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Em Moçambique, quarta-feira é dia de ir votar

Quase 11 milhões de moçambicanos escolhem hoje o seu Presidente e os seus representantes para a Assembleia da República e Assembleias Provinciais. Estas eleições prometem algumas surpresas. Será?

Do Rovuma ao Maputo, hoje, ninguém trabalha. É feriado nacional. Não é dia de festa nem dia para ficar em casa. Em Moçambique, hoje é dia de ir votar. De colocar uma cruz no quadradinho ao lado da fotografia do próximo Presidente da República e de mergulhar o dedo indicador na tinta indelével.

Na corrida ao Palácio da Ponta Vermelha vão estar somente três candidatos. Em agosto, o Conselho Constitucional revelou que rejeitou oito das 11 candidaturas que recebeu por estas não apresentarem as 10 mil assinaturas necessárias para a sua admissão. Por essa razão, as eleições presidenciais deste ano vão ser realizadas somente pelos candidatos dos três principais partidos políticos de Moçambique: Afonso Dhlakama, pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), Filipe Nyusi, pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e Daviz Simango, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).

À espera de uma surpresa

Passaram 20 anos desde a realização das primeiras eleições multipartidárias no país. Será a quinta vez que os moçambicanos são chamados às urnas. E como tem sido habitual desde 1994, a cada cinco anos, os eleitores vão também votar para a Assembleia da República. Este ano, pela segunda vez, os moçambicanos serão também chamados para votar para as Assembleias Provinciais. São três eleições no mesmo dia.

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Até hoje, a história das eleições em Moçambique foi escrita sempre da mesma maneira, sempre com o mesmo resultado, ditando sempre uma vitória da Frelimo, que atualmente controla mais de dois terços dos assentos parlamentares da Casa do Povo. Mas este ano a história pode ser diferente.

De acordo com a única sondagem, feita entre 6 e 23 de julho pela Universidade Politécnica, a Frelimo, pela primeira vez desde 2004, poderá ganhar as eleições legislativas sem maioria absoluta. Os resultados dessa sondagem apontam ainda para a realização de uma segunda volta entre os candidatos Nyusi e Simango. No entanto, é erróneo pensar que esses resultados podem reflectir a realidade de hoje. Desde logo porque no período em que foi realizada a sondagem ainda não se sabia se Dhlakama iria ou não concorrer.

António Manjate levantou-se às 5 horas para ir votar. “Vão estar umas filas enormes e eu quero ser dos primeiros para não ficar à espera o dia todo.”

Os dados da Comissão Nacional de Eleições (CNE) revelam que estão recenseados quase 11 milhões de moçambicanos, cerca de 88% dos potenciais eleitores. Comparando com os números das últimas eleições presidenciais, realizadas em 2009, verifica-se uma ligeira diminuição percentual (90%). Mas isso não significa que haja menos empenho dos moçambicanos.

António Manjate levantou-se às 5 horas para ir votar. “Vão estar umas filas enormes e eu quero ser dos primeiros para não ficar à espera o dia todo.” O taxista de 42 anos, natural de Inhambane mas a viver em Maputo há mais de 20 anos, sabe do que fala. Nas últimas eleições autárquicas, realizadas em novembro do ano passado, Manjate chegou ao posto de votação às 7 horas da manhã e só saiu de lá às 14 horas. “Estava lotado”, diz. E a contar com o que empenho dos moçambicanos ao longo da campanha eleitoral, desta vez não será muito diferente.

Manjate, como muitos moçambicanos, não conhece os resultados da sondagem da Universidade Politécnica mas sabe bem em quem vai votar. Vestido a preceito com uma camisa e um boné da Frelimo, deixa bem claro o seu destino de voto por um autocolante colocado no vidro traseiro do seu automóvel que diz “Jovem não é da Frelimo o problema é dele”.

Para Paula Sitoe, uma jovem estudante de Comunicação Social de 21 anos a viver em Nampula, estas serão as segundas eleições em que irá participar. E pelo seu discurso, o seu voto também já tem destino. “Espero que desta vez ganhe o meu candidato e o meu partido”.

