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Gostaria de começar por fazer um ponto prévio, caríssimos leitores. Tendo em conta que para vocês sou uma tela em branco, considerando que não me conhecem de absolutamente parte nenhuma (o que só mostra que são pessoas sensatas e com as prioridades no sítio certo), sinto que é pertinente fazer uma declaração de intenções. Eu sou muito fã do Festival de Canção e a Eurovisão enche-me de alegria. E as pessoas que efetivamente me conhecem (pena que nenhuma esteja presente) podem atestar o quão verdade é isto.

E eu não sou uma poser que cavalgou a onda da vitória do convulsivo Salvador Sobral, que fez com que gostar do Festival fosse trendy. A esses, topo-os eu à distância! “Ai, que eu sou do Festival da Canção desde pequenino!”, dizem eles. E depois vai-se a ver e se lhes perguntarem quem é a Manuela Bravo, respondem que é herdeira da famosa marca de esfregões…

E mais. Eu tenho carinho por todas as vidas do festival, desde os clássicos a preto e branco, passando pela fase parola, com paragem obrigatória nesta fase mais “alterna”. Gosto de tudo. Portanto, eu vou escarnecer deste bonito certame, ó se vou, mas o insulto vem de um lugar cheio de amor e luz, ‘tá?

A segunda semi-final foi apresentada por José Carlos Malato e Sónia Araújo, com Inês Lopes Gonçalves na “Green Room”. E tanto a dupla Malato-Sónia, como a Inês a solo, fizeram uso de humor durante a gala. Mas em estilos diferentes. Na medida, em que a Inês teve graça e os outros dois, não. Mas a Sónia Araújo estava linda de branco. E, verdade seja dita, não há ninguém a fazer melhor de Malato do que ele.

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Dubio feat. +351

“Cegueira”

Este tema conquistou o seu lugar no certame, através de um concurso promovido pela RTP. Os Dubio convidaram os +351 para este featuring e demonstram uma coisa que chega a ser surpreendente. Se juntares duas más escolhas de nome de banda… ficas com um nome ainda pior. Curiosamente, dois dos membros dos +351 “conheceram-se num restaurante de sushi e decidiram juntar-se para fazer música como distração”. Que história inspiradora, não é? Ah, o que é que achei da música, propriamente dita? Não sei bem, distraí-me. Com o quê, perguntam vocês? 1: Com a tira negra que a vocalista tinha a cobrir os olhos, que dava a impressão que lhe tinha passado um pneu de motorizada pela vista. 2: Com a bailarina que adotou o mesmo look da vocalista e cuja expressão facial me fez acreditar que estava reviver as dores do atropelamento. 3: Com o facto dos restantes membros da banda terem os membros superiores pintados de negro até ao cotovelo, à laia de limpa-chaminés. Esta “Cegueira” não me deixou os olhos a brilhar, mas também não me ensurdeceu… Viram o que eu fiz aqui?

Luiz Caracol e Gus Liberdade

“Dói-me o País”

“Dói-me o País, antes me doesse um dente.” Assim reza o primeiro verso desta canção, com letra de António Avelar Pinho, ex-Banda do Casaco e habitué do Festival da Canção. Recomendo vivamente uma visita a um YouTube perto de si para assistir à performance do tema da autoria de António do Festival da Canção de 2007, “Dá-me a Lua”, com interpretação a cargo de um mais adolescente e menos riscado Agir e uma fadista chamada Milene Candeias. Posso adiantar-vos que é uma combinação tão harmoniosa como sushi de alheira. E não, não é ficção. Existe sushi de alheira. E não há quem prenda esta gente. Mas voltemos ao que interessa. Luiz Caracol compôs e interpretou uma tema que cheira a música de intervenção, mas que a dada altura dá um flic-flac à retaguarda, com um momento de rap a cargo de Gus Liberdade. Uma bela letra, com uma bonita melodia e interpretação competente. Muitos virão com o estafado e bacoco, para não dizer rançoso que é uma palavra feia, argumento que não é uma música de Festival. Eu cá gostei.

Judas

“Cubismo Enviesado”

Hélio Morais, autor da música e letra de “Cubismo Enviesado”, é membro das bandas Linda Martini e Paus e, não sei se estão a par, é o sex symbol dos hipsters. E embora o tema não tenho sido interpretado pelo próprio do Hélio, o palco encheu-se de sensualidade, glitter e lycra. Acompanhado de dois bailarinos em pendant, Judas cantou e bailou num maillot colante de corpo inteiro, todo em brilhos. O intérprete diz no refrão “sou bem mais que a forma que tu me vês”. Acho difícil, meu querido. Forrado a lycra como te apresentaste, estava praticamente tudo à vista desarmada. Ah, a música… Ao contrário do tema anterior, esta parece-me uma música à Festival. Ritmada, a puxar o corpinho para o balanço, com um staging com queda para “crowd-pleaser” do público eurovisivo. Não é propriamente memorável, ao contrário do maillot do Judas, mas dispõe bem. Como o maillot do Judas.

