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Paulo Raimundo discursou no centenário do PCP. Uma "pista" para a escolha agora revelada, dizem fontes do PCP
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Paulo Raimundo discursou no centenário do PCP. Uma "pista" para a escolha agora revelada, dizem fontes do PCP

Paulo Raimundo discursou no centenário do PCP. Uma "pista" para a escolha agora revelada, dizem fontes do PCP

Jerónimo precipitou a saída e esteve envolvido na escolha de Raimundo, o desconhecido que o PCP conhece bem

Timing surpreende muitos no PCP. Sucessão estava a ser preparada, mas Jerónimo acelerou processo e esteve no processo. Paulo Raimundo já teve nas mãos organização regional e tem ligação aos sindicatos

A notícia de que Jerónimo de Sousa vai deixar a liderança do PCP, pondo fim a um ciclo de dezoito anos e entregando assim os comandos do partido a Paulo Raimundo, chegou em forma de um simples comunicado, num sábado à noite, e surpreendeu muitos, fora e dentro do PCP. A saída de Jerónimo era uma inevitabilidade e o processo já estava a ser preparado pelo Comité Central; mas não havia uma data específica e seria concretizado com tempo. O timing ficou nas mãos de Jerónimo de Sousa e a decisão acabou por ser “precipitada” por vontade do próprio.

O processo, como apurou o Observador junto de várias fontes do partido, não começou hoje nem surgiu de uma vontade repentina de Jerónimo de Sousa, que esteve diretamente “envolvido” desde o início na tomada de decisão. De resto, o projeto de resolução política que o partido se prepara para aprovar no próximo fim de semana, na Conferência Nacional do PCP, apontava para um “reforço do partido” que passaria pela “responsabilização” de novos quadros e assumia a vontade de “colocar nas mãos de mais militantes a responsabilidade de serem protagonistas e construtores” do partido.

Ainda assim, o timing foi “acelerado“, confirmam fontes comunistas com conhecimento do processo. E por vontade de Jerónimo: “O próprio colocou a questão de que não se sentia mais em condições de continuar”, dada a exigência das tarefas como secretário-geral, fosse por questões de saúde — Jerónimo ficou de fora da maior parte da campanha das últimas eleições legislativas por causa de uma operação cirúrgica — ou de idade.

Jerónimo esteve 18 anos à frente do PCP e é deputado desde a Assembleia Constituinte

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

À exceção de um restrito grupo de dirigentes comunistas, a ideia generalizada, até há poucos dias, era de que Jerónimo ainda poderia continuar até ao próximo congresso do partido, em 2024, prosseguindo assim a tradição do partido de entronizar um sucessor no órgão máximo dos comunistas — o que, apesar de ser o padrão, não é um imperativo estatutário, uma vez que a decisão de substituir o secretário-geral pode ser tomada em qualquer reunião do comité central.

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Por isso mesmo, houve quem dentro do partido assumisse esta noite, passados poucos minutos da divulgação do comunicado onde seguiam breves explicações sobre a saída de Jerónimo e uma nota biográfica do sucessor, o seu espanto: “Isto surpreendeu boa parte das pessoas quer dentro, quer fora do partido”, assume uma fonte do partido ao Observador.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a saída de Jerónimo de Sousa.

O que muda no PCP?

Dentro do Comité Central assume-se que a data da sucessão ainda não estaria, de facto, marcada. “Estaria, certamente, pensada para daqui a não muito tempo”, resume fonte do partido ao Observador. Coisa diferente é dizer que foi feita em cima do joelho: no PCP “não há imprevistos”, como lembra outra fonte comunista.

“Claro que não foi tratado de ontem para hoje. Eventualmente no prazo normal teria desfecho num congresso”, diz ao Observador fonte conhecedora do processo. Poucas horas depois de ser conhecida a decisão, o ex-deputado comunista Miguel Tiago, na RTP3, reconhecia o mesmo:  “O mais natural, mais expectável, é que tivesse sido no Congresso. Mas as condições não permitiram”.

O atual secretário-geral tinha deixado pistas que também preparavam a opinião pública nesse sentido — numa entrevista recente à agência Lusa lembrava, de resto, que “a lei da vida não perdoa” e avisava os seus camaradas de partido de que “ninguém é insubstituível”.

