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Graça Fonseca afastou Bernardo Alabaça porque a Direção-Geral do Património Cultural se tornou "profundamente inoperacional”, disse o gabinete da ministra na sexta-feira
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Graça Fonseca afastou Bernardo Alabaça porque a Direção-Geral do Património Cultural se tornou "profundamente inoperacional”, disse o gabinete da ministra na sexta-feira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Graça Fonseca afastou Bernardo Alabaça porque a Direção-Geral do Património Cultural se tornou "profundamente inoperacional”, disse o gabinete da ministra na sexta-feira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

João Neto: “Ministra atribui inoperância à DGPC para esconder a sua incapacidade de dirigir o Ministério da Cultura”

Presidente da Associação Portuguesa de Museologia sustenta que ministra Graça Fonseca demitiu diretor-geral do Património para esconder instabilidade no setor e os efeitos da cativação de verbas.

A inesperada exoneração na sexta-feira do diretor-geral do Património Cultural, Bernardo Alabaça, motiva as maiores críticas à ministra da Cultura por parte do presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM). A decisão de Graça Fonseca, justificada com a presumível “inoperância” do maior organismo sob alçada do Ministério da Cultura, revela a incapacidade da própria governante, argumenta João Neto. “Se virmos o percurso desta ministra, todo ele tem sido feito aos trambolhões”, afirma.

A APOM tem sede em Lisboa e representa desde 1965 instituições e profissionais da área, tendo várias câmaras e museus municipais como sócios. João Neto, de 55 anos, licenciado em História pela Universidade Lusíada e pós-graduado em Direito do Património pela Faculdade de Direito de Lisboa, sugere que a ministra não tem um projeto para a área do Património. Garante que sem mecenas do setor privado muitos museus não conseguiriam fazer exposições ou conservar as coleções.

O também diretor do Museu da Farmácia, que abriu portas em Lisboa em 1996, diz sobre a gestão da pandemia: “Muitos erros deveram-se ao desconhecimento da História”.

João Neto preside à Associação Portuguesa de Museologia e dirige o Museu da Farmácia

Disse na sexta-feira que a exoneração do diretor-geral do Património foi “lastimável” e “uma decisão totalmente política”. Política em que sentido?
Precisamos de estabilidade para resolvermos as questões e ganharmos o futuro. Não é com esta exoneração que isso se consegue. Ao apresentar a inoperância da Direção-Geral do Património Cultural como uma das razões para a exoneração, a senhora ministra não criticou apenas o diretor-geral, mas os funcionários da DGPC, o que é profundamente injusto. Têm sido meses muito duros por causa da pandemia, o que tem provocado uma disrupção nos museus, palácios e monumentos e na própria DGPC. Ao falar de inoperância, a senhora ministra deveria também pensar na sua própria atuação. Não podemos esquecer o que tem acontecido no Ministério da Cultura.

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Como por exemplo?
Basta relembrar um caso: foi preciso a sociedade civil movimentar-se para que o senhor primeiro-ministro tivesse tomado consciência de que a cultura não estava contemplada no Plano de Recuperação e Resiliência. Em versões iniciais do documento, a cultura não aparecia. Pergunto: como é que a ministra, que está dentro do Governo, só se apercebeu disso depois de grande pressão mediática e da sociedade civil? Se há alguma inoperância, é muito injusto culpar os outros.

Diretor-geral do Património foi afastado do cargo pela ministra da Cultura por alegada inoperância

Outra das justificações do Ministério da Cultura para o afastamento de Bernardo Alabaça foi uma taxa de execução orçamental de 10% por parte da DGPC. Isto não demonstra verdadeira inoperância?
E como é que haveria mais se estamos há mais de um ano em pandemia? É preciso ver que o dinheiro está cativo. Há muitos projetos que precisam de autorização do Ministério da Finanças e essa autorização não existe. Desde logo, para recursos humanos. Há quantos meses estão os pedidos de transferência de verbas no Ministério da Finanças? E porque é que foi lançado o concurso para os diretores de museus, palácios e monumentos que dependem da DGPC? [concurso lançado em junho do ano passado e com resultados parcelares em fevereiro último]. A APOM disse que este não era o momento para se criar instabilidade, estávamos e estamos em pandemia, não era a altura certa para fazer o concurso. Depois da pandemia é que o concurso deveria acontecer. Além disso, muita da debilidade dos museus e monumentos está ao nível das infraestruturas. Onde estão as obras aprovadas? Onde está o dinheiro?

