A Dielmar já teve ordem de encerramento. Os trabalhadores já foram para o subsídio de desemprego. Mas os ativos ainda não foram vendidos. A 10 de novembro os aplausos soaram. O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, realçava “o lado bom disto”. O lado bom tinha acontecido depois da Valérius ter apresentado, em sede de insolvência, uma proposta de 250 mil euros para ficar com a marca Dielmar e com alguns equipamentos, e propondo-se a arrendar as instalações da empresa têxtil em Alcains ao fundo público FIEAE, para voltar a produzir, com boa parte dos 243 trabalhadores.

Para Siza Vieira eram “boas notícias”, mas ao mesmo tempo uma lição: “é melhor assegurar que os ativos empresariais encontram melhores mãos do que tentar manter situações ineficientes”, expressando, então, a expectativa de o Estado votar a favor da proposta da Valérius, tal como os outros credores.

Nesse dia, 10 de novembro, foi decretado o encerramento de estabelecimento o que permitiu aos trabalhadores avançarem para o fundo de desemprego. Nesse dia saíram do Tribunal com a convicção de que, em breve, seriam chamados para uma formação que permitir-lhes-ia entrar na “nova” Dielmar.

Não tiveram de esperar muito para perceber que esse plano ficaria sem efeito, ou pelo menos adiado. É que passados cinco dias — na segunda-feira, dia 15 de novembro — o processo deu um passo atrás.

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O juiz do Tribunal do Comércio do Fundão, Filipe Guerra, determinou a notificação do administrador de insolvência “para promover a liquidação do ativo da massa insolvente, com a maior brevidade possível, conferindo aos interessados a possibilidade de apresentarem, em tempo e local a definir, as respetivas propostas”. Ou seja, a Valérius terá de apresentar proposta quando for promovida a venda destes ativos da massa falida, assim como, querendo, os dois outros candidatos à Dielmar. A decisão do juiz acontece precisamente porque sugiram duas novas propostas, além da da Valérius.

Valérius ficou com concorrência na corrida à Dielmar

A Outfit 21, empresa de Leiria, propôs ficar com os ativos da Dielmar, por 245 mil euros, e contratar 215 trabalhadores, segundo noticiou o Eco. À carga voltou também o empresário Cláudio Nunes. Ambos já tinham, antes, tentado entrar no processo, mas falharam, com os credores a optarem, no tal dia 10 de novembro, por dar um tempo para análise da proposta da Valérius. Deram, então, cinco dias aos credores para olharem para a oferta da empresa de Barcelos, já que “um grupo de credores manifestou-se, no próprio ato, no sentido da imediata aceitação da proposta”, enquanto “um outro grupo de credores requereu a possibilidade de se pronunciar por escrito, o que foi deferido”, segundo documentos judiciais, a que o Observador teve acesso. Foi depois dessa reunião de 10 de novembro e no decurso dos cinco dias que chegaram as propostas reformuladas da Outfit 21 e de Cláudio Nunes, que já haviam tentado a abordagem mas que não tinham conseguido cumprir com os critérios.

“Tal circunstância [aparecimento destas duas novas propostas] altera os pressupostos da pronúncia dos credores manifestada na referida reunião da assembleia de credores do passado dia 10 (ou na sua sequência), sem que, até à data, haja um qualquer ato de vinculação da massa insolvente à proposta que ali foi apreciada”, explica o juiz no despacho de 15 de novembro.

Segundo apurou o Observador a Valérius surgiu neste processo depois de vários contactados mantidos pelo Ministério da Economia com diversas empresas. A Válerius acabou por surgir sem que, segundo disse ao Observador fonte ligada ao processo, tivesse tido qualquer promessa pública, além da garantia do arrendamento do imóvel que é do fundo público, mas mesmo esse seria a preços de mercado. A esta proposta juntava-se também o IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional) para a formação dos trabalhadores que ficaram sem emprego com o fecho da Dielmar.

