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"Era importante conseguir alterar o padrão cultural na nossa sociedade": entrevista a Mónica Jorge, diretora do futebol feminino nacional

Fez atletismo, foi federada no futsal, passou pelo halterofilismo, dedicou a vida ao futebol: diretora das seleções femininas explica plano estratégico que culminou com Mundial e objetivos até 2030.

Esteve no atletismo, foi campeã nacionais de juvenis e juniores no halterofilismo, conseguiu chegar ainda a federada no futsal. Futebol, esse, só na rua. Com os primos, com os amigos. Esse não era tempo para entrar como jogadora na modalidade como agora mas nem por isso a modalidade deixou de entrar na sua cabeça e na sua vida com aquelas idas aos jogos da Académica com o pai. Hoje, aos 44 anos, já fez de tudo um pouco no futebol feminino e quando falha alguma coisa, neste caso uns minutos finais, é por culpa das pulsações que aumentam pelos nervos dos últimos minutos. No final, valeu a pena. E o projeto construído há dez anos pela Federação que teve Mónica Jorge como diretora chegou ao ponto mais alto com uma inédita qualificação para o Mundial de 2023, que irá decorrer entre julho e agosto na Austrália e na Nova Zelândia.

Após ter estado uma década na equipa técnica da Seleção, primeiro como adjunta e a partir de 2006 como a número 1 acumulando o conjunto principal com a formação Sub-19, Mónica Jorge, que tirou a licenciatura em em Desporto de Alto Rendimento com a variante de futebol (tendo feito estágio na Federação), ascendeu à posição de diretora de todo o futebol feminino e foi daí que viu também um crescimento a pique a vários níveis, do número de praticantes federadas ao desenvolvimento da Liga BPI já com quatro equipas que são profissionais (e com o histórico apuramento do Benfica para duas fases de grupos da Champions), passando pelas inéditas presenças em duas fases finais de Europeus e pela qualificação para o primeiro Mundial da história. “Conseguimos alterar um padrão cultural na nossa sociedade desportiva”, destacou por mais do que uma vez desde a vitória na Nova Zelândia frente aos Camarões, o ponto mais alto da Seleção.

Em entrevista ao programa “Nem tudo o que vai à rede é bola” da Rádio Observador, Mónica Jorge falou da importância do momento nesta fase do projeto construído para o futebol feminino, das razões que levaram à escolha de Francisco Neto para selecionador em 2014 e dos próximos capítulos de uma história que tem ainda muito por contar, do objetivo mais palpável das 70.000 federadas em 2030 entre futebol e futsal feminino até a uma meta mais ambiciosa de tornar o futebol como o desporto com mais atletas federadas do país. “A qualidade da nossa jogadora, assim como a do nosso jogador, é muito grande. E a paixão pelo futebol acontece tanto na menina como no menino. Isso é o essencial. Quando há paixão, quando há entrega pela modalidade, tudo o resto aflora muito mais facilmente”, sublinha a responsável da Federação.

[Ouça aqui a entrevista de Mónica Jorge no programa “Nem tudo o que vai à rede é bola” da Rádio Observador]

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“Era o jogo de uma vida, o culminar de um todo”: entrevista a Mónica Jorge, diretora do futebol feminino nacional

Como é que foi viver todas aquelas emoções na Nova Zelândia num jogo com os Camarões que parecia decidido mas terminou com dois golos nos descontos e a inédita qualificação de Portugal para o Mundial?
Foram realmente 90 minutos de um coração só, era como se estivesse lá dentro das quatro linhas a jogar… Se calhar da parte de fora é pior, sentimos um bocadinho mais, os batimentos cardíacos aumentam ligeiramente… Era um jogo de uma vida para elas mas também para nós, o culminar de um todo que era um plano estratégico que começou há dez anos, que justificava todas as subidas no ranking e os apuramentos já conseguidos quer na formação, quer nas seniores. O apuramento para o Mundial era quase conseguir a perfeição e tinha um peso emocional muito forte, não só por este contexto mas também de uma geração que chegou, que atravessou e outra que quer chegar. Era muito importante conseguir alterar um padrão cultural na nossa sociedade desportiva, a cereja no topo do bolo. Felizmente aconteceu e elas merecem mais do que ninguém, mais do que todos os outros que ajudaram e todo o processo que ajudou.