O diretor-geral da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), Bernardo Alabaça, durante a audição na Comissão de Cultura e Comunicação na sequência do requerimento apresentado pelo grupo parlamentar do PSD sobre a sua nomeação anunciada no dia 13 de fevereiro pelo Ministério da Cultura para diretor-geral do Património Cultural, na Assembleia da República, em Lisboa, 10 de março de 2020.    MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Bernardo Alabaça disse na sexta-feira à Lusa: "Não acho aceitável a fundamentação" da exoneração, "nem me revejo nela, em meu nome, nem em nome das 870 pessoas que tive a honra de dirigir"

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Mas então a responsabilidade seria do Ministério da Finanças.
Por isso é que temos chamado a atenção do senhor primeiro-ministro e do ministro da Finanças de que os museus, para funcionarem, precisam de necessidades básicas resolvidas. Os problemas básicos já existiam quando esta ministra tomou posse [outubro de 2018] e continuam lá. Por muito que a senhora ministra aprecie inaugurações, não podemos ter uma atividade regular quando os problemas básicos, esses sim, urgentes, continuam por resolver.

Há queixas frequentes do diretor do Museu Nacional de Arte Antiga por falta de vigilantes, falta de investimento, falta de climatização para conservação das obras, sistema elétrico obsoleto…
O Museu Nacional de Arte Antiga é dos que têm maior visibilidade mediática, mas infelizmente o problema é geral. Quase todos os museus, palácios e monumentos têm problemas graves. As necessidades básicas de recursos humanos, segurança e infraestruturas não estão asseguradas.

Face ao que está a descrever, qual pode ter sido o motivo para que a ministra tenha afastado o diretor-geral do Património?
Só pode ser fumo político.

Com que objetivo?
Utilizar a exoneração como bote de salvação política de quem exonera. Quem, numa situação de instabilidade, lança maior instabilidade é porque quer esconder outros problemas. A senhora ministra atribui inoperância à DGPC para esconder a sua incapacidade de dirigir o Ministério da Cultura. Aliás, se virmos o percurso desta ministra, todo ele tem sido feito aos trambolhões. Não tenho questões políticas com este Governo, nem a APOM tem, mas os museus, palácios e monumentos não podem estar a ser usados como joguetes.

Sugere que em vez da saída do diretor-geral do Património quem deveria sair era a ministra da Cultura?
O senhor primeiro-ministro deve analisar, auditar, a ação dos seus ministros e em particular desta ministra. A APOM tem tido reuniões com a secretária de Estado do Património Cultural e tem havido um bom clima de diálogo e de tentativa de resolução de problemas. A APOM está no país para tentar resolver problemas, com o apoio dos seus associados e de todos os colegas. É essa a nossa missão. Não podemos é ficar neutrais perante injustiças tremendas, porque a senhora ministra atribui inoperância a uma pessoa, mas em rigor está a dar essa mesma qualificação a todos os colaboradores da DGPC.

"A forma como a notícia foi posta a circular na sexta-feira foi muito deselegante. As palavras que a ministra talvez não goste de ouvir relativamente ao seu desempenho não deveriam ser apresentadas para descrever os seus colaboradores."

O diretor-geral cessante apresentou esse argumento numa declaração que fez ao jornal Público, mas aparentemente a ministra referia-se à inoperância do decisor principal e não das equipas.
Mas então temos de saber onde estão as transferências de centenas de milhões nestes últimos dois anos. Foram feitas?

Catarina Valença Gonçalves: “Não existe uma política a longo prazo para o património cultural”

Perante esse cenário não deveríamos ter reações mais contundentes dos profissionais da Património?
Muitos colegas sabem que os concursos estão a decorrer. Se telefonar para muitos deles, talvez falem, mas apenas sob anonimato. A APOM, a par do ICOM [Conselho Internacional de Museus em Portugal], são representantes dos profissionais. As minhas palavras, e as da minha colega Maria de Jesus Monge, não são só minhas, representam o setor e a classe.

A exoneração era previsível ou foi uma surpresa total?
Não conheço os meandros das relações entre a senhora ministra e o senhor diretor-geral. Sei que a forma como a notícia foi posta a circular na sexta-feira foi muito deselegante. As palavras que a ministra talvez não goste de ouvir relativamente ao seu desempenho não deveriam ser apresentadas para descrever os seus colaboradores.

Estranhou a argumentação? De facto, não é comum o afastamento de diretores-gerais sob a acusação pública de incompetência.
Por isso é que gostava de saber quais são as orientações que o Ministério tem dado para colmatar as necessidades básicas do património. Onde é que está todo esse empenho? É que essas necessidades existem desde o momento em que a senhora ministra tomou posse.

"Tenho pena que muitos dos que têm tomado decisões não conheçam a história para perceberem como é que as pandemias foram geridas ao longo dos tempos. Agora fala-se do certificado digital como uma grande novidade, mas a partir do século XVII, por causa dos grandes surtos de peste na Europa, já havia passaportes de saúde."

