ser célere“, explicava. “Se numa casa há lixo, é evidente que não deve ser atirado para debaixo do tapete. Entendo que deve ser feito tudo aquilo que possa não deixar qualquer espécie de dúvida na sociedade sobre a vontade e a transparência da Igreja em relação a este problema e às suas vítimas.”

D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco

Site Diocese Portalegre-Castelo Branco

Esta semana, D. Antonino Dias, antigo bispo auxiliar de Braga que lidera a diocese de Portalegre-Castelo Branco desde 2008, também se juntou ao grupo dos primeiros bispos a anunciar os resultados da sua análise à lista que recebeu da comissão independente.

Através de um comunicado que publicou na sua página pessoal do Facebook, o bispo explicou que o relatório da comissão independente dá conta de denúncias “relativas a cinco alegados casos de abuso sexual ocorridos no território da Diocese de Portalegre-Castelo Branco e referentes a membros do clero”.

“Na visita do Grupo de Investigação aos nossos Arquivos Diocesanos, em 29 de dezembro de 2022, viemos a saber que os alegados abusos, praticados por membros do clero, terão ocorrido entre 1958 e 1981 em situações e circunstâncias diferentes. Em três dos casos não era referido o nome dos abusadores. Nos outros dois casos, sim“, esclareceu D. Antonino Dias.

O bispo acrescentou ainda: “Na lista que, posteriormente, em 3 de março corrente, foi entregue pelo Presidente da Comissão Independente, em Fátima, constam esses dois nomes de abusadores. Aqueles mesmos de que já fora informado aquando da consulta aos arquivos, em 29 de dezembro de 2022. Os dois já faleceram. Um, na década de 60, outro na década de 80.”

“A Diocese tudo fará para que os abusos de menores e pessoas vulneráveis nunca venham a ter lugar, adotando a tolerância zero. Recentemente, tivemos conhecimento de um alegado abuso por parte de um leigo, numa instituição da Igreja diocesana, estando em curso os respetivos procedimentos”, sublinhou o bispo.

Viseu: bispo diz que já tratou dos casos, mas não confirma se afastou padres

O bispo de Viseu, D. António Luciano Costa, é outro dos que já anunciaram publicamente o que consta da lista que recebeu. Num comunicado, o prelado salientou que a lista que recebeu tinha cinco nomes e que todos eles já eram do seu conhecimento.

“Todos estes já eram do meu conhecimento e já tinham sido tratados segundo as normas aplicáveis, quer a nível canónico, quer a nível civil, tendo também sido entregues ao Ministério Público”, disse o bispo, sem clarificar se afastou ou não os sacerdotes.

D. António Luciano, bispo de Viseu

Miguel Pereira Da Silva

No mesmo comunicado, D. António Luciano Costa manifestou a sua “comunhão na dor com todas as vítimas de abusos cometidos por membros da Igreja Católica” e pediu “perdão a todas as vítimas de qualquer abuso na Igreja”.

Em outubro do ano passado, o Observador noticiou que o bispo de Viseu mantinha em funções um padre que estava a ser investigado por abusos sexuais. Tratava-se de um caso que tinha sido denunciado à comissão independente e no qual estão em causa factos que remontam à década de 1990.

Bispo de Viseu mantém em funções padre que está a ser investigado por abuso sexual

Na altura, o bispo recusou responder às perguntas do Observador. Já o padre em questão, que classificou a denúncia como “mentira”, confirmou ao Observador que tinha sido chamado pelo bispo para ser questionado sobre uma “coisa muito antiga”.

Guarda: diocese afasta um padre, o outro suspeito morreu em 1980

Esta sexta-feira de manhã foi a vez de a diocese da Guarda anunciar o afastamento preventivo de um sacerdote. No total, a lista feita pela Comissão Independente dava conta de dois padres suspeitos naquela diocese, sendo que um deles morreu em 1980.

O padre agora afastado, revelou o comunicado tornado público, já tinha sido alvo de uma denúncia anónima, que o bispo da Guarda, D. Manuel Felício, comunicou ao Ministério Público.