A Renamo, partido pelo qual Paula enveredava uma t-shirt com a figura do seu líder, não concorreu às últimas eleições autárquicas, realizadas em novembro do ano passado. A cidade de Nampula, capital do Norte do país, é liderada por Mahamudo Amurane, membro do MDM, desde essa altura ao angariar 53,8% dos votos, contra 41% do candidato da Frelimo.

O xadrez de Nampula e Zambézia

Grande parte do resultado eleitoral de hoje será jogado em Nampula, província mais populosa do país e maior círculo eleitoral do país. Em Nampula estarão 49 lugares para a Assembleia da República e mais de 2 milhões de votos em disputa. Com peso semelhante só o círculo da província da Zambézia, onde estão inscritos 1,9 milhões de eleitores com direito a eleger 45 deputados para a Assembleia da República. As duas províncias juntas vão eleger mais de um terço dos deputados do hemiciclo.

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As últimas eleições autárquicas foram a alavanca que o MDM precisava para atingir um novo patamar. E dependendo de Yacira Pongone, o partido de Simango vai voltar a ter outra grande vitória nas eleições desta quarta-feira. “Não tenho dúvidas que vamos voltar a ganhar. Moçambique precisa de um Presidente como Simango”, diz um dos muitos jovens que fizeram questão de acompanhar o seu líder na sua primeira passagem pela cidade de Nampula.

O MDM, criado em 2009 a partir de uma dissidência da Renamo e com apenas oito deputados no Parlamento constituído por 250 mandatos, passou a governar três das quatro principais cidades de Moçambique após as últimas eleições autárquicas: Beira, Nampula e Quelimane.

Tal como nessa altura, desta vez Nampula foi também palco de uma fervorosa luta política ao longo de toda a campanha política. Nyusi e Simango começaram a sua campanha justamente por esta região. Dhlakama iniciou em Manica, província que elege 16 deputados. Mas logo depois o candidato da Renamo subiu até Nampula, onde percorreu alguns distritos no litoral.

O jogo de bastidores destas eleições remonta a Abril de 2012, altura em que estalaram os primeiros confrontos militares entre o Exército e os membros da Renamo no centro do país

Negociações à porta fechada

A campanha eleitoral arrancou a 1 de setembro e terminou no último domingo. Mas o jogo de bastidores destas eleições remonta a abril de 2012, altura em que estalaram os primeiros confrontos militares entre o Exército e os membros da Renamo no centro do país. O receio de não se chegar a realizar estas eleições chegou mesmo a pairar durante algum tempo, que só desvaneceu por completo a 5 de outubro, menos de um mês antes do arranque da campanha eleitoral, após a Renamo e o Governo (liderado pela Frelimo desde a conquista da independência em 1975) chegarem a um acordo para cessação das hostilidades, depois de mais de 70 rondas negociais com vários avanços e recuos.

Da mesa de negociações entre os membros da Renamo e da Frelimo saiu um conjunto de mudanças significativas nas leis eleitorais que prometem marcar os contornos das eleições presidenciais deste ano. Algumas envolvem a politização das assembleias de voto e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), órgão responsável pelo processo eleitoral, a alteração na maneira como os protestos e os documentos em falta dos candidatos são tratados e, pela primeira vez, é especificado a forma como devem ser elaboradas as recontagens.

A Associação dos Parlamentares Europeus para África (APEA) e a organização não-governamental moçambicana Centro de Integridade Pública (CIP) consideram que “as leis eleitorais revistas dão aos dois principais partidos políticos, a Frelimo e a Renamo, uma maior presença na administração eleitoral”, enquanto que “o terceiro partido no Parlamento, o MDM, também ganha alguma presença, mas é menor se comparado com a Frelimo e a Renamo.” Nesta luta a três, as diferenças dos candidatos foram muito para lá de quem ganha e perde na secretaria. Esteve na rua, nas multidões que cada um arrastou e nos recursos que despendeu.

