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Jean Paul Gaultier tornou a Lisboa, cidade onde já esteve algumas vezes. Uma delas foi para assistir ao Festival Eurovisão da Canção, em 2018
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Jean Paul Gaultier tornou a Lisboa, cidade onde já esteve algumas vezes. Uma delas foi para assistir ao Festival Eurovisão da Canção, em 2018

Jean Paul Gaultier tornou a Lisboa, cidade onde já esteve algumas vezes. Uma delas foi para assistir ao Festival Eurovisão da Canção, em 2018

Jean Paul Gaultier: "Não sou designer para ser uma celebridade. Fi-lo para me divertir, para vestir o meu ursinho de peluche"

Fora da passerelle desde 2020, Jean Paul Gaultier não abrandou. Em entrevista, fala sobre o espetáculo Fashion Freak Show (que passa por Lisboa e pelo Porto), o filme que aí vem e a cópia de Madonna.

Sabendo que ia deixar a moda em breve, Jean Paul Gaultier ambicionava dar a conhecer a sua história. Fá-lo com Fashion Freak Show, musical que está em digressão mundo fora e que passa por Lisboa e Porto, no Sagres Campo Pequeno e no Super Bock Arena, respetivamente, entre os dias 8 e 19 de novembro. Com música e dança, o espetáculo procura contar o percurso do homem que recuperou o espartilho enquanto gesto de insolência, desafiou códigos de género, trouxe a cultura underground para a alta-costura. Condensar uma vida inteira num espetáculo é um projeto tão condenado como tentar fazê-lo em 15 minutos de entrevista.

Com os segundos contados, Jean Paul Gaultier surge no lobby de um hotel na Avenida da Liberdade, em Lisboa, com um sorriso rasgado. Veste uma camisola às riscas azuis — o que seria do criador sem uma marinière, há muito parte do seu uniforme.

Fã aguerrido da Eurovisão (veio a Portugal de propósito assistir ao concurso, em 2018), revela-se encantado com Salvador Sobral. “Adoramos surpresas, não é? Surpresas positivas. A tradição de Portugal tocou toda a Europa porque era diferente. [A Eurovisão] era um concurso que se tornou muito kitsch nos anos 80, às vezes até ridículo. E, de repente, surge uma coisa completamente diferente, bonita, poética. E um reflexo do país. É a prova que as pessoas adoram o que é belo, mesmo quando é uma espécie de ovni [risos].”

Também Gaultier foi uma espécie de ovni. Transgressor, sempre provocador, irónico, tornou-se um dos protagonistas da moda no pós-modernismo a partir dos anos 1980. Depois de arrumar as tesouras, em 2020, o criador francês dedica-se agora a outros formatos, entre eles uma longa-metragem de animação de produção belga. “Começou há alguns anos, mas houve a pandemia covid-19 e parou tudo. Foi um momento de reflexão, mas não podíamos fazer nada. Agora vai começar a ser animado.” Quando? Diz-nos que “nunca antes de 2025 ou 2026”.

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[o trailer de “Fashion Freak Show”:]

Depois de décadas a criar para desfiles, está a correr o mundo com um espetáculo musical. Qual é a diferença entre a passerelle e o palco?
Para mim é bastante semelhante, para ser honesto. Quando fiz desfiles via-os como filmes, era assim que via a moda. Aliás, quis fazer moda depois de a ver através de um filme chamado Falbalas (1945), uma história de amor que misturava alta-costura e que me fez sonhar e dizer: quero fazer isto. No final do filme havia uma desfile que era um espetáculo e não uma coisa formal como era então a alta-costura. O filme — que não vi nos anos 40, só mais tarde, claro — era um reflexo do tempo, mostrava como a alta-costura era, em que os desfiles de moda não eram um grande evento, com música, eram mais tradicionais, com modelos a desfilar, a sorrir para a audiência, algumas pessoas sentadas, alguma luz. Eu vi-a o desfile de moda como algo mais teatral e era isso que queria fazer nos meus desfiles.

Comecei sem dinheiro, escolhia pessoas que encontrava na rua, uma rapariga que estava a cantar, outra que estava só a caminhar na sua vida. Procurei sempre personalidades, como num filme. As minhas escolhas sempre foram uma reação ao que é tradicional. Primeiro, porque não tinha dinheiro, mas também porque queria mostrar que havia outro tipo de beleza. Naquele tempo eram as modelos suecas que estavam na moda, no final dos anos 70. E eu escolhia raparigas com cabelo preto, personalidades fortes, de diferentes tons de pele. Sempre fui rebelde, mesmo quando trabalhei para grandes casas [de moda]. Dizia: porque não escolher raparigas mais interessantes do que essas modelos? Mas era alta-costura, havia uma forma antiga de fazer as coisas.