D. Manuel Felício, bispo da Guarda

Diogo Proenca

Antes da decisão de afastamento, foi pedida mais informação à Comissão Independente. “Os novos dados que nos chegaram permitem-nos ter os elementos necessários para fazer o processo canónico de investi­ga­ção prévia, que enviaremos ao Dicastério da Doutrina da Fé e comunicaremos esta mesma informação complementar ao Ministério Público, sempre sob segredo de justiça”, pode ler-se no comunicado.

Em relação às vítimas do outro alegado agressor, que entretanto morreu, a diocese fez saber que está disponível para dar todo o apoio necessário.

“Assumimos o compromisso sério da Igreja em Portugal para erradicar os abusos sexuais de crianças e jovens, porque isto é algo não só devastador para as vítimas, mas também completamente contraditório com aquilo que a Igreja é, com aquilo que é o seu papel e daquilo que ela pretende fazer”, conclui a nota.

A decisão agora tomada contrasta com outra do passado. Em outubro de 2022, o Observador noticiava que um padre da diocese estava a ser investigado por suspeitas de abuso sexual de menores, sem que o bispo D. Manuel Felício o retirasse de funções nas várias paróquias onde aquele tinha a seu cargo comunidades e serviços que lidavam com menores.

Padre está a ser investigado por abusos, mas bispo da Guarda mantém-no à frente de paróquias. Tem a cargo serviços que lidam com crianças

Braga: um padre afastado, três já morreram e outro não consta nos registos

Também a arquidiocese de Braga tornou público nas últimas horas as medidas que tomou com base na lista de oito nomes entregue pela Comissão Independente. Também aqui um padre foi afastado preventivamente.

Quanto aos outros nomes, refere o comunicado, três já morreram, um deles “não corresponde a nenhum sacerdote da arquidiocese de Braga, nem se encontra nos arquivos da arquidiocese qualquer referência a seu respeito”, um outro foi já absolvido num processo civil, outro foi alvo de um processo canónico e está com medidas disciplinares em vigor, havendo depois um agente pastoral que ainda não foi identificado.

D. José Cordeiro, arcebispo de Braga

Bruno Luís Rodrigues/Secretariado diocesano das Comunicações Sociais

Entretanto foram solicitados mais dados à Comissão Independente para que se possa fazer uma investigação sobre o nome que não consta nos arquivos.

Quanto ao caso do sacerdote que responde por um processo canónico, também será avaliado se estarão em causa novos factos no trabalho da Comissão Independente — “se se verificar que os testemunhos recolhidos pela Comissão Independente configuram novos factos, será iniciado um novo procedimento canónico”.

A arquidiocese também reafirma o “compromisso em acolher e escutar as vítimas, tratando todos os casos com critérios inequívocos de transparência e justiça, contribuindo assim para a máxima reparação possível do mal sofrido”.

O Observador sabe que durante toda esta semana o arcebispo D. José Cordeiro e a sua equipa estiveram empenhados na análise da lista e na identificação de todos os casos que dela constam. Recorde-se que no início deste mês, o bispo auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, defendeu que os bispos católicos têm autoridade para afastar preventivamente os sacerdotes sobre os quais recaia uma suspeita de abuso sexual, contrariando o que tinha sido dito antes pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que considerou que afastar um padre das funções “não é uma coisa que um bispo possa fazer por si”, mas apenas a “Santa Sé”.

Bispo auxiliar de Braga garante que bispos podem suspender padres suspeitos e pede ação “sem hesitação”

Lisboa: Patriarcado não afasta suspeitos e pede mais dados à Comissão

O Patriarcado de Lisboa anunciou também esta sexta-feira que a lista que lhe foi entregue pela Comissão Independente tinha 24 nomes, adiantando que, desses, cinco padres ainda estão no ativo. A decisão foi a de não afastar para já os sacerdotes, optando por pedir mais dados à Comissão.