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Portugal fez 13 jogos na qualificação para o Mundial, batendo no playoff intercontinental os Camarões por 2-1 na Nova Zelândia com um penálti nos descontos de Carole Costa

Falou na questão dos batimentos cardíacos. A seguir ao jogo disse que mais uma vez não viu os minutos finais porque o relógio já marcava uma pulsação demasiado alta. É sempre assim nas decisões importantes?
Não, por acaso só aconteceu duas vezes, foi nesta situação e foi na primeira vez que nos apurámos na Roménia para o Campeonato da Europa [em 2017]. Foram esses os dois únicos momentos que tinham bastante significado para nós. Antes foi o primeiro apuramento para uma fase final que esta Seleção conseguiu e agora era o primeiro Mundial. Não sei porquê, nos últimos minutos não consegui ver… No outro estava empatado e era conseguir segurar o empate para nos qualificarmos e aqui eram aqueles últimos minutos depois do penálti, o ter a cabeça fria e a capacidade competitiva madura para conseguir controlar aqueles minutos. Elas estiveram muito bem mas o meu coração não dá para tudo…

Até onde é que chegou a nível de pulsações?
Muito alto mesmo, nem vale a pena… Depois se quiser envio foto porque achei uma piada enorme àquilo, nem sabia que o relógio dava aqueles alertas a nível de saúde, tenho aquilo ligado a uma aplicação de saúde e deu um alerta… Nem sabia que aquilo nos chamava a atenção e até tirei uma foto que é épica. Um dia eu mando…

Há aqui também em paralelo com o trabalho feito pela Federação, por clubes e por jogadoras a figura do Francisco Neto, com quem trabalho quando era selecionadora e ele foi treinador de guarda-redes. O que é que identificou nele para poder liderar a Seleção nos últimos quase dez anos e como é que ele conseguiu retirar a ansiedade natural do encontro às jogadoras?
O Francisco enquadrava-se em tudo no perfil que nós procurávamos na Federação para poder liderar uma equipa feminina. É uma coisa muito específica, não podemos entrar em comparações e sabemos as diferenças de uma mulher para um homem ou de uma rapariga para um rapaz, tudo tem a sua especificidade. Muitas vezes para lidar com este tipo de grupos é preciso ter um perfil e foi isso que fizemos, traçámos um perfil. Encontrámos o Francisco e depois simplesmente as coisas foram acontecendo, com qualidade e com capacidade de trabalho mas com uma liderança capaz de estar atenta às preocupações. É muito assim que nós funcionamos na Federação, com grande preocupação pela atleta, por aquilo que podemos ajudar a melhorar no contexto físico e sobretudo emocional. Neste patamar, o Francisco conseguiu também crescer, todos crescemos, toda a estrutura cresceu com as jogadoras e depois é importante que as atletas se sintam confortáveis e bem lideradas, que quem está à volta as ouça e consiga perceber, nos contextos mais difíceis e nos mais favoráveis. Essa compreensão mútua é muito benéfica à mulher no desporto.

"Sabemos as diferenças de uma mulher para um homem ou de uma rapariga para um rapaz, tudo tem a sua especificidade. Muitas vezes para lidar com este tipo de grupos é preciso ter um perfil e foi isso que fizemos, traçámos um perfil. Encontrámos o Francisco [Neto] e depois as coisas foram acontecendo, com qualidade e com capacidade de trabalho mas com uma liderança capaz de estar atenta às preocupações."
Mónica Jorge

Este apuramento inédito e histórico é uma oportunidade de ouro para investir e apostar ainda mais no futebol feminino, tendo a profissionalização da Liga BPI como objetivo final?
É um dos pontos fortes onde a Federação quer investir. A Federação nunca pára, nunca pára de olhar para o futuro e estas atletas querem crescer mais em todos os sentidos e também nós Federação, enquanto entidade, queremos que os nossos associados e os clubes com quem trabalhamos de forma muito direta também cresçam para no futuro poderem dar mais ao futebol feminino. A Liga é um ponto importante mas não é único. Continuamos a querer aumentar o número de praticantes, a ter mais meninas nas bases iniciais da prática do futebol e estamos a trabalhar para que isso possa acontecer até 2030 para podermos ter mais de 70.000 praticantes só no futebol e no futsal feminino. E, também, que sejamos talvez a modalidade feminina mais praticada em todo o país.

