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Em nome dos netos, sacrifício e prazer

Fazem muitas vezes o papel de pais, que são, afinal, filhos deles. No campo ou na cidade, abdicam de uma vida mais calma, na reforma, pelos netos. Este sábado é Dia Mundial dos Avós.

“Sabe o que é um eixo de simetria de reflexão?” Não, não estou a ver. Vasco pega numa caneta e numa folha de papel, faz um desenho de uma forma geométrica e, de seguida, faz um traço a meio da folha e desenha a mesma forma geométrica, mas ao contrário. “Está a ver, é como um espelho. Mas quem é que sabe isto!? Inventam estes nomes… Tivemos de aprender montes de coisas para ajudarmos nos trabalhos de casa”, diz, entre a indignação e o divertimento. Amélia, a mulher, confirma: “Ele vai ter com a professora a perguntar se ajudou bem!”

Amélia e Vasco, 61 e 65 anos respetivamente, só têm uma ocupação: são avós a tempo inteiro de Lara, oito anos, e de Eduardo, 17 meses. Mais do que uma ocupação, cuidar dos netos é a sua vida. Mais do que um fardo, cuidar dos netos é um prazer. Isso, aliás, é por demais evidente no seu discurso. “Deixámos de ter vida”, dispara Amélia logo nas primeiras frases que lhe ouvimos. Mas segue-se logo uma grande risada, própria de quem está conformada com a situação. Tem de ser assim, defende, “se lhes queremos dar um bocadinho de qualidade, não os encerrar logo tão pequeninos em infantários e creches”.

Amélia e Vasco fazem os possíveis para que os netos estejam o menor tempo possível em casa

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Lara e Eduardo são os únicos netos de Amélia, filhos da sua única filha. Há oito anos, quando Lara nasceu, Amélia já estava reformada. “Ai, fartei-me de chorar, chorei imenso, chorei imenso, foi uma comoção. Não sou capaz de dizer aquilo que eu senti, foi quase como ser mãe outra vez”. À emoção seguiu-se a abdicação. “Abdiquei muito, muito dos amigos, não leio o que me apetece ler. Abdiquei sobretudo da sensação de deitar-me e pensar que só acordo quando quiser acordar. Às vezes sinto falta de me deitar sem preocupações.” A sua vida faz-se, agora, de acordo com as necessidades dos netos. Quando eles nasceram, só havia duas opções: ou inscrevê-los num jardim de infância ou ficarem com os avós. Para Amélia, a escolha foi óbvia. “Custa-me muito ver as criancinhas aí nos transportes, coitadinhas, acabadas de acordar” a irem para as escolas, diz.

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Pelos netos, Amélia abdicou até da casa. Atualmente, o seu apartamento, no Lumiar, em Lisboa, só é usado por Vasco e por uma cadela. E, ainda assim, só à noite. Os netos moram com os pais em Odivelas, não muito longe do Lumiar, mas Amélia mudou-se para lá quase permanentemente e tem todas as responsabilidades que um pai tem. “É cansativo, mas compensa tudo. Não há nada que compense tomar conta dos netos.” Prova disso parece ser o facto de, quando o Observador foi encontrar estes avós num parque urbano do Sr. Roubado, Eduardo, 17 meses, ter dito a sua primeira palavra havia pouco. E não foi ‘papá’ nem ‘mamã’ ou outra qualquer mais comum. Foi ‘avô’. “Disse! Disse hoje a primeira palavra. Eu telefonei [à filha] ‘olha, ele disse avô’ e ela ‘ah não vi’ [imita uma voz de pena]”, conta.

Avós que parecem pais

Muitas vezes, o privilégio de ver os primeiros passos ou ouvir as primeiras palavras de um filho cabe a outros que não os pais. Para Amélia e Vasco, foi uma sorte Eduardo ter falado pela primeira vez junto dos avós. “Eu também não assisti à primeira palavra da minha filha. Agora é que eu vejo as crianças a brincar, todas estas coisas, na altura em que fui mãe foram outros que presenciaram essas coisas.” Esta sorte, como dizem, advém precisamente do facto de Amélia e Vasco se substituirem aos pais quando estes não podem estar, por motivos de trabalho. Uma substituição que contraria a ideia romântica da figura dos avós. “Eu como estou com eles a tempo inteiro não sou a tradicionalzinha avó que faz as vontades, não posso”, conta Amélia, que, cheia de nostalgia, lembra o tempo que passava com os seus próprios avós, numa aldeia de Vila Velha de Ródão, na Beira Baixa. Como só lá ia passar as férias, a sua avó “era avó”, enquanto que ela define-se como sendo “quase mãe” dos netos.

"Os avós da cidade estão lixados", diz Vasco, que admite ser um homem muito preocupado com a segurança. "É pior do que eu", ri-se Amélia

Foi nesses períodos na Beira Baixa que tomou um contacto direto com a natureza e aprendeu o ritmo e o funcionamento das coisas da terra. Em Odivelas, para grande pena de Amélia, não é fácil incutir o gosto pelo campo aos netos. Mas, ainda assim, há algumas estratégias. “Tento o mais possível fazer estas saidinhas” ao parque do Sr. Roubado, porque “ali há patinhos e os patinhos reproduzem-se e os patinhos põem ovos” e, de repente, num pedaço de relva que faz fronteira com prédios de vários andares de um lado e com a CRIL e outras estradas do outro, Lara e Eduardo têm lições de biologia in loco. E gostam. “Eles são crianças muito mais felizes no campo. Quando [Lara] está no campo, transforma-se, anda toda suja, a mexer na terra, faz a contabilidade das frutinhas que nascem nas árvores, aí nem se lembra que há computadores.”