“Oito [casos] são de sacerdotes já falecidos, dois são sacerdotes doentes e retirados, três de sacerdotes sem qualquer nomeação, cinco são de sacerdotes no ativo, quatro são nomes desconhecidos e um dos nomes refere-se a um leigo e outro a um sacerdote que abandonou o sacerdócio”.

O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, preside à Missa do Dia de Natal, que decorreu na Sé de Lisboa, em Lisboa, 25 de dezembro de 2022. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Os dados solicitados com caráter de urgência, dá-se conta, são na prática “recomendações que lhe [ao cardeal-patriarca] permitam fundamentar a proibição do exercício público do ministério dos sacerdotes no ativo e assunção das devidas responsabilidades no apoio e respeito pela dignidade das vítima”.

O Patriarcado de Lisboa refere igualmente que assinou um protocolo com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), estando determinado em “erradicar o drama dos abusos contra menores e adultos vulneráveis”.

Manuel Clemente afasta suspensão de padres sem “factos comprovados”

Porto: padres no ativo não serão afastados, a menos que surjam “indícios fiáveis”

No caso do Porto, a lista recebida continha 12 nomes de suspeitos. Segundo anunciado pela diocese, desses, quatro padres morreram e outro já saiu. Quanto aos restantes serão investigados, mas não afastados — a menos que surjam “indícios fiáveis”.

A nota acrescenta que as denúncias em causa remontam aos anos 70 e 80 e que foi iniciada uma investigação prévia sobre os “clérigos vivos”.

“Nos arquivos diocesanos, não se encontra qualquer indício de possíveis crimes de abusos, tal como, aliás, o Grupo de Investigação Histórica já tinha verificado. À Comissão Diocesana para o Cuidado dos Frágeis também não chegou qualquer denúncia relativamente a estes nomes. Não obstante, o processo de investigação continua”, assegurou o bispo do Porto, D. Manuel Linda que já reuniu com diversas pessoas, reforçando que algumas delas “já não vivem na área”.

D. Manuel Linda, bispo do Porto

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A postura do bispo do Porto em relação às medidas tomadas pela Igreja para o estudo dos casos de abuso sexual de menores foi desde o início crítica. Numa entrevista, anterior à criação da comissão diocesana do Porto — e, por isso, à Comissão Independente –, Manuel Linda chegou mesmo a comparar os abusos na igreja à queda de meteoritos na cidade do Porto: “Ninguém cria, por exemplo, uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”.

No final do ano passado, acabaria, no entanto, por reconhecer que os abusos eram uma realidade dentro da Igreja portuguesa, “muito mais sombria” do que julgava. “Temos amarguradamente de reconhecer que a realidade é muito mais sombria e dolorosa do eu que pensava. Fique muito claro que sofro e deploro liminarmente esse flagelo dos crimes de natureza sexual cometidos contra menores ou pessoas vulneráveis. E que tudo farei para lhes pôr cobro”, disse, numa nota episcopal, em outubro de 2022.

Coimbra: sete nomes, dois no ativo, nenhuma medida a tomar

O reitor do seminário maior de Coimbra foi uma das personalidades da Igreja a contradizer a ideia, expressa pelo cardeal-patriarca de Lisboa de que só a Santa Sé teria poderes para afastar um sacerdote visado em suspeitas de abusos sexuais ou na ocultação de casos no seio da Igreja.

Ao Público, o padre Nuno Santos defendeu mesmo que essa era uma das possibilidades de ação, de acordo com o manual de instruções divulgado pelo Vaticano em 2020. “É verdade que um nome não é suficiente para afastar um sacerdote, mas é claro para todos, e há directivas objectivas do Papa Francisco, que ditam que quando um sacerdote é acusado e essa acusação é objectiva e tem fundamento forte, esse padre deve ser retirado automaticamente de funções”, disse àquele diário.

Já esta sexta-feira, e depois de analisar o documento entregue pela Comissão Independente, a diocese de Coimbra anunciava que os padres suspeitos da prática de abusos, e que foram referenciados ao grupo liderado pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, não seriam afastados das suas funções. À diocese chegou uma lista com sete nomes. Desses, apenas dois se mantinham no ativo (os outros cinco já morreram). E, nos dois casos passíveis de ação, a decisão seria a de que se mantivessem em funções.