Era um tempo divertido, de certa forma, mesmo nos meus desfiles fazia caricatura desse registo, desse movimento datado, de raparigas que não representavam o que era a realidade. Já no teatro e no cinema mostrava-se a realidade da sociedade, o que se passava, como as mulheres estavam a mudar. Havia algumas mais andróginas, outras mais duras, não apenas frágeis e ultra-femininas e românticas. Havia algumas, claro, e ainda bem, mas também havia o completo oposto, um pouco mais punk, e eu era mais influenciado por estas últimas, devo dizer. Queria mudar um bocadinho o que vi-a à minha volta, era tudo muito conservador, muito tradicional.

Ao fim de 50 anos de carreira como designer de moda, aposentou-se dos desfiles em 2020. Sente saudades da indústria da moda?
Não, de todo. Ainda o faço de certa forma, é parte da minha vida, só de outra forma. Agora estou a trabalhar num filme de animação, por exemplo.

Sobre o quê?
É um filme de animação sobre moda [é interrompido pela agente, que o impele a não descortinar nada sobre o projeto].

Sobre a sua vida?
Não, não. Sou diretor artístico, aconselho e dou sugestões.

A sua aproximação ao cinema sempre foi evidente, tanto pela inspiração para coleções como pela relação profícua que estabeleceu com cineastas como Pedro Almodóvar ou Luc Besson, com os quais colaborou. Mas desde Má Educação (2004), do realizador espanhol, que não voltou a criar um figurino para um filme. Porquê?
Porque estive a fazer outras coisas. A preparar este Fashion Freak Show, que agora estou a mostrar. Mas não parei. Fiz algumas roupas para outro filme do Pedro… A Pele Onde Eu Vivo (2011). Ainda faço diferentes projetos, este Fashion Freak Show, que é uma peça, e dá muito trabalho. Não posso fazer muito mais [risos].

“Fashion Freak Show” é um espetáculo que passa em revista a vida e carreira do criador francês

Este ano a Saint Laurent tornou-se a primeira marca de luxo do mundo a criar uma produtora de filmes. A moda está a redescobrir o poder do cinema?
Não posso dizer nada de mal sobre isso, porque eu próprio vi o Falbalas com 13 anos e foi assim que decidi ser costureiro. Foi tudo por causa dos filmes que estava a ver. Vi que esse trabalho existia através do cinema. Se fiz moda foi porque vi aquela rapariga no fim a fazer um desfile, os espectadores, os aplausos, tudo isso. A atmosfera do teatro, de uma peça, de um filme, para mim, é quase a mesma coisa que um desfile.

Como olha para a moda hoje?
Para ser honesto, é muito diferente de quando comecei. Havia o costureiro e o pronto-a-vestir estava ainda a começar. Os grandes nomes como Kenzo, nessa altura, nos anos 70, era algo revolucionário, jovem. Antes a moda era mais para pessoas com dinheiro, mais velhas. Com o pronto-a-vestir tornou-se mais jovem. A moda é sempre um reflexo da evolução da sociedade, tem de ser.

O que reflete em 2023?
Há muita moda, muitos designers, talvez mais do que pessoas que usam a moda [risos]. Há também o movimento anti-moda, um movimento punk com muita influência. E muita moda que se tornou virtual, o que é completamente diferente.

"Continuo a viver o sonho da adolescência. Um dia vai acabar, ainda não, mas um dia. Sou muito sortudo"

Como observa esse fenómeno?
Não observo de todo porque não olho para o que é virtual. É interessante, mas não sou dessa geração, não estou muito nas redes sociais, se estou em alguma digo “podem pôr isto ou aquilo”, mas não estou por dentro. Prefiro o que é concreto. É por isso que gosto de teatro, porque é mais real, humano, não é virtual. Bem, adoro cinema, por isso talvez possa amar algo virtual, mas a realidade, o contacto real, sou mais dessa geração. Comecei sem dinheiro, tive de encontrar uma ideia sem recursos, e preciso disso..

Imagino que com este Fashion Freak Show a correr o mundo isso já não seja um problema. 
Não sei, para ser honesto, não o fiz para fazer dinheiro. Se fizer, ótimo, é bom para o produtor também, mas para mim é uma sorte poder fazer o que faço. Trabalhar numa coleção, fazer roupas, fazer o que sonhava desde os 13 anos. Continuo a viver o sonho da adolescência. Um dia vai acabar, ainda não, mas um dia. Sou muito sortudo. Nunca gostei de prisões, de ser prisioneiro de nada, sempre gostei de estar livre para fazer o que quisesse.