Caça ao voto

Apesar do equilíbrio de forças financeiras, foi notório o fosso de recursos utilizados por cada um dos candidatos à Presidência ao longo de toda a campanha eleitoral. Nyusi, natural de Namau, distrito de Mueda na província de Cabo Delgado, foi de longe o que mais se destacou. A sua caravana arrancou primeiro que todos os outros, bem antes do período oficial da campanha eleitoral com uma pré-campanha por todo o país e uma digressão além-fronteiras (Portugal foi um dos destinos).

As deslocações do candidato da Frelimo arrastaram constantemente comitivas de jornalistas e vários músicos nacionais bem conhecidos que animaram os seus comícios. Nyusi, engenheiro mecânico de profissão e até março ministro da Defesa, chegou inclusive a contratar os serviços de uma das mais reputadas agências de comunicação do país para trabalhar a sua imagem e comunicação (sobretudo junto dos mais jovens).

Dhlakama participou e perdeu em todas as eleições presidenciais. É um caso único no mundo, pois ninguém concorreu tantas vezes sem nunca ter ganho. 

Nos seus discursos, Nyusi carregou a promessa de melhorar as condições de vida das populações e dar continuidade ao combate à pobreza, que ainda afeta mais de 60% dos moçambicanos. No domingo, o candidato da Frelimo colocou um último post na sua página oficial do Facebook dizendo que “A minha visão é um programa de mudança e uma razão de esperança”, acompanhado por uma fotografia sua fazendo lembrar o poster desenhado pelo artista Shepard Fairey para a campanha eleitoral de Barack Obama em 2008.

Dhlakama, natural de Mangunde, distrito de Chibabava na província central de Sofala é um veterano nestas andanças. Presidente da Renamo desde 1979, participou e perdeu em todas as eleições presidenciais. É um caso único no mundo, pois ninguém concorreu tantas vezes sem nunca ter ganho. Para estas eleições, entrou na campanha duas semanas depois da data de início oficial.

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De acordo com a imprensa moçambicana, a sua logística contou com duas avionetas para se deslocar pelo país e a sua estratégia passou por priorizar os círculos eleitorais do Norte e Centro, onde historicamente a Renamo tem maior apoio. Foi aliás da Beira de onde Dhlakama prometeu “libertar da escravatura a população” com a sua “alternativa de governação” e “governar com democracia e justiça”, sustentando que a população vai sentir-se dona do território e ter desenvolvimento.

O líder da Renamo, que esteve em “parte incerta” na região da Gorongosa até bem pouco tempo do início da campanha eleitoral, contou sempre com muita popularidade nos locais por onde passou. Destaque para a receção que o líder da Renamo teve na província da Gaza, terra Natal dos líderes da Frelimo, a fazer lembrar os anos de 1994 e 1999.

Simango teve a campanha mais humilde dos três. Percorreu o país inteiro de carro, enfrentado as precárias estradas do país, que são as quartas piores estradas do mundo. 

A 28 de setembro, Amade Juma, chefe de mobilização da Renamo na cidade da Beira, dias antes de Dhlakama iniciar a sua campanha na província de Sofala, reafirmou à comunicação social o seu otimismo na eleição de Dhlakama como próximo Presidente da República. “Já estamos a carimbar a vitória da Renamo e de Afonso Dhlakama porque as populações estão a acatar as nossas mensagens. Estamos em crer que, desta vez, ganharemos as eleições.”

Simango teve a campanha mais humilde dos três. O actual presidente do Município de Beira e fundador do MDM percorreu o país inteiro de carro, enfrentado a precária rede rodoviária, que segundo um relatório recente do Fórum Económico Mundial são as quartas piores estradas do mundo. Ao contrário da Renamo, o MDM manteve os seus membros em permanente actividade em quase todos os círculos eleitorais. Mas foi nos círculos de Nampula, Zambézia e Sofala que os militantes de Simango revelaram-se mais activos.

