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Itziar Ituño foi “Raquel”, agora é “Lisboa” em “A Casa de Papel”: “Até na Amazónia me reconhecem”

De polícia a foragida, Raquel Murillo passa a chamar-se Lisboa na terceira parte da famosa série espanhola que se estreia dia 19 na Netflix. A atriz revelou ao Observador não passar despercebida.

De olhar atento e vivo, numa sala de reuniões de um hotel de cinco estrelas em Lisboa, Itziar Ituño deixou uma certeza: expressar opiniões, nos dias que correm, tem um preço muito alto.

A atriz basca, de 43 anos, é protagonista na série “A Casa de Papel”, cuja terceira parte começa a ser exibida no dia 19 através da plataforma Netflix. Não se esquece da polémica em que se viu envolvida em maio de 2017. Nas vésperas da estreia absoluta da série – quando era apenas uma aposta do canal espanhol Antena 3 e não tinha começado a ser distribuída pela Netflix (o que aconteceu a partir de dezembro de 2017) –, as redes sociais inundaram-se com apelos ao boicote dos espectadores, porque Itziar seria uma apoiante do independentismo basco.

Felizmente para ela, infelizmente para os críticos, o primeiríssimo episódio de “A Casa de Papel” obteve mais de quatro milhões de espectadores. Nos meses seguintes, esta ideia original de Álex Pina, que é produtor executivo ao lado de Jesús Colmenar, ganhou dimensão e o gigante americano de “streaming” decidiu começar a distribuí-la. Assim se tornou a série de culto que os portugueses tão bem conhecem.

Na nova leva de episódios, a personagem de Itziar Ituño – a investigadora policial Raquel Murillo – passa-se para o grupo que tomou de assalto a Casa da Moeda espanhola e adota o nome Lisboa. A revelação é feita ao minuto 27 do primeiro episódio desta terceira parte.

Na segunda-feira à tarde, de visita à capital portuguesa para entrevistas de promoção agendadas pela Netflix, a atriz explicou-nos o porquê do novo nome, insistiu na defesa da liberdade de expressão e lamentou ter sido reconhecida numa pequena cidade peruana.

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[trailer da terceira parte de “A Casa de Papel”:]

Como se explica o êxito da série?
Penso que há vários fatores. Desde logo, a história de base é muito boa, com essa ideia fantástica que é o assalto à Casa da Moeda por parte de um grupo de pessoas que não têm nada a perder. É isso que dá origem a um enredo com muita ação, contada de uma forma… Não sei, se fosse uma pintura seria um pouco impressionista. Penso que, desse ponto de vista, é diferente do que já foi feito. Há movimentos de câmara, há uma linguagem audiovisual muito própria, personagens poliédricas – apesar de podermos dizer que são estereotipadas, contêm o seu claro-escuro. No fundo, são personagens muito próximas das pessoas comuns.

O criador da série diz que vivemos um momento de ceticismo em relação ao capitalismo e isso explicará o sucesso de “A Casa de Papel”. Concorda?
Sim. Sobretudo depois das crises financeiras na Europa, os cidadãos comuns estão cada vez mais cansados do paradigma que move o mundo, ou seja, o dinheiro. O dinheiro tornou-se o motor do planeta. Até que alguma coisa mude, até que as pessoas, ou, indo até mais longe, até que o conjunto de seres vivos do planeta seja o centro das preocupações, nada vai melhorar. Penso que esta ideia está muito presente na consciência coletiva, por isso. A série põe em causa o “status quo” e isso emociona muito o público.

Álex Pina criou “A Casa de Papel” porque queria ver ladrões a imprimir dinheiro

Apercebeu-se dessa dimensão assim que começou a fazer a série, há dois anos?
Quando li, pareceu-me que sim. Claro que estamos a fazer entretenimento, mas há ali outra camada, é possível fazer uma leitura mais profunda da série. Acredito que parte do sucesso vem daí.

O que mudou na sua vida pessoaL e profissional?
Desde logo, passei a ser reconhecida na rua.

