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Diz Catarina Valença Gonçalves sobre o Mosteiro dos Jerónimos: "Podia haver visitas noturnas, com bilhetes ao dobro do preço normal, para gerir as filas e ter maior encaixe financeiro"
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Diz Catarina Valença Gonçalves sobre o Mosteiro dos Jerónimos: "Podia haver visitas noturnas, com bilhetes ao dobro do preço normal, para gerir as filas e ter maior encaixe financeiro"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Diz Catarina Valença Gonçalves sobre o Mosteiro dos Jerónimos: "Podia haver visitas noturnas, com bilhetes ao dobro do preço normal, para gerir as filas e ter maior encaixe financeiro"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Catarina Valença Gonçalves: “Não existe uma política a longo prazo para o património cultural”

Responsável pela Bienal Ibérica de Património diz que este é fator de riqueza, mas tem sido desaproveitado. Em entrevista, critica a Raspadinha do Património e defende visitas noturnas aos Jerónimos.

Se a relação dos portugueses com monumentos históricos é muitas vezes distante e enfadada, Catarina Valença Gonçalves, responsável pela Bienal Ibérica de Património Cultural, cuja sexta edição decorre até outubro em Leiria, procura desfazer preconceitos sem deixar de concordar com as críticas. “O que se diz é que os jovens não querem saber do património porque acham que é tudo uma seca”, explica ao Observador. “Ora, é