Na recta final da campanha eleitoral, Simango, no decorrer de uma passagem pelo distrito de Machanga, na província de Sofala, terra natal dos seus pais, prometeu melhorar as condições da população do distrito, apostar num maior investimento na educação, saúde e ainda prometeu a construção de uma casa mortuária. Além disso, no seu último discurso, deu a garantia que caso venha a ser eleito “nenhum moçambicano será perseguido pelo seu passado político” e que no seu governo “haverá espaço para todos de acordo com as competências profissionais.”

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Violência na campanha

De acordo com relatos de mais de 150 jornalistas espalhados por quase todos os distritos do país, a campanha eleitoral tem sido mais pacífica que as anteriores. No entanto, foi sempre marcada por alguns actos de violência envolvendo sobretudo apoiantes do partido Frelimo e do MDM. Em meados de Setembro Abdul Carimo, presidente do CNE, chegou mesmo a apelar aos membros dos partidos para que abandonassem o “recurso à violência” e pautassem “pelo civismo nos dias que restam da campanha eleitoral”.

Um dos episódios mais dramáticos ocorreu no final do mês passado nos municípios da Macia e do Chókwè, na província de Gaza, a mais de 150 quilómetros de Maputo, com os apoiantes da Frelimo e do MDM a envolverem-se em confrontos físicos que resultaram em ferimentos ligeiros em alguns cidadãos e em danos materiais avultados.

Num comunicado do MDM, o partido da oposição evocou que no dia 23 de setembro a caravana do candidato presidencial do MDM “foi intercetada violentamente e obstruída por grupos de vândalos do partido Frelimo na vila da Macia” e que “este incidente não foi isolado e enquadra-se numa estratégia sequenciada e sistemática do partido do poder que já se havia registado também em Chokwe.” Abdul Carimo, presidente do CNE, classificou estes atos de violência como “vergonhosos” e que os líderes políticos têm de fazer mais para terminar com estes incidentes que servem “para manchar todo o processo eleitoral”.

Alerta da comunidade internacional

Judith Sergentini, chefe da Missão de Observação da União Europeia (MOUE) condenou veemente estes acontecimentos e imputou a responsabilidade aos líderes políticos para que estes procurem explicar aos membros do seu partido a importância de estes “optarem pela tolerância e respeito mútuo entre si e os adversários políticos.” Dados divulgados pelo Comando Geral da Polícia da República de Moçambique indicam que, desde o início da campanha, algumas dezenas de pessoas foram detidas por violação da lei eleitoral.

Os casos de violência registados um pouco por todo o país levaram mesmo os Estados Unidos a emitir um alerta de segurança aos seus cidadãos que residam ou pretendiam viajar em Moçambique entre 18 de setembro e 30 de outubro. “Embora não exista previsão de violência generalizada, os períodos eleitorais normalmente resultam em manifestações ou incidentes de desordem pública e interrupção dos serviços de transporte”, refere o documento.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos refere ainda que “dependendo do resultado das eleições, a agitação e o potencial de violência pode aumentar imediatamente após a eleição” e “até mesmo as manifestações que pretendem ser pacíficas podem transformar-se em confrontação e numa escalada de violência”.

Dhlakama afastou, para já, qualquer reacção impetuosa da sua parte após o resultado das eleições, caso seja-lhe pouco favorável. A partir da localidade de Pinda, no distrito de Morrumbala, na província da Zambézia, Dhlakama referiu que “se o outro ganhar sou o primeiro a reconhecer a derrota e esperar por mais cinco anos.” Todavia, o líder da Renamo referiu ainda que não admite fraude nestas eleições, salientando que a Frelimo nunca ganhou as eleições desde os tempos de Joaquim Chissano. “Desde 1994 que começamos com as eleições, e o partido Frelimo nunca ganhou. Sempre roubava. Chissano nunca ganhou, Guebuza nunca ganhou. Pior é este Nyusi que não vai ganhar”, declarou Dhlakama.

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Manjate, assim como milhares de moçambicanos, não sabe como vai terminar o dia. Apenas espera que seja tranquilo e que quando o sol se pôr possa voltar para casa, para junto dos seus três filhos e da sua mulher em segurança e que a Paz seja uma realidade amanhã e nos dias que se seguem, “para bem de todos nós”, diz. Para bem de Moçambique.

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