Mas os fatores pessoais invocados por Jerónimo e o ciclo político difícil e exigente que se avizinha acabaram por ditar o timing da decisão — e a conferência nacional, recorda uma fonte do partido, ajuda a “dar dignidade” ao processo.

Ou seja: Paulo Raimundo pode não ser aclamado num congresso, como é hábito, ficando assim apresentado ao país — já que no PCP dispensa apresentações. Mas começa o percurso como secretário-geral na conferência nacional, a segunda maior reunião do partido depois dos congressos, algo muito raro na história do PCP.

A entrevista em que Jerónimo antecipou a sua possível saída. “Os meus camaradas perdoar-me-ão: ninguém é insubstituível”

O desconhecido que já teve nas mãos “os corações” do PCP

A ascensão de Paulo Raimundo a secretário-geral comunista — a eleger numa reunião do Comité Central que deverá acontecer durante a própria conferência — é também uma enorme surpresa para todos os que não estão na cúpula do partido: é virtualmente um desconhecido para a generalidade dos portugueses e nem sequer era mencionado nas apostas que se iam fazendo para a sucessão de Jerónimo. “Nem sei se alguma vez foi à televisão”, graceja um camarada.

Mais: nos últimos congressos do partido, Raimundo não teve projeção mediática, não recebeu ovações que outros no partido mereceram — como João Oliveira ou João Ferreira, por exemplo — e não chegou sequer a ser mencionado sempre que o tema da saída do ainda secretário-geral era colocado nas muitas entrevistas que dirigentes comunistas foram dando. A começar pelo próprio Jerónimo, que, numa entrevista CNN Portugal, falou em quatro nomes: os inevitáveis João Ferreira, João Oliveira e Bernardino Soares, mas também João Frazão.

As últimas eleições legislativas ajudaram a baralhar ainda mais as contas. Depois de Jerónimo de Sousa ter sido obrigado a parar para se submeter a uma cirurgia, o líder comunista foi substituído pela dupla João Oliveira e João Ferreira — este último acabaria por ser também obrigado a parar por causa da Covid-19, tendo sido substituído por Bernardino Soares –, o que reforçou a ideia de que a escolha poderia passar por um destes três homens. Não passou.

Em contrapartida, e apesar de não ter o lastro mediático de outros comunistas, o peso político de Paulo Raimundo no PCP ficou bem evidente no último congresso do partido. O futuro secretário-geral passou a estar na Comissão Política e também no Secretariado do Comité Central, os dois órgãos mais restritos do PCP, onde só acumulam funções mais quatro nomes: Francisco Lopes, Jerónimo de Sousa, Jorge Cordeiro e José Capucho, pesos pesados do partido.

Aliás, dentro do PCP, ninguém desvaloriza o percurso e o potencial do sucessor de Jerónimo. Quem conhece Raimundo desde os tempos da JCP, onde ingressou em 1991, com 14 anos, e passou a desempenhar funções como funcionário quatro anos depois, lembra-se do que já então se dizia sobre o novo protagonista do PCP. “Muita gente brincava com ele e dizia que tinha condições para um dia chegar a secretário-geral“.

Os motivos são vários, tal como as qualidades que lhe apontam. A primeira razão é a “dedicação”, a “abnegação” que sempre dedicou ao partido e aos camaradas, a quem “atende o telemóvel” a qualquer hora para resolver questões relacionadas com o partido, e o “espírito de entrega”.

Traços que o percurso mostra: desde logo, na passagem de Setúbal, onde viveu a partir dos três anos e estudou (“numa escola construída durante a Revolução de Abril”, faz o PCP questão de frisar na sua nota biográfica) para Braga, onde ficou responsável pela organização daquela importante distrital. Tudo a pedido do partido. Nessa altura, já se tinha concretizado a sua rápida ascensão interna: cinco anos depois de entrar na JCP, Raimundo já tinha assento no Comité Central do PCP.