Isso é bom ou mau?
Tem os dois lados. Perder o anonimato é um pouco incómodo, sinto-me muito observada. Antigamente, podia sentar-me num banco de jardim a observar o mundo. Agora, sou eu a observada. A parte bonita é quando as pessoas vêm dar-me o seu carinho e dizer que se emocionam com o meu trabalho. Isso é bonito. O resto, por vezes, leva a que nos coloquem num pedestal e isso incomoda-me um pouco, porque sou uma pessoa perfeitamente normal. Faço o meu trabalho, como um cirurgião ou um varredor. Tenho é a sorte de que haja muita gente que gosta do que faço.

Mas no País Basco já era bastante conhecida antes de começar a aparecer nos ecrãs da televisão espanhola de âmbito nacional.
Mas não era tão observada, tudo se passava a um nível mais pequeno. E a própria idiossincrasia do povo basco faz com que nos saúdem na rua com um aceno, pouco mais. De vez em quando lá aparecia alguém para me dar um abraço, mas era muito mais tranquila a situação. Agora, sim, viajo pelo mundo e dou conta de que me reconhecem nos lugares menos prováveis. É um pouco alucinante.

Que lugares, por exemplo?
Na Amazónia, onde já estive várias vezes. Pensava que poderia estar a salvo, que seria apenas mais uma e não. De repente alguém pergunta: “Você não é aquela da série?” E depois alguém aponta o dedo e junta-se um grupo. “Sim, sim, é ela.” As pessoas viram mesmo a série. “A Casa de Papel” chegou à selva amazónica.

"Na primeira parte houve um momento em Raquel disse a Ángel que já não sabia quem eram os bons e quem eram os maus da história. Todas as pessoas têm um lado bom e um lado mau. Ela simplesmente mudou de esquema."

Quando aconteceu esse episódio?
No ano passado, quando estive em Pucallpa [Peru]. Cheguei ao hotel, tudo bem, mas de repente alguém me identificou e o dono do hotel quis fazer uma foto comigo que depois publicou nas redes sociais. De repente, juntou-se uma pequena multidão à porta do hotel, queriam fazer fotos comigo.

E fez as fotos?
Fiz. Foi estranhíssimo. No aeroporto, também encontrámos um grupo. Não houve nenhum problema, foi apenas estranho. Até hoje, não tive qualquer problema com fãs.

[vídeo de promoção divulgado em junho com uma paródia a Marcelo Rebelo de Sousa:]

Na terceira parte da série, prestes a estrear-se, a sua personagem Raquel passa a chamar-se Lisboa. De boa passou a má. É assim?
Não sei. Na primeira parte houve um momento em Raquel disse a Ángel que já não sabia quem eram os bons e quem eram os maus da história. Todas as pessoas têm um lado bom e um lado mau. Ela simplesmente mudou de esquema. Era defensora da ordem da lei e de repente uma venda caiu-lhe dos olhos, percebeu que talvez estivesse a defender uma forma de organização do mundo que é injusta. Passou-se para o outro lado. Tendo sido polícia, agora é vista pelo grupo como adversária. Os do grupo não confiam nela e a polícia muito menos. Ela agora está num limbo e o professor é como que o farol dela, aquele que a defende, e não apenas por amor. É por isso que ela decide entrar no grupo e passar a chamar-se Lisboa.

É ela que decide?
Sim, é a Raquel é quem decide entrar no grupo.

Na vida real, quem decidiu que ela se chamaria Lisboa?
Terão sido os guionistas. Há uns tempos, numa entrevista, perguntaram-me que nome teria Raquel Murillo se de repente pertencesse ao grupo e tivesse um nome de cidade. Respondi: Lisboa. Conhecia Lisboa, acho que é uma das cidades mais bonitas da Europa. Gosto muito do som da palavra, da atmosfera que se cria na minha mente quando penso nesta cidade. Uma vez, estive aqui a jantar no Bairro Alto e a ouvir fado. Não sei se os guionistas se lembraram da minha entrevista ou se foi apenas coincidência. Mas ainda bem, agrada-me.