Esta geração é muito particular porque conta com jogadoras mais experientes e que passaram pelo período em que poucas ou nenhumas condições existiam, como a Carole e a Dolores, e jogadoras muito jovens que até já passaram pela formação dos principais clubes, como a Kika e a Andreia Jacinto. Esta junção tornou-se essencial para o sucesso?
Sim, acho que é fantástico. São três gerações. A primeira, mais sofrida… Desculpem a expressão mas é mesmo isso, é uma geração que batalhou mais para conseguir ultrapassar muitas barreiras que na altura eram uma realidade. Uma segunda geração que já teve mais oportunidades, que já tinha um contexto mais favorável ao crescimento. E uma terceira geração, mais jovem e onde está a Kika e a Andreia Jacinto, que também já participou num Campeonato da Europa nas Sub-17, em 2019, e agora está aqui. É um contexto de crescimento muito engraçado. São três gerações – especialmente as duas mais jovens – que ouvem muito bem e respeitam muito a geração mais velha. Têm um respeito e uma enorme admiração por elas. E o facto de ouvirem, de respeitarem, de serem aconselhadas, tudo isso resulta num conforto muito grande para uma Seleção Nacional onde existe respeito e compromisso entre todos dentro e fora de campo.

Mónica Jorge estagiou na Federação, esteve dez anos na equipa técnica da Seleção a partir de 2001 (como principal desde 2006) e passou depois a diretora para o futebol feminino

Leonardo Negrão / Global Imagens

Para onde é que vai esta Seleção Nacional? Estamos num momento em que podemos começar a pensar em chegar a apuramentos diretos sem passar por estes playoffs?
Vai resultar num crescimento muito próprio. Estruturas de desenvolvimento que serão feitas nos próprios clubes, nas próprias associações. Com o suporte da Federação, como é óbvio. Vai ser evolutivo e estamos a trabalhar nesse sentido. E depois também a individualidade e o crescimento da jogadora portuguesa. Cada vez temos mais atletas, muitas seleções nacionais – já são seis –, desde os 13, 14 anos que se começa a trabalhar nas seleções nacionais, o que é muito bom e muito rico para o crescimento e a continuidade a nível federativo. Mas não podemos esquecer que, para elas conseguirem chegar mais facilmente a fases finais de Europeus e Mundiais, a base também tem de se qualificar mais vezes para as fases finais dos Campeonatos da Europa de Sub-17, Sub-19, etc. E todo esse processo resulta numa base mais forte e mais sustentada. Quanto mais jogadoras e mais clubes tivermos, mais qualidade teremos no topo. E tenho a certeza de que, se tudo isto funcionar e seguir de acordo com os nossos planos estratégicos para 2030, vai ser muito mais fácil consegui-lo. Porque a qualidade da nossa jogadora, assim como do nosso jogador, é muito grande. E a paixão pelo futebol acontece tanto na menina como no menino. E isso é o essencial. Quando há paixão, quando há entrega pela modalidade, tudo o resto aflora muito mais facilmente.

Começou apenas como uma adepta em Coimbra, a ver jogos da Académica com o seu pai e a jogar na rua com os primos. Federada, porém, só no atletismo, no futsal e até no halterofilismo. Porque é que nunca desistiu dessa paixão do futebol?
Eu nunca consegui jogar futebol. Joguei futsal, federada. Mas infelizmente, no meu tempo, não tinha a possibilidade de jogar futebol. Não tinha capacidade financeira que pudesse suportar essa vontade. Existia uma equipa que ficava muito longe da zona onde eu morava e eu não conseguia. Mas a paixão pelo futebol foi-me imposta por familiares desde muito pequenina, inclusivamente o meu pai. A questão da liderança, não sei, foi algo que foi crescendo em mim e de que acabei por gostar muito, daí ter decidido estudar Desporto de Alto Rendimento na vertente de futebol. A paixão foi crescendo a partir daí. A família da Federação acolheu-me muito cedo e ver todo o projeto evoluir, ver todas as jogadoras a evoluírem no próprio percurso de forma profissional e construtiva – até nas questões pessoais, vê-las evoluir, vê-las alcançar estes feitos –, é quase uma realização pessoal. Todo este crescimento, toda esta aquisição de capacidade, foi a minha paixão desde muito cedo. Mas imposta também por esta grande família que é a Federação, que acolhe muito bem os seus colaboradores e que sabe impor uma paixão por aquilo que fazemos com uma dedicação incrível.

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