A nota biográfica o partido faz questão de frisar a experiência de vida e até a “vivência de rua e junto ao rio Sado” de Raimundo, uma vez que desde muito novo acompanhava a mãe em trabalhos na agricultura, limpeza e obras e na apanha de marisco, e já depois disso os trabalhos como carpinteiro, padeiro e animador cultural — “realidades que lhe permitiram sentir as contradições do dia-a-dia, a realidade do trabalho mal pago, da exploração e da precariedade e, por outro lado, ter a vivência da camaradagem e da solidariedade entre os trabalhadores”.

Mas a maior parte da vida de Raimundo foi mesmo, como frisam os camaradas, “dedicada” ao partido. É lá que trabalha, desde 2004 — de funcionário da JCP passou a funcionário do PCP e já esteve em vários cargos diretivos.

Ainda assim, o percurso de Raimundo dentro do PCP é mais profundo do que os cargos que acumula. Como nota fonte do partido, teve responsabilidades na ligação tanto às organizações regionais — no fundo, a ligação do PCP às bases e a sua garantia de implantação nacional — como ao movimento sindical, “os dois corações do partido”.

Na nota biográfica do PCP, o partido elogia o trabalho político de proximidade com todas as estruturas do partido e o percurso de vida “dedicado à defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo português, por um Portugal com futuro, pelo ideal e projeto comunistas”.

E, no PCP, isso conta bem mais do que o mediatismo ou a notoriedade, quase nulas neste caso: “A ligação do quadro à organização, ao funcionamento do partido e à forma como as tarefas se desenrolam é muito mais importante do que o carisma público“, nota a mesma fonte.

É um facto comprovável pelos antecedentes do PCP, nota-se no partido, recordando escolhas como o histórico Francisco Lopes para uma candidatura à Presidência da República. O que pode ajudar a explicar porque é que, anos depois de se falar em nomes mediáticos do PCP como João Ferreira ou João Oliveira, o PCP se decidiu por um nome praticamente desconhecido.

“Se olharmos bem para o PCP, para a sua praxis e não para a praxis comum, percebemos que este é um cargo, um órgão do partido — não um simples porta-voz”, completa a mesma fonte.

João Ferreira era o nome mais falado para a sucessão e chegou a substituir Jerónimo, a par de João Oliveira, durante a última campanha

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Não que o PCP não desse sinais, mas à sua maneira: no centenário do partido, em março do ano passado, ao palco subiam apenas três nomes para discursar: Jerónimo de Sousa, a também dirigente Margarida Botelho e Paulo Raimundo, que na altura, fora dos holofotes mediáticos, praticamente não seria citado, mas faria uma intervenção sugestiva, com o título “a força organizada dos trabalhadores é capaz de tudo”.

Os temas escolhidos dificilmente poderiam encaixar melhor na atual linha política do PCP: falaria contra o aumento do custo de vida, da alimentação à energia, que classificaria como uma “autêntica pilhagem liberal que há muito está em curso”.

Agora, aos 46 anos — mais novo do que eram Álvaro Cunhal, Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa quando assumiram o cargo — torna-se assim um secretário-geral como um caderno de encargos difícil, com uma crise profunda a resolver no partido e com o desafio adicional de não ter o palco mediático do Parlamento, uma vez que não integrou as listas candidatas à Assembleia da República.

Mas, mais uma vez, para o PCP, ao contrário dos outros partidos, essa poderá não ser exatamente uma prioridade: “Durante largos anos o secretário-geral não esteve no Parlamento“, lembra uma fonte, apontando para o historial de Cunhal — e para a notoriedade que evidentemente conseguiu, mesmo nessas condições.

Para os comunistas, as duas “tarefas”, como se diz no léxico do partido, estão desligadas, até porque boa parte do trabalho de base do PCP não é feita no Parlamento nem a pensar no Parlamento, mas em associações, no movimento sindical, e noutros palcos bem menos mediáticos.

Também será verdade que desde a saída de Cunhal os tempos mudaram, a geringonça deu centralidade ao Parlamento e o PCP perdeu força noutras frentes. Mas todas as hipóteses estão em cima da mesa. “No PCP costumamos dizer: nem sempre, nem nunca”, nota a mesma fonte.

Ou seja, o partido pode sempre surpreender, como provou esta noite — e nenhuma regra ou tradição é absoluta. Este domingo, Jerónimo de Sousa dará uma conferência de imprensa onde se espera que revele mais sobre a sua decisão e o futuro.

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