A moda foi, em dada altura, uma prisão? 
Não foi. Acho que a moda deixou de me agradar, com toda a gente a ter de estar num grande grupo… E eu era completamente livre. Não tinha dinheiro, mas era livre. Gosto de ser livre. Ter de dar justificações a alguém? Não, não.

As fragrâncias pertencem ao grupo espanhol Puig…
Sim, até o meu nome pertence à Puig [risos]. Mas é a fragrância, não sou eu [risos].

"A moda deixou de me agradar, com toda a gente a ter de estar num grande grupo... E eu era completamente livre. Não tinha dinheiro, mas era livre. Gosto de ser livre. Ter de dar justificações a alguém? Não, não"

Fragrâncias que, de resto, se tornaram um sucesso.
É, aparentemente sim. Fico muito feliz com isso. Acho que é o resultado de todos os anos na moda, mas sim, permite-me viver. O meu objetivo nunca foi ser rico. Posso viver bem, isso é bom, e posso fazer coisas que me interessam. Como o Fashion Freak Show. É uma nova experiência e é o que adoro. Ser criativo, fazer coisas que amo é um sonho, uma vida, que não tem preço.

Está em Lisboa na mesma altura que Madonna, para quem fez uma nova versão do corpete com os famosos cones pontiagudos sobre o peito.
Sim, vamos ver-nos hoje [terça-feira, 7 de novembro] à noite.

Vai ver o concerto? 
Sim, e depois vou vê-lo em Paris também. É uma coincidência!

Como foi trabalhar com ela para esta nova digressão?
Foi ótimo. Na altura estava muito cansado, não fui fazer o fitting, mandei alguém para o fazer, mas foi ótimo. Fiz o corpete para ela, um corpete preto. Ela sempre foi fabulosa. Sempre foi interessada em moda. Adoro-a desde a primeira vez que a vi, nos anos 1980, quando ela lançou a Holiday (canção de 1983) e fez um grande espetáculo em Londres. Vi-a e disse: esta miúda é maravilhosa, fabulosa. Com o look que ela tinha pensei: “tem de ser inglesa”. E não, americana! Um americano que se veste assim, que tem aquele look… era algo raro. Sempre gostei desse look estranho, tipo Siouxsie and the Banshees, um pouco punk, rebelde. Lembro-me de ela estar muito no mood do que se passava em Paris então. E depois reparei que ela usava muito as minhas roupas.

A primeira vez que ela foi a Paris tinha um corpete tipo bustier, preto, com pequenas franjas. Fui ver o concerto, claro que já era fã dela pelo que dizia e cantava, pela forma de se mostrar enquanto mulher forte e, ao mesmo tempo, masculina. Adorava isso. Fui vê-la, disse-lhe que adorava que usasse as minhas roupas, mas que no show ela estava a usar uma cópia de um corpete meu e que me devia ter pedido para fazer o corpete [risos]. Nunca tinha dito algo assim a alguém na vida! Disse-lhe: “pede-me”. Depois disso, a Madonna pediu-me para fazer todas as roupas para a Blond Ambition Tour. Nunca tinha dito nada assim a ninguém, não sou do género de me vender. Mas disse! [risos]

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Madonna enverga o corpete que Jean Paul Gaultier fez propositadamente para a Celebration Tour

WireImage for Live Nation

É verdade que chegou a pedi-la em casamento? 
Sim, sim, muitas vezes.

Mesmo? 
Sim! Sabia que ela ia dizer que não, não vou dizer porquê [risos]. Mas gostava muito dela, sou um grande fã e do que ela representa. É muito inteligente e uma mulher com muita força.

Nos anos 1990 fez um programa de culto na televisão inglesa, o Eurotrash. Há pouco tempo foi jurado na versão francesa de Dança Comigo, experiência de que não gostou particularmente… 
É verdade.

Voltaria a fazer um programa de televisão? 
Não. Se fosse sobre moda, talvez, mas não enquanto apresentador. Talvez faça um projeto diferente do meu Fashion Freak Show, uma peça, para teatro, mas um programa de televisão sobre mim, não sei… Sou alguém que prefere ficar na sombra. Não gosto de ter o foco em mim, prefiro pôr o foco nos outros.

Mas está prestes a mostrar um espetáculo sobre a sua vida.
Vai ver que não é exatamente assim [sorri]. Faço-o com música, com outras pessoas, com uma miúda que parece a Madonna. É um pretexto porque não sou capaz de escrever uma história. Só posso falar sobre o que sei. Quando falo em entrevistas sobre a minha avó as pessoas gostam, mas é uma história normal, não é uma invenção, não é uma criação. A minha criação é o meu trabalho, sou bom a fazer isso, não sou bom a falar sobre mim. Tornei-me designer no final dos anos 80. Não o fiz para ser uma celebridade. Fi-lo para me divertir, para vestir o meu ursinho de peluche.

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