Kady

“Diz Só”

Esta canção foi descrita pelos autores, como sendo a primeira “Kizomba Consciente”. Eu, por norma, só gosto de kizomba se estiver inconsciente. Por outro lado, Dino D’Santiago e Kalaf são sinónimos de qualidade. Dado o exposto, deixei-me ir de mente aberta. E em boa hora o fiz. E tudo soa bem neste “Diz Só”. A voz de Kady e das back vocals, com o bónus de serem, todas sem exceção, giras nas horas. O ritmo que cheira a morabeza, com a marca inegável do Dino D’Santiago. A letra que fala em mulheres que mudaram o Mundo e homenageia várias ativistas que marcaram a sociedade com as suas lutas. O nome de Marielle ouve-se na voz de Kady. Bolsonaro não aprova. O júri cá de casa dá 12 pontos.

Elisa Rodrigues

“Não Voltes Mais”

Um tema melodicamente interessante, bem cantado e bem interpretado. Sinto que devia gostar, mas confesso que não me entusiasmou. Deixo aqui as minhas desculpas à Elisa Rodrigues, que não tem culpa de eu perceber tanto de música como o Donald Trump percebe de… Escolham vocês o tema, o que não falta são opções válidas.

Cláudio Frank

“Quero-te Abraçar”

E depois de eu ter feito as pazes com a kizomba, chega Cláudio Frank à pista de dança, acompanhado por um casal de dançarinos, com ar de quem frequenta matinés em danceterias, na zona de Torres Vedras. O Cláudio foi selecionado entre os participantes do programa “Masterclass” da Antena 1, destinado a músicos ainda sem contratos editoriais… Depois de ouvir a voz dele, não é difícil perceber porquê… Eu não quero ser cruel, e até estava a torcer pelo Cláudio Frank que me parece uma joia de moço, mas como é que eu hei-de dizer isto… É pá, ele desafinou pa’ caraças! Ele despistou-se tanto, que eu acho que as cordas vocais fizeram um peão. E para compor o ramalhete, o cantor optou por uma interpretação bilingue: português e outra coisa que me pareceu, muito remotamente, inglês. De tudo o que ele disse, só percebi o “Thank you” que ele disse no final do tema. Que calha a ser a melhor parte da interpretação. Porque foi o fim. Não sei se tinha deixado claro.

Tomás Luzia

“Mais Real Que O Amor”

Vocês não estão a perceber, mas eu estou obcecada com esta ideia e preciso de tirar isto do meu peito, com carácter de urgência. Se não viram a interpretação do Tomás Luzia, vão pelo menos à procura de uma fotografia dele e digam-me se ele não podia ser o irmão gémeo da Andreia Rodrigues, mas com uma permanente dos anos 80? Deixem a vossa opinião nos comentários… Credo, agora parecia uma influencer… Vou já tomar um Ben-u-ron. O Pedro Jóia é um músico extraordinário e um compositor prolífico, e é com pesar que digo que esta música não fez nada por mim. quanto ao intérprete, o Tomás Luzia é um jovem imberbe de 17 anos com um ar muito fofinho. Ali no terceiro verso, falhou-se-lhe a voz, mas aguentou firme e é justo dizer que tem uma voz afinadinha. Mas não consigo evitar a sensação de estar a assistir a um concurso de talentos da C+S de Alcabideche.

Jimmy P

“Abensonhado”

O melhor que levo da redação deste texto é ter descoberto, durante a pesquisa, o verdadeiro nome de Jimmy P. Sei que não estão preparados para isto. Eu, também, não estava. Rufo de tambores… O verdadeiro nome de Jimmy P é… Joel Plácido. Ficaram ou não ficaram de cara à banda? Abalei ou não abalei as vossas estruturas? Joel Plácido é, ou não é, nome de agente da Remax? Jimmy P é o artista mais comercial deste lote da segunda semi-final, o que o coloca na pole position com Bárbara Tinoco, que passou na primeira. Com o título da música emprestado por Mia Couto, acompanhado por um belo coro de gospel, Jimmy P rappa sobre uma jornada de superação. Não adoro, mas é atual, é bem feito e foi o tema que mais galvanizou a pequena plateia desta semi-final. Temos concorrente.

E os vencedores são… A minha favorita Kady, a Elisa Rodrigues (eu não disse que não percebia nada disto?), o virginal Tomás Luzia e Joel Plácido. Para a semana, descobrimos quem é quem nos vai representar à Eurovisão, o que inclui uma viagem a Roterdão, e um tsunami de comentários nas redes, que hão-de alternar entre o “antigamente é que era bom!” e “agora, acham que querem todos ser o Salvador Sobral!”. O sonho de qualquer músico.

Susana Verde é guionista