Diocese de Coimbra mantém no ativo dois padres suspeitos de abuso sexual

Porquê? De acordo com o comunicado divulgado pela diocese, depois de receber a primeira informação, a diocese contactou a Comissão Independente para obter informações complementares sobre um dos casos. Recebida a resposta, “conclui-se”, diz o comunicado, “que não foi praticada nenhuma forma de abuso sexual de menor” pelo padre visado. Por essa razão, o sacerdote não será afastado e também não lhe serão aplicadas “medidas cautelares”.

A propósito do segundo padre no ativo que surge na lista da Comissão Independente, a diocese de Coimbra argumenta que o sacerdote já foi sujeito tanto a uma investigação pelo Ministério Público como também a uma investigação prévia canónica. Ambas resultaram no arquivamento do caso, afirmou fonte oficial em comunicado enviado esta sexta-feira.

Bragança-Miranda: três padres nomeados, nenhum em funções na diocese

Foi já este sábado que a diocese de Bragança-Miranda tornou pública a sua posição. Sem ter um bispo em funções (José Cordeiro foi nomeado bispo de Braga e ainda não foi substituído), a diocese revelou ter recebido a informação de que três padres sob sua jurisdição eram visados no relatório.

Analisados esses nomes pelo administrador diocesano, Adelino Gomes, a diocese concluiu que nenhum dos três seria alvo de qualquer medida, todos por razões diferentes: como aconteceu noutras zonas do país, um dos padres visados no relatório já morreu e, por isso, qualquer ação “tornou-se naturalmente inconsequente”; um segundo padre referenciado “já tinha sido alvo de um processo civil e canónico por abuso sexual de menores, processo esse entretanto concluído e que resultou na aplicação de medidas disciplinares que estão em vigor”; o terceiro ainda estará a exercer funções, mas “fora da diocese, pelo que já foi devidamente encaminhado para a diocese de origem”.

No comunicado, a diocese de Bragança-Miranda diz estar “solidária com as vítimas, de dentro e fora da Igreja” e refere que “empenhar-se-á e tudo fará no sentido de que qualquer futura denúncia venha a conhecer o respetivo procedimento canónico e civil expressamente consignado para a proteção das vítimas”.

O que dizem as outras dioceses?

Quando o Observador enviou questões às dioceses que não se tinham pronunciado sobre eventuais medidas a tomar, depois de terem recebido o relatório da Comissão Independente, apenas 12 tinham falado publicamente sobre a lista de nomes que receberam. Em alguns casos, esses organismos da Igreja não responderam às perguntas.

Quanto às que responderam, a diocese de Bragança-Miranda, que se encontra em sede vacante desde a transferência de D. José Cordeiro para a arquidiocese de Braga (e que entretanto tornou pública a sua posição), explicou que ainda não tinha recebido a lista em questão, uma vez que o administrador diocesano (padre que faz as vezes do bispo enquanto se aguarda pela nomeação do novo bispo) não pôde estar em Fátima para a assembleia plenária da última semana. Segundo a diocese, o administrador contava ter estado presente, mas uma urgência, relacionada com o agravamento súbito do estado de saúde de um sacerdote da diocese, que acabaria por falecer, obrigou o administrador a mudar os planos. “Logo que chegue será analisado e serão encetados os procedimentos necessários”, garantiu a diocese. Este sábado ficou a saber-se que aquela diocese não tomaria quaisquer medidas em relação aos respetivos padres pelos motivos já referidos antes.

Outra diocese, a de Setúbal, esclareceu que ainda está a analisar o documento. “A Diocese de Setúbal emitirá, assim que possível, um comunicado sobre o tema”, disse fonte da diocese, que também se encontra em sede vacante atualmente.

Já o bispo de Vila Real, D. António Augusto Azevedo, disse ao Observador que “durante a próxima semana a diocese de Vila Real dará informações públicas” sobre o assunto.

