Mãe e filho morreram no hospital de Coimbra, em dezembro do ano passado, num cenário que gerou logo na altura muitas dúvidas: a morte teria sido causada por envenenamento, por um vírus, ou haveria outra hipótese? Mais de seis meses depois, a Polícia Judiciária está perto de concluir a investigação. E há, pelo menos para já, “uma certeza de 99.9%”, revelou ao Observador fonte conhecedora da investigação, de que “a hipótese de existir um agente tóxico pode estar afastada”. “A hipótese que está em cima da mesa, tomada como mais forte, é a de existência de um vírus que provocou a miocardite“, acrescentou.
A criança de 7 anos morreu no dia 11 de dezembro, dois dias depois de dar entrada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no Serviço de Cirurgia Cardiotorácica com um prognóstico muito reservado. O pai, a mãe e o irmão de 12 anos foram internados no mesmo dia e a mulher de 48 anos acabou por morrer no dia de Natal, depois de vários dias em estado crítico no Serviço de Medicina Intensiva. Os outros dois membros da família — pai e filho mais velho — tiveram apenas sintomas ligeiros e acabaram por ter alta. Nessa altura, foi aberta uma investigação, que está ainda sujeita a segredo de justiça.
Agora, a Polícia Judiciária está numa fase em que o objetivo é descartar hipóteses através de vários testes laboratoriais. Aliás, como explicou uma fonte conhecedora do processo, ” já foram esgotados todos os exames que normalmente são feitos nestes casos”. “Estamos a ir onde normalmente não se vai, em termos de exames, para tentar descartar as hipóteses todas e para não restarem dúvidas”, acrescentou, lembrando que o facto de serem duas pessoas da mesma família a morrerem no espaço de dias causou, desde o início, alguma incompreensão. “Neste momento, estamos mais a afastar do que a procurar. Queremos descobrir o que causou as miocardites, porque o tóxico seria detetável e isso não foi. A hipótese mais provável é a viral.”
Neste momento há algumas análises a serem feitas pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) — e alguns exames foram pedidos a laboratórios internacionais, “porque têm outros meios”.
Vírus foi identificado numa das vítimas
Com a hipótese de morte por agente tóxico afastada praticamente a 100%, a causa viral torna-se cada vez mais plausível. Aliás, já com a autópsia e com diversos exames feitos, foi possível detetar um vírus numa das vítimas. Mas nos casos em que a morte é provocada por um vírus, existe um problema, explicou a mesma fonte ligada à investigação, e passa pela atuação do próprio vírus. Ou seja, “podemos identificar a presença do vírus em análises feitas agora e um dia depois já não existir”, o que poderá explicar porque não foi detetado o referido vírus nos restantes membros da família.
![Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:1440:942/c:1440:942:nowe:0:0/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2022/01/28163851/17307649.jpg)
▲ Mãe e filho foram transportados para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde acabaram por morrer
LUSA
Ainda que não adiantem qual o vírus detetado numa das vítimas mortais, as autoridades acreditam que poderá ter sido essa a causa das miocardites. Como explica o Infarmed, uma miocardite pode ser provocada por uma inflamação do músculo cardíaco na sequência de uma infeção, por doença imunológica, ou por reação a um medicamento. A partir daí, os sintomas de falta de ar, dores no peito ou batimentos cardíacos irregulares podem surgir, tal como aconteceu com esta família de quatro pessoas.
Primeira hipótese descartada logo no início da investigação: botulismo e almôndegas
Assim que a investigação passou para as mãos da Polícia Judiciária, os inspetores colocaram logo em cima da mesa a hipótese de botulismo, uma doença provocada pela bactéria Clostridium botulinum e que produz uma toxina que pode provocar a morte.
Alguns alimentos, como a carne, podem estar contaminados com esta toxina — sobretudo quando não conservados à temperatura adequada — e, normalmente, os sintomas começam praticamente 24 horas depois da sua ingestão e passam por dor abdominal, náuseas e vómitos. Foi por isso que a PJ colocou em primeiro lugar esta hipótese: antes do início dos primeiros sintomas, sentidos por toda a família, os quatro tinham estado em casa e a última refeição que fizeram em conjunto incluiu almôndegas.
O problema poderia estar na carne picada e foram retiradas amostras da refeição para análise, além de amostras da água canalizada e até de detergentes, que não revelaram a existência de qualquer toxina. “Questionámos, pelos sintomas que eles tinham, e pedimos os exames. Mas em termos médicos foi logo afastada essa possibilidade”, explicou a mesma fonte da PJ.
Além do botulismo, também a hipótese de envenenamento foi colocada de lado, uma vez que as análises, mais uma vez, não detetaram a presença de qualquer agente tóxico que pudesse sustentar essa teoria. Aliás, o facto de uma morte ser alvo de investigação — neste caso duas mortes — não significa que existe crime, mas sim “que é necessário apurar as suas causas”, remata a mesma fonte.