“Os avós da cidade estão lixados”, remata Vasco, no seu estilo entre o indignado e o divertido. Ele, conhecido como Sr. Acidente, não tem problemas em assumir uma certa paranóia pela segurança dos netos. Segurança essa que é reforçada no que diz respeito ao acesso a computadores, telemóveis e internet. “Quero que sejam crianças, que brinquem, que esfolem os joelhos, que saltem à corda” antes de mexerem em computadores, diz. Amélia corrobora: “Vou lutar enquanto puder [para] afastá-los da internet, luto desesperadamente com o meu genro, é muito permissivo, por vontade dele, [Lara] já tinha um computador.”

Avós… do campo?

É um problema que, aparentemente, não assiste a Lurdes e Luís. São avós de Filipe, seis anos, e Inês, 17 meses, e moram em Dona Maria, no concelho de Sintra, a escassos quilómetros da Odivelas onde Amélia e Vasco criam Lara e Eduardo. O caminho entre as duas terras é curto, mas a diferença entre ambas é acentuada. Entrar em Dona Maria faz lembrar, de certa forma, a entrada em algumas aldeias do Alentejo, com a sua pequena igreja pintada de branco, as ruas estreitas por onde só passa um carro e as casas caiadas a branco e azul como é típico nas vilas da outra margem do Tejo. Quem olha para Lurdes e Luís, 64 e 66 anos respetivamente, e para a casa onde vivem, quase não acredita que estamos a menos de meia hora do centro de Lisboa, tal é a sua calma e pacificidade.

Lurdes e Luís na sua casa em Dona Maria, aldeia às portas de Lisboa

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Os computadores, dizíamos, não são a maior preocupação de Luís e Lurdes. Filipe, que é o único neto já com idade para poder interessar-se por gadgets, “tem acesso a tudo isso – tablets, Playstation…”, conta Luís, cuja maior paixão hoje em dia é cuidar da horta, de onde traz batatas, feijão verde, tomate, cebola e outras hortaliças. “Anda a toda a hora na horta, de manhã é a primeira coisa que faz, ir ver a horta”, queixa-se Lurdes entre risos. E, de vez em quando, leva o neto consigo. “Ele vai comigo e gosta de lá estar, mas também se chateia depressa”. Em casa dos avós, Filipe não tem acesso à internet, por isso entretém-se a brincar com os seus carrinhos, a andar de bicicleta ou a jogar na Playstation. Mas Luís quer que o neto perceba minimamente como funciona a natureza. “Eu estou convencido que, futuramente, se as pessoas não se virarem para a agricultura, não sei o que será. Se calhar é importante começar a ensinar-lhes [agricultura]”, diz.

É a maior preocupação destes avós. A Amélia e Vasco preocupa-os que os netos andem sozinhos nos transportes públicos, as companhias, os namoros, o quiosque ao pé da Escola Secundária de Odivelas onde os miúdos mais velhos vão fumar, a tecnologia, a presença de adolescentes no parque infantil… Luís e Lurdes estão mais preocupados com o futuro em geral, que os netos tenham “de cultivar alguma coisa, de plantar umas batatas” para sobreviver, que tenham de fazer sacrifícios para “pagar a dívida impagável” do país.

Para já, ao contrário de Lara – que, talvez por ser mais velha, “sabe o que é a salsa, os coentros, a hortelã, sabe que as coisas não aparecem feitas nos supermercados”, diz a avó – Filipe prefere outras distrações e contenta-se em simplesmente aproveitar a infância numa aldeia às portas da capital. “Eu levei-o ao meu trabalho e ele disse-me assim ‘oh avó, isto é tão longe, tu fazes isto todos os dias?’ Foi só o metro da Pontinha até Santa Apolónia! Gostou muito de Lisboa, está deserto para ir outra vez, já me disse”, conta Lurdes.

"Gosto muito de trabalhar em Lisboa", diz Lurdes. Mas não trocava a aldeia onde nasceu pela cidade

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Ela e Luís também se deleitam com as regalias de viver em Dona Maria. “Não vivemos dentro daqueles caixotes, aqui não, toda a gente que passa aqui, a gente conhece”, diz Luís. Lurdes, que está à espera da reforma, acrescenta: “Gosto muito de trabalhar em Lisboa, sou sincera, mas viver lá não gostava, sabe-me muito bem vir para aqui.” Estes avós veem Filipe e Inês “todos os dias, todos os dias, todos os dias, todos os dias, todos os dias”, diz uma entusiasmada Lurdes, que, apesar de ainda trabalhar, afirma não lhe ser custosa a tarefa de cuidar das crianças. “Acho muito agradável, é um bom escape para nós.”

No mundo dos avós, por amor aos netos, a obrigação e o prazer andam de braço dado. Hoje em dia, ser avô “é quase uma tábua de salvação” para muitas famílias, afirma Amélia. Lurdes concorda. Os avós vivem “um dia de cada vez” e não se importam de abdicar de algumas coisas, porque, reitera, “primeiro estão os meninos”.

 
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