Coloca a hipótese de a exoneração se ter devido à discordância, por parte de Bernardo Alabaça, perante a transferência de competências da DGPC para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional? Ou ao possível desmembramento da DGPC em vários organismos, algo que o diretor-geral criticou em público?
Se essa hipótese é verdadeira, mais triste é a demissão. Alterações dessas são para ser feitas de forma estratégica nas alturas certas e de certeza que esta não é a altura certa. Se o concurso para diretores ainda está a decorrer e se a aplicação do Plano de Resiliência está a ser decidida, agora é que viria uma eventual alteração estrutural na DGPC? As decisões estratégicas da senhora ministra da Cultura são quase sempre um tiro ao lado.

O Ministério da Cultura não sabe o que está a fazer na área do Património?
O Governo não tem tido as pessoas mais apropriadas para essa gestão. Há a ideia de que na nossa sociedade qualquer pessoa, por ter um curso ou um doutoramento em certas áreas, consegue gerir qualquer coisa. Os museus, como outros organismos, têm questões específicas que quem decide tem de conhecer muito bem. Não é no dia em que se entra para um ministério que se vai conseguir à última hora ter uma estratégia milagrosa. As estratégias com sucesso levam tempo, não agradam a todos, claro, mas tem de haver um fio condutor forte para as boas soluções. Nunca vi aonde se queria chegar. A única questão que a senhora ministra colocou foi que queria um plano a dez anos no Património, mas o plano a dez anos já vai no segundo diretor-geral.

Que espera do diretor-geral nomeado na sexta-feira, João Carlos dos Santos?
Desejo-lhe os maiores sucessos, que tenha uma enorme paciência e capacidade de poder levar o barco, porque trabalhar com pessoas com falta de estratégia é muito mau.

Que efeitos tem tido a pandemia no setor do Património? A quebra de visitantes reduziu as verbas disponíveis…
Por um lado, isso. Os museus, palácio e monumentos vivem para os visitantes, essa é a maior falta, de pessoas a quem possamos transmitir conhecimento, e obviamente a consequente falta de verbas. A pandemia veio por a nu as fragilidades: os problemas infraestruturais e a falta de recursos humanos. Não é só a falta de pessoal, são os colaboradores que se reformam, outros que têm debilidades de saúde pela idade, os mediadores culturais, muitos dos quais em situações precárias a nível contratual. Por isso é que é importante destacar o papel dos mecenas, dos mais conhecidos aos menos conhecidos. São eles em muitos casos os pilares dos museus, quer das exposições quer das ações de conservação e restauro. Se as instituições habituais deixassem de ser mecenas, o que seria?

Museu da Farmácia situa-se junto ao Miradouro do Adamastor, em Lisboa

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Como historiador da área da saúde, pensa que a reação das autoridades à pandemia tem sido a mais adequada?
Estas pandemias geralmente duram dois anos. Tenho pena que muitos dos que têm tomado decisões não conheçam a História para perceberem como é que as pandemias foram geridas ao longo dos tempos. Agora fala-se do certificado digital como uma grande novidade, mas a partir do século XVII, por causa dos grandes surtos de peste na Europa, já havia passaportes de saúde. A história ajuda-nos a perspetivar o futuro. Não era preciso ir à Gripe Espanhola de 1918, bastaria ir à gripe de 1957-59 em todo o mundo.

Quer dar exemplo de um erro que se cometeu por não se conhecer a História?
As máscaras, que deveriam ter sido adotadas muito mais cedo. A primeira fase de proteção para qualquer doença respiratória inclui máscaras. Nos séculos passados havia máscaras? Dizia-se às pessoas para colocar panos na boca e no nariz. Outro exemplo: se hoje temos uma movimentação brutal de pessoas a cada hora, seria óbvia a necessidade de começar desde cedo a controlar o fluxo de pessoas.

O fecho de fronteiras deveria ter acontecido logo em março de 2020?
Não digo o fecho, mas um controlo apertado de quem entrava, para se saber de onde vinham as pessoas. Muitos erros deveram-se ao desconhecimento da História, isso sem dúvida.

A restrição de liberdades e direitos tem sido muito criticada, há quem fale em excessos e autoritarismo. Partilha destas críticas?
A preocupação deve ser a saúde das pessoas. Como é que se pode pedir aos jovens que tenham comportamentos responsáveis se muitos deles não veem televisão nem leem jornais? Viu alguma campanha apelativa pensada para os jovens que tivesse acontecido nas redes socais? Não me lembro de nenhuma.

A pandemia da Covid-19 está já hoje refletida no Museu da Farmácia, que dirige?
Temos vindo a colecionar objetos desde março do ano passado. As primeiras amostras do coronavírus que apareceram no Hospital de São João, os ventiladores feitos em Portugal, as primeiras máscaras, que nem eram as adequadas, as primeiras vacinas administradas. Temos já um conjunto de peças que mostram como aconteceu a pandemia em Portugal. É o viver com a história a acontecer a cada segundo.

 
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