A terceira temporada ainda não começou, mas já se sabe que “Casa de Papel” vai ter uma quarta temporada

No primeiro episódio da terceira parte há uma cena em que Lisboa diz que outra personagem está certamente sob tortura. Afirma: “Todos os países democráticos têm um quintal onde fazem o jugo sujo quando as coisas correm mal.” Que significado tem esta fala?
É uma denúncia clara das cloacas dos estados democráticos, cloacas que supostamente não existem, porque as democracias supostamente não fazem tortura. É uma denúncia do que se passa em Guantánamo, por exemplo. Um pouco adiante nessa cena, o professor refere também que o estado espanhol tinha um grupo terrorista, os GAL, apoiados pelo governo. Portanto, a terceira parte da série começa logo em força.

Os autores procuram que a série tenha um componente política forte?
Bem, tudo é político. Como dizia Brecht, tudo depende de decisões políticas, até o preço do pão. Estudei sociologia e penso que a política e economia é que movem o mundo, incluindo a vida daqueles que querem ficar à margem da sociedade. Não me parece uma mensagem ideológica, mas uma mensagem humanista.

A terceira parte é integralmente produzida pela Netflix pela primeira vez. O que é que mudou na forma de trabalhar?
Antigamente, a produção era mais limitada e tínhamos menos tempo. As televisões generalistas funcionam com outros ritmos e com outros orçamentos. Agora, com uma plataforma como a Netflix, há mais tempo e dinheiro. A história terá sempre de ser boa, caso contrário, bem pode haver dinheiro. Com fogo de artifício pode-se fazer muita coisa, mas tem de haver uma boa base.

"Uma figura pública tem como que um megafone e se denuncia uma situação ou apoia uma causa que a outros não parece válida, paga um preço. O meu colega Willy Toledo, muito conhecido em Espanha, está sem trabalho porque pensa pela sua cabeça e é militante de esquerda. Não tem trabalho, mas é um grande ator. O medo paralisa e com medo não há muitas coisas injustas que possam mudar."

Outros atores de filmes e séries da Netflix dizem o mesmo: que o método de trabalho permite criar com mais qualidade.
Sem dúvida. Há um cuidado especial e isso nota-se.

A polémica em que esteve envolvida em 2017, quando “A Casa de Papel” se estreou na Antena 3, acabou por funcionar a favor da popularidade da série?
Não sei, tenho dúvidas. No País Basco, sim, a polémica ajudou a que houvesse mais pessoas a ver. Tinha havido alguns apelos a que ninguém visse e no País Basco reagiram ao contrário. Sei que pessoas que pouco ligam à televisão e que fizeram questão de ver.

Dois anos passados, como é que olha para este caso?
Foi difícil. A caça às bruxas existe ainda hoje. Não fui a primeira nem serei a última. Por um lado, é bom, já sei com o que conto. Mas foi um momento delicado, que me desagradou. Doeu, prefiro esquecer.

Estamos num momento da vida coletiva em que as figuras públicas são facilmente criticadas nas redes sociais por causa daquilo que dizem ou mostram. Como vive esta realidade?
Penso que cada um decide como deve levar a vida e que rumo quer dar à sua carreira, que riscos assume, de que riscos foge. Tudo me parece bem, cada um é livre de fazer o que acha que está certo. Agora, sim, tudo tem um preço. A pessoa que denuncia algo incómodo pode de facto sentir reflexos a nível profissional, pode deixar de receber convites, de ser contratada. Já senti isso. Uma figura pública tem como que um megafone e se denuncia uma situação ou apoia uma causa que a outros não parece válida, paga um preço. O meu colega Willy Toledo, muito conhecido em Espanha, está sem trabalho porque pensa pela sua cabeça e é militante de esquerda. Não tem trabalho, mas é um grande ator. O medo paralisa e com medo não há muitas coisas injustas que possam mudar. Podemos ser contra ou favor, mas é bom que haja diversidade. É a minha opinião. Deveria haver essa liberdade. Quer dizer, ela existe, mas tem consequências. Neste mundo, pensar não é inócuo.

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