Fonte da diocese de Leiria-Fátima disse ao Observador que os dados recebidos “estão a ser analisados a fim de poder fazer uma identificação mais exata dos intervenientes”, remetendo para os próximos dias dados mais concretos.

Bispos divididos sobre afastamento de padres suspeitos

A discórdia em torno do afastamento preventivo dos padres que constam da lista de alegados abusadores entregue pela comissão independente aos bispos na semana passada foi um dos temas fortes da semana — sobretudo depois das declarações públicas de D. José Ornelas, D. Manuel Clemente e D. Nuno Almeida, que vieram expor a existência de divisões significativas dentro do episcopado português.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa foi criada por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa e foi composta pelo psiquiatra Pedro Strecht, pelo ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, pelo psiquiatra Daniel Sampaio, pela socióloga Ana Nunes de Almeida, pela assistente social Filipa Tavares e pela cineasta Catarina Vasconcelos. O relatório final da comissão foi apresentado publicamente no dia 13 de fevereiro e inclui uma estimativa de 4.815 potenciais vítimas de abusos na Igreja portuguesa entre 1950 e 2022, calculada a partir dos 512 testemunhos válidos recebidos pela comissão.

No dia em que o relatório foi apresentado, a comissão independente anunciou que entregaria aos bispos portugueses a lista dos alegados abusadores ainda no ativo à Conferência Episcopal Portuguesa — e Pedro Strecht deixou uma pista sobre o que considerava necessário fazer: “Não querendo ser Humberto Delgado… Obviamente, afastava-os.”

D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima e presidente da CEP

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

As listas dos alegados abusadores, por dioceses, foram entregues em mão pela Comissão Independente aos vários bispos portugueses na última sexta-feira, durante uma reunião plenária dos bispos em Fátima. No final da reunião, o presidente da CEP, D. José Ornelas, deu uma conferência de imprensa em que instalou a polémica ao insistir várias vezes na ideia de que a Igreja recebeu apenas uma “lista de nomes” e que sem mais dados, incluindo as identidades das vítimas — a maioria das quais testemunhou sob anonimato —, seria muito difícil investigar os casos.

Depois de lerem relatório sobre abusos na Igreja, bispos propõem cinco medidas — mas avisam que há limitações à investigação dos abusadores

Entretanto, numa entrevista ao Expresso, D. José Ornelas já veio assumir que não foi “feliz” na comunicação pública daquele dia — na qual recusou comprometer-se com o afastamento preventivo automático dos padres que constavam das listas entregues aos vários bispos.

Mas à polémica juntar-se-ia também D. Manuel Clemente, o cardeal-patriarca de Lisboa, que, em declarações aos jornalistas no domingo, também recusou o afastamento imediato dos sacerdotes sem provas, alegando, por um lado, que a “suspensão é uma pena muito grave, que só pode ser dada pela Santa Sé depois de um processo canónico”, e que, por outro lado, os bispos só receberam “uma lista de nomes”. Esta quinta-feira, aos jornalistas, o bispo auxiliar de Lisboa D. Américo Aguiar procuraria desfazer os equívocos argumentando que tudo não passou de uma questão semântica: enquanto a suspensão é uma pena, a medida cautelar será o afastamento ou proibição.

A intervenção do bispo auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, adensou a controvérsia: o bispo destacou, num texto publicado no site da arquidiocese, que os bispos podem e devem aplicar medidas cautelares aos suspeitos de abusos, incluindo a possibilidade de afastamento preventivo.

As declarações de D. José Ornelas e D. Manuel Clemente suscitaram várias críticas, incluindo da parte de elementos da comissão independente, como Daniel Sampaio e Ana Nunes de Almeida. Segundo disse Daniel Sampaio ao Observador, a recusa de alguns bispos em comprometer-se com o afastamento imediato dos suspeitos também causou indignação entre as vítimas de abuso que deram feedback à comissão independente.

[Artigo atualizado às 17h02 de dia 11 de março com a informação relativa às dioceses de Coimbra e de Bragança-Miranda, entretanto tornada pública]

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