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Dina foi mãe aos 53 anos, quando já tinha uma neta

Celebra-se este sábado o Dia Mundial dos Avós. "É como ser mãe outra vez", dizem muitos do momento em que sabem que vão ter netos. No caso de Dina, não é simples força de expressão. Aconteceu mesmo.

“Ele há coisas do diabo… ou de Deus, não se sabe”.

1998. Dina Ramos frequentava um café local no bairro de moradias baixas em que vive, na Quinta do Conde, concelho de Sesimbra. Por lá costumava parar uma mulher e o seu namorado, sempre acompanhados por várias crianças que andavam ali com ar de serem negligenciadas. Dina conhecia-as. “A mãe morava aqui duas ruas a seguir, com o namorado. Eu via-os ali no café.” Uma das crianças, loira com caracóis, chamava-lhe particularmente a atenção. “Ele há coisas do Diabo… ou de Deus, não se sabe… Pensava: ‘uma menina tão bonita, tão mal tratadinha’ … Quem me havia de dizer que me vinha parar a casa.”

Márcia tinha dois anos, quase três, em 1998. Dina tinha 53, nunca trabalhara e sempre quisera ter uma filha. Mas só lhe tinham saído rapazes na rifa. Era costume no bairro os pais irem a sua casa deixar os filhos para passar os dias enquanto eles trabalhavam. Um dia, apareceu-lhe a mãe de Márcia. “Veio cá pedir para eu ficar com ela, que tinha de ir trabalhar. Até hoje”. Na altura, Dina já era avó de uma rapariga, Camila, que tinha sete anos. E, de repente, era mãe outra vez.

"[A mãe] passou-lhe a mão pelo cabelo e disse ‘a minha filha está muito bonita’. E eu a pensar ‘isto não é normal, não me está a acontecer a mim’. E a menina, pequenina, a cantar aos saltos pela rua ‘eu já não gosto dela, a minha mãe não me liga nenhuma’"

Nada que lhe pareça importar muito, pelo menos agora, volvidos 16 anos. “Para meu bem e para bem dela, ficou comigo”, diz. “Para o mal também”, contrapõe Márcia. “Para o mal?” “Sim, também te dou dores de cabeça”, afirma Márcia, com uma honestidade que desarma a mãe. “Oh minha filha.”

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Com Camila, neta de Dina, a dor de cabeça foi mais difícil de compreender, mas acabou por passar. “Estranhei um bocado, principalmente porque, como sou filha única, não estava habituada a partilhar a atenção”, admite. E “depois foi como ter uma irmã pequenina”, apesar de o novo membro da família, quatro anos mais novo, ter passado a ser sua tia. “Quando a Márcia se chateava comigo costumava dizer que quando fosse mais velha do que eu era ela que ia mandar”, ri-se Camila, para quem ter uma tia tão nova não causa estranheza. É “engraçado ver a reação das pessoas quando dizemos que ela é tia e eu sobrinha”, conta. Atualmente, Camila tem 22 anos e diz ter uma relação mais próxima do que nunca com Márcia. “Hoje somos confidentes de tudo uma com a outra e ela é a minha melhor amiga”.

Uma história de suor e lágrimas…

A princípio, a situação era provisória. “Uma vez ou outra [a mãe] levava-a. Quando voltava, a menina vinha ou cheia de picadas de pulgas ou toda suja. E eu disse-lhe ‘não, estou a criar-lhe a filha, mas como crio os meus, javardices é que não’”. Pela cabeça de Dina nunca passou a ideia de ficar com a responsabilidade de Márcia a tempo inteiro, sobretudo sendo já ela avó. “Longe de mim que me entregassem a menina”.

A situação provisória durou quatro anos. Márcia saltitava entre a casa materna e a casa de Dina, onde por vezes passava longos períodos, porque a mãe “só queria largueza, largueza, largueza”, conta Dina. Muitas vezes deixava a criança ao início da noite e ia buscá-la de manhã. Outras vezes desaparecia sem deixar rasto. “Um dia fui com ela [Márcia] dar voltas pela Quinta do Conde à procura da mãe. Eu ia com a menina pela mão quando a encontrámos. E tinha já um táxi à espera dela. E eu convencidíssima que ela se agarrasse à menina. Mas não. Passou-lhe a mão pelo cabelo e disse ‘a minha filha está muito bonita’. E eu a pensar ‘isto não é normal, não me está a acontecer a mim’. E a menina, pequenina, a cantar aos saltos pela rua ‘eu já não gosto dela, a minha mãe não me liga nenhuma’.”

