À porta aberta, o que se ouviu na reunião do Infarmed desta quarta-feira foi um tom harmonioso e alguns bons sinais: os especialistas acreditam que o número de casos é um parâmetro cada vez menos significativo e que as medidas restritivas devem ser reduzidas. Mas, à porta fechada, a história foi diferente: o encontro ficou marcado por alguns momentos de tensão e por vários puxões de orelhas do Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, ao Governo, em particular a Marta Temido, irritado com a falta de divulgação de dados importantes e a falta de soluções para quem estiver em isolamento no dia das eleições.

Conforme o Observador apurou junto de várias fontes que assistiram à reunião, Ferro, que tomou a palavra assim que a sessão de debate (fechada à imprensa) começou, adotou um tom duro e exigiu respostas ao Governo e à Direção-Geral da Saúde. Em primeiro lugar, por acreditar que os responsáveis estão a falhar num aspeto essencial: é importante comunicar com clareza e regularidade a relação entre vacinados e internados/óbitos para que a população possa ter uma maior noção dos benefícios das vacinas.

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Dirigindo-se diretamente a Marta Temido, Ferro Rodrigues lembrou que tem insistido que é preciso divulgar essa informação de forma clara junto da população. Pior: o Presidente da Assembleia da República não escondeu a indignação por só ter visto esses números explicados na televisão por “comentadores” ao domingo — uma referência óbvia a Luís Marques Mendes, que, no domingo, explicou no seu espaço de comentário a relação entre internamentos, óbitos e pessoas que estavam ou não vacinadas, com dados concretos.

A ministra da Saúde e os representantes da Direção-Geral da Saúde terão ainda contraposto que as informações estão disponíveis. E elas existem: como se pode ver no exemplo abaixo, no relatório de monitorização das linhas vermelhas da Covid-19 emitido pela DGS (neste caso, a 31 de dezembro) incluem-se vários dados e gráficos a propósito do estado vacinal das pessoas com doença mais grave ou vítimas mortais.

Ferro Rodrigues não ficou satisfeito com a resposta. Para o Presidente da Assembleia da República, o problema não reside na não divulgação dos dados, mas antes na sua comunicação ineficaz. Por outras palavras: os números são pouco comunicados, aparecem ‘escondidos’ por entre outros dados e nunca têm tanto destaque como o número diário de casos de infeção, por exemplo.

Ferro pressiona Costa

O Presidente da Assembleia da República não se ficou por aqui e ainda entrou em debate com o primeiro-ministro, num diálogo marcado pelo tom ríspido de parte a parte, segundo as fontes ouvidas pelo Observador. Eduardo Ferro Rodrigues colocou a questão das pessoas infetadas ou isoladas no dia das eleições — quem estiver em isolamento até ao dia 23 de janeiro ainda consegue votar a partir de casa, mas depois disso já não há solução prevista na lei –, exigindo uma solução ao Governo e ao primeiro-ministro.

Segundo os relatos, António Costa terá recebido com desagrado a questão de Ferro, lembrando que a lei orgânica está em vigor e que o Parlamento está, neste momento, dissolvido, o que dificulta uma nova alteração para acomodar estes casos.

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Mas Ferro reagiu a Costa, ainda dentro da reunião, pedindo que o Governo se concentre agora em soluções viáveis. Como Marcelo viria depois dizer, também à saída do encontro, há outras duas vias que estão a ser estudadas: a revisão das regras do isolamento profilático, que está a ser ponderada pela DGS (ainda esta semana o isolamento de casos assintomáticos foi reduzido de dez para sete dias e o grupo de aconselhamento do Governo já defendeu que se passe para cinco); e o parecer que o Ministério da Administração Interna já pediu à Procuradoria-Geral da República, para perceber se o isolamento, em caso de não infeção, pode constituir um impedimento ao direito de voto. Se não for essa a conclusão, poderia arranjar-se uma solução para os isolados poderem fazer uma exceção e irem votar.

Com os peritos a recomendar uma redução das medidas restritivas — até porque, como insistiram esta quarta-feira, o foco deve estar na gravidade da doença e não simplesmente no número de infeções sem mais — a confirmação sobre os próximos passos será dada pelo Governo, que se reúne na quinta-feira em Conselho de Ministros e tomará decisões definitivas, por exemplo sobre a reabertura das escolas na próxima segunda-feira, dia 10. Em dúvida continua a hipótese de se arranjar soluções de última hora para quem estiver isolado no dia das eleições.