Depois de os sindicatos dos professores terem aparentemente assegurado o início da devolução do tempo de serviço já no próximo ano letivo, surge agora um novo ponto de fricção com o Governo. Em causa está a intenção de revogar o decreto-lei n.º 74, o apelidado “acelerador” da carreira docente. Na próxima semana, os professores levarão para a mesa de negociações a exigência de manter os “efeitos” do mecanismo, impedindo a criação de “mais assimetrias”.
Os professores querem que a reposição dos 6 anos, 6 meses e 23 dias inicie em julho e não em setembro (como propôs o Governo), mas esse não será o tema (nem exigência) principal dos sindicatos no dia 13 de maio, quando regressarem ao Ministério da Educação. “A ultima proposta [do Governo] deixa-nos preocupados porque anula os efeitos do decreto-lei n.º74”, partilha com o Observador o secretário-geral adjunto da Fenprof, José Feliciano Costa.
A contraproposta que a Federação Nacional dos Professores irá agora apresentar, não só contempla a já habitual recuperação do tempo em três anos (e não em cinco), como defende também que “tem de incorporar os efeitos do ‘acelerador’”. A exigência será enviada para o ministério tutelado por Fernando Alexandre por email nos próximos dias e anunciada publicamente em conferência de imprensa ainda esta semana.
O tema é complexo, reconhece a Fenprof. Vamos por partes: no verão de 2023 o Governo anunciou que seria implementado um mecanismo de “aceleração de progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário”. Com este mecanismo foram “criadas vagas supranumerárias”, diz José Feliciano Costa. Ou seja, os professores que estavam “presos” nos 4.º e 6.º escalões por falta de vaga, puderam progredir para os escalões acima “sem estrangulamentos”.
O "acelerador" da carreira docente
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O “período de congelamento ocorrido entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017” impediu que os professores tivessem direito a “alterações do índice remuneratório através da mudança de escalão”, lê-se no decreto-lei n.º 74/2023. O Governo, então liderado por António Costa, implementou um mecanismo de aceleração que tinha como objetivo “estabelecer um regime especial de regularização das assimetrias“.
Podiam aceder a este mecanismo aqueles que exerceram “funções docentes ou legalmente equiparadas desde o ano 2005-2006” e aqueles que foram abrangidos, “durante o exercício dessas funções, pelo regime de suspensão da contagem do tempo de serviço para efeitos de promoção ou progressão nas respetivas carreiras e categorias”.
O acelerador aplicava-se apenas “aos docentes dos quadros, bem como àqueles que os venham a integrar” e àqueles que, “nos anos letivos 2012-2013 e 2013-2014, tenham celebrado contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto”. Os professores dos quadros das regiões autónomas não estavam abrangidos.
O “acelerador” “permitia a recuperação do tempo passado em lista de espera”, sintetiza o secretário-geral adjunto. E exemplifica: apesar de ter “seis anos para recuperar de tempo de serviço congelado, se estive um ano em lista de espera, o decreto-lei dizia que esse tempo era recuperado”. Na prática, “não é tempo congelado” no âmbito das medidas impostas entre 2011 e 2017, mas é tempo de serviço perdido por se estar estagnado no mesmo escalão, face à existência de vagas.
Mecanismo “diz respeito a vagas” e não a “recuperação do tempo”
Agora, o Governo “quer que os professores que beneficiaram da recuperação deste tempo [em lista de espera] descontem esse mesmo período no tempo de serviço congelado”, explica o dirigente da Fenprof.
Simplificando, quem teve, por exemplo, seis anos de serviço congelado e mais um em lista de espera para poder subir de escalão (problema que advém do número limitado de vagas existente), recupera apenas seis anos.
O mecanismo adotado em 2023 “dava-me os anos em que estive em lista de espera” e não progredi, mas, ao ser revogado, este tempo “é descontado”: “Se a proposta do Governo não incluir os efeitos do ‘acelerador’, cria mais assimetrias”, conclui José Feliciano Costa.