Siza Vieira tinha a expectativa de que esta proposta ia ser aprovada pelos credores. O que não aconteceu, tendo sido noticiado pelo Público que a Segurança Social e a Caixa Geral de Depósitos ao optarem por não votar pela oferta da Valérius deitaram por terra os esforços do Ministério da Economia para haver uma venda célere.

Mas ao Observador, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, através de fonte oficial, diz que “este tema [da Dielmar] tem sido acompanhado permanentemente em articulação entre o MTSSS e o Ministério da Economia e pelos secretários de Estado Gabriel Bastos e Miguel Cabrita”, tendo sido, “aliás, construída uma solução à medida para os trabalhadores, com o IEFP, para a respetiva reconversão”. E garante que “a Segurança Social tem sido parte ativa para encontrar uma solução, não se tendo oposto a nenhuma proposta de viabilização. A decisão do juiz teve por base o surgimento de novas propostas, que considerou que devem ser analisadas”. Não foi possível obter qualquer comentário do Ministério da Economia e a Caixa também não se pronunciou.

Assim, não tendo dia 10 de novembro sido aprovada a proposta da Valérius, e depois da entrada de duas novas propostas, o juiz determinou que tinha de se avançar para a venda de massa falida, como é habitual nestes processos de insolvência. O que significa que o administrador responsável pelo processo terá de publicar o anúncio com os ativos a vender – marca, equipamentos fabris e frota automóvel – com um prazo para resposta. Ao que o Observador apurou não há ainda a decisão tomada sobre se será leilão ou por carta fechada. De qualquer forma há a tentativa de acelerar o processo, até porque as propostas em cima da mesa têm um prazo, findo o qual os candidatos podem desistir e não ir ao processo de venda dos bens.

Investigação à situação que levou à insolvência

A Dielmar foi fundada em 1965, em Alcains, concelho de Castelo Branco. Empregava 243 trabalhadores, tendo pedido insolvência em agosto deste ano. E foi na sequência deste anúncio de falência que o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, se atirou à gestão da empresa, dizendo que as verbas públicas que foram sendo injetadas na empresa previam subsidiariamente a implementação de um conjunto de medidas “necessárias à reestruturação”, o que, segundo disse, então, o Ministério não aconteceu. O Estado tinha cerca de 30% da Dielmar.

Nesse comunicado de 2 de agosto, o Ministério acusava que “esta empresa se debate, há vários anos, com graves problemas financeiros, apresentando muitas dificuldades a nível comercial e registando quebras significativas do seu volume de vendas”, situação “anterior à crise provocada pela pandemia da doença Covid-19, tendo-se prolongado pelos últimos 10 anos”. Durante este período, o Estado colocou 5 milhões de euros na empresa, garantindo, ainda, 3 milhões de empréstimos. Acrescia uma dívida à segurança social de 1,7 milhões, de 6,14 milhões à banca e de 2,5 milhões a fornecedores.

A última jogada desesperada da Dielmar para obter apoios das linhas Covid — que estava impedida de ter

“O dinheiro público não serve para salvar empresários”, declarou Siza Vieira naquele dia 2 de agosto, quando a notícia da insolvência da Dielmar foi anunciada. O ministro da Economia deixou dúvidas quanto à gestão da Dielmar, antes da falência.

A mesma dúvida foi agora sugerida pelo juiz. Ao que o Observador apurou, Filipe Guerra abriu um “incidente de qualificação da insolvência”, notificando o administrador de insolvência, João Gonçalves, para no prazo de 20 dias (a decisão aconteceu no dia 15 de novembro), apresentar parecer “sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa”, segundo determina o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). Este parecer e as alegações seguirão, depois, para o Ministério Público.

O incidente de qualificação de insolvência destina-se a apurar as razões que conduziram a empresa à insolvência, nomeadamente se foram fortuitas ou culposas.