Foi o momento de viragem. Quando a encontraram ao pé desse táxi, a mãe de Márcia preparava-se nessa altura para partir para Albufeira, no Algarve, onde acabou por passar dez anos. Nesse período, teve uma outra criança, que Dina e Márcia julgam ter sido a sexta. Ao todo, dizem, a mãe biológica de Márcia terá sete filhos, alguns nascidos na Quinta do Conde, outro no Porto e pelo menos um no Algarve. Todos de pais diferentes. “A mãe não era má, nasceu infeliz, é uma das infelizes do mundo”, comenta Dina.

…e também algum sangue

Quando Márcia tinha quatro anos, Dina propôs à mãe que a criança fosse batizada e ela e o marido, João Ramos, foram os padrinhos. Esse foi o seu principal trunfo em tribunal, quando se colocou a questão da guarda da menor. A Segurança Social visitou a casa de Dina e João duas vezes, mas “nunca disseram nada”. Certo dia, “veio uma assistente social perguntar se eu queria a adoção ou a tutela”, conta Dina. A mãe biológica, chamada a pronunciar-se, terá dito: “Está melhor com os padrinhos do que comigo ou com o pai”.

E, de repente, Dina era mãe outra vez – agora oficialmente. Dina e João ficaram com a tutela definitiva de Márcia, mas esta não aceitava a situação pacificamente. “Eu sentia muita revolta, não queria que a minha mãe [Dina] se chegasse ao pé de mim, que me desse beijinhos”, relembra Márcia, hoje com 18 anos e, por força da situação, tia das duas netas de Dina, Camila com 22 anos e Ema, de dois anos. “Isso era duro”, diz Dina, com lágrimas nos olhos. Márcia já tinha avisado que a mãe iria chorar ao relembrar o passado.

"Quando perguntavam, naqueles formulários que nos dão no início [na escola], o nome do pai e da mãe, ficava sempre ‘quem é que eu vou pôr?’, porque eu não sabia"

E havia, de facto, motivos para chorar. “Ela desobedecia-me, ficava revoltada. Era uma revolta muito grande. Um dia ali ao fim das escadas atirou-se a mim aos pontapés”, lembra Dina. Márcia vai mais longe. “Atirei-me da janela. Eu tinha uns 3 anos, a minha mãe [Dina] foi meter gasolina e eu fiquei sozinha em casa, a dormir. Quando acordei, procurei sítios para sair e atirei-me da janela. Sentia que a minha mãe [biológica] não estava lá, a senhora que cuidava de mim [Dina] não estava, ainda era pior, ficava sem ninguém, tinha medo”. Não sofreu danos de maior. Mas só passados vários anos é que Márcia conseguiu começar a chamar ‘mãe’ a Dina. A João, pelo contrário, sempre tratou por ‘papá’.

Na escola, Márcia era posta de parte, talvez também devido ao facto de ser uma “desbocada”, segundo a própria, o que a levava a contar a todos os colegas a sua história pessoal. “Quando perguntavam, naqueles formulários que nos dão no início, o nome do pai e da mãe, ficava sempre ‘quem é que eu vou pôr?’, porque eu não sabia”. Essa estranheza à escola, apesar de vários episódios marcantes, acabou por não a prejudicar. Hoje, Márcia é aluna do curso de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em Lisboa. É a primeira vez que está numa escola fora da Quinta do Conde.

Dina Ramos e Márcia, na sua casa em Quinta do Conde

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O tempo das lágrimas parece já distante. E Dina Ramos, que “desatava a chorar no meio da rua” por causa da menina que lhe tinha vindo parar às mãos e tinha atitudes estranhas – “só queria comer debaixo da mesa, as laranjas comia com casca e tudo” – está agora preocupada com o futuro. Não é Márcia em si que a apoquenta. “O primeiro embate foi quando começou a namorar com 15 anos, foi uma bomba. Ela sempre soube escolher as amizades. Não se mandou de cabeça para qualquer amizade, tem poucos amigos mas bons”.

O que mais lhe tira o sono é a sua própria idade. Dina tem 69 anos, foi ‘mãe’ aos 53. João, o pai, terá talvez um pouco mais, mas não quis falar sobre o assunto. Márcia já não está sob a tutela de João e Dina por ter atingido a maioridade. E não tem qualquer vínculo legal à família que a criou. Por isso, diz Dina, uma das suas prioridades é que Márcia tenha alguma coisa em seu nome, para que, caso morram mais cedo do que desejam, a filha tenha alguma segurança financeira.

Questões de bens à parte, hoje Márcia diz já ter ultrapassado as revoltas de antigamente e até está confortável com a sua vida. “Sinto que tenho uma família, que é esta, e que tenho uma outra família, a de sangue, com quem não tenho tanta relação”. Dessa outra família, conhece os tios e avó paternos – o pai tê-la-á visto pela última vez quando tinha apenas dois anos e da mãe não sabe desde que andava no 8º ano, há sensivelmente seis anos. Não se veem muito, mas não se dão mal. “Eu ligo à minha avó no Dia dos Avós”, conta a rir-se.

 
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