▲ A última ronda negocial ocorreu a 3 de maio
MIGUEL A. LOPES/LUSA
E “voltam a existir quotas” para aceder ao 5.º e 7.º escalões, completa a dirigente do SIPE (Sindicato Independente de Professores e Educadores). Júlia Azevedo clarifica que o decreto-lei em causa “diz respeito a vagas e não tem nada a ver com recuperação do tempo de serviço congelado”. E aponta o dedo ao atual Governo: “Não disseram em momento nenhum que iam revogar o decreto-lei 74”, mas devia tê-lo feito, já que o diploma que acaba com quotas “é uma das nossas grandes lutas”.
Tal como a Fenprof, o SIPE apresentará uma contraproposta a exigir que o “acelerador” se mantenha. O mesmo farão outros sindicatos, nomeadamente o SNPL (Sindicado Nacional dos Professores Licenciados) e o SEPLEU (Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados).
O S.TO.P. (Sindicato de Todos os Profisionais da Educação) ainda não definiu a sua posição — porque a direção apenas se reunirá ao fim do dia desta quarta-feira — mas na opinião do dirigente André Pestana o mecanismo deve manter-se. “Fomos contra o ‘acelerador’ na época por acharmos que não restitui toda a justiça, mas não pode acontecer que um novo acordo permita que a não aplicação do decreto-lei 74 seja mais prejudicial do que a nova regra”, diz ao Observador.
Já a FNE (Federação Nacional da Educação) preferiu não entrar em detalhe — porque a direção só irá reunir-se para debater o tema na quinta-feira — mas na passada sexta-feira o dirigente Pedro Barreiros disse que, apesar de não quererem “uma dupla bonificação”, também não desejam “que os colegas sejam prejudicados”.
Escalões, avaliação, reforma e ultrapassagens
Além da não revogação do decreto-lei, sindicatos como SIPE, SEPLEU e S.TO.P levam para a mesa das negociações outros temas. Júlia Azevedo espera que “o ministério ceda” no que toca à exigência de permanecer no mínimo um ano num escalão antes de progredir para o seguinte.
“O ministério disse que estava previsto no Estatuto da Carreira Docente. Esteve mas já não está!”, diz a presidente do SIPE. No documento em questão lê-se que o “reconhecimento do direito à progressão” obriga à “permanência de um período mínimo de serviço docente efetivo no escalão imediatamente anterior”, mas não especifica a duração.
O mesmo sindicato quer discutir a avaliação dos docentes, que o Governo quer manter. Segundo a lei, os professores têm “de ser avaliados no ano imediatamente anterior ao da progressão”. Essa avaliação tem de ser pedida pela escola ou pelo próprio professor, que, até à decisão do Governo de repor o tempo de serviço em setembro, “não sabia que ia progredir”, lembra Júlia Azevedo. Assim, o professor terá de esperar até julho de 2025, quando ocorrem as reuniões de avaliação seguintes. Até lá, o” tempo de serviço será perdido”, alerta.
Já o SEPLEU quer falar sobre os professores que estão à beira da reforma. “Queremos beneficiar, de algum modo, aqueles que estão no 10.º escalão porque já não vão receber nada”, diz Pedro Gil ao Observador. O líder do sindicado reconhece que “propor que se reformem mais cedo não dá porque faltam professores, mas pode criar-se outro mecanismo”. Na semana passada, o ministro da Educação afastou esta hipótese: “O tempo de recuperação é para os professores que estão no ativo”, disse.
O S.TO.P. aproveitará a próxima ronda negocial para discutir sobre os “docentes que foram ultrapassados na carreira por pessoas com menos tempo de serviço”, diz André Pestana. É o caso de professores que estavam nos quadros e tiveram tempo de serviço congelado (acabando por não progredir de escalão) e que foram ultrapassados por professores que estavam a contrato, cujo tempo de serviço nunca foi congelado.