Dois candidatos ao Parlamento Europeu alinhados em quase todos os temas, exceto num único em que Catarina Martins foi até à Madeira para atacar o PAN de Pedro Fidalgo Marques. O frente-a-frente entre os dois candidatos, na Rádio Observador, teve numa questão política o único momento de discórdia mais visível, já que os dois surgiram muito alinhados quanto ao não envio de tropas para a Ucrânia, na classificação de “genocídio” quanto ao que se passa na Faixa de Gaza, na condenação do BCE no aumento das taxas de juro e ainda na neutralidade carbónica.

Catarina Martins (BE) vs Fidalgo Marques (PAN)

Ainda que estejam ambos de acordo com o acelerar de metas ambientais, foi quando se falou no tema que a cabeça de lista do Bloco de Esquerda atingiu o adversário ao dizer que quando foi preciso, nos Açores, o PAN se juntou ao Chega e esqueceu “todas as bandeiras ambientais”. E ainda acrescentou a Madeira, onde acusou o partido de Fidalgo Marques de não ser consequente com as políticas que defende, em matéria ambiental: “É imperdoável”.

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Na resposta, mesmo na fase final de um debate que decorreu à distância, o candidato do PAN posicionou o partido como um travão à extrema-direita na Madeira e garantiu que “aprovou projetos que a população necessitava. Quando foi preciso tirar o tapete, tirou”, afirmou enquanto do lado de lá Catarina Martins lembrava que o Governo na Região Autónoma caiu por questões judiciais e não políticas. A questão  da proximidade com o Chega é melindrosa para o PAN, por causa dos Açores, e nesta fase do debate, o candidato aproveitou para assegurar que na Europa o partido “não está disponível para acordos com o I&D”. “O PAN não faz acordos com forças populistas, anti-democráticas e algumas fascistas”, concluiu.

Já na habitação e nos ataques ao BCE, o acordo foi total, com os candidatos a alinharem na crítica à instituição que Catarina Martins considera que, em matéria de aumento das taxas de juro, “decidiu contra as pessoas”. “Quando o BCE não pode resolver um problema pode ficar quieto”, ironizou mesmo a candidata do Bloco de Esquerda que acusou muito diretamente o BCE de ter “feito sucessivas escolhas agressivas contra os povos. Aparentemente não aprenderam com os erros”.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

O BE propõe que haja um órgão de supervisão democrática sobre o BCE e a ideia não desagrada Fidalgo que diz que quem lidera estas instituições deve ser escrutinado pelo Parlamento Europeu, temendo “burocratas que não defendam interesses políticos”. E também concorda na condenação à política de aumento de taxas de juro e defende que “é preciso pensar se faz sentido continuar a massacrar e pôr o ónus todos nas famílias”.

O consenso sobre o “genocídio” em Gaza (e o ataque à UE)

A guerra em Gaza levou os dois candidatos a mais um consenso, assente numa palavra: o que está a acontecer é, na perspetiva de ambos, um “genocídio”. Por isso mesmo, ambos concordaram até que uma das propostas do PAN – o envio de estudantes daquela zona para Portugal, de forma a que possam terminar os seus estudos – não é prioritária: “Só podem vir se estiverem vivos”, ironizou a ex-líder do Bloco de Esquerda. “Não vamos discutir intercâmbios no meio de um genocídio”.

Catarina Martins foi, de resto, a mais crítica da posição da UE sobre este tema, chegando a defender que “o genocídio está a acontecer com o apoio da UE”, que não sanciona Israel enquanto o país comete “hediondos crimes de guerra”. E lembrou o exemplo da importância que a imposição de sanções e boicotes teve para acabar com o regime de apartheid na África do Sul, sugerindo que a UE tome o mesmo caminho – enquanto não o faz, pratica um “eurocinismo extraordinário” que provoca uma “descredibilização da UE”.

Pelo meio, a bloquista deixou um apelo que, mais uma vez, ambos os candidatos subscrevem: que Portugal acompanhe outros estados europeus no reconhecimento do estado da Palestina, para que se afaste dos “crimes de guerra” do governo israelita.

Um cenário “nuclear” e o “jogo” da guerra

Tanto Catarina Martins como Pedro Fidalgo Marques rejeitaram o envio de tropas para a Ucrânia, recusando sequer pensar num cenário em que a questão se colocasse a Portugal e à UE. O candidato do PAN começou por frisar que essa hipótese, mesmo a médio prazo, “não está em cima da mesa” e tem de ser evitada. Para já, preferiu lembrar que há um “drama humanitário a acontecer na Ucrânia” e que, por isso, a UE não pode negar a sua ajuda aos ucranianos.

De novo, a bloquista passou ao ataque, não contra o PAN mas contra quem “fala da guerra como se estivesse a jogar Playstation”. E assegurou que o envio de tropas de países da NATO para a Ucrânia significaria, na prática, o início de uma guerra nuclear ou a destruição do país de Volodymyr Zelensky – e é “absurdo querer que isso aconteça”. Por isso, a ex-coordenadora do Bloco insistiu em que a UE ajude a Ucrânia mas sem fazer “escalar” o conflito.

Houve pontos de conflito mais laterais e pouco explorados neste tópico, mas que ficaram registados: Fidalgo Marques ainda picou Catarina Martins, dizendo-se “feliz” por ver a bloquista mencionar a NATO (cuja dissolução é desejada pelo Bloco), e discordou da hipótese de a Ucrânia assumir uma posição “neutra” (um estatuto que abandonou em 2014, após a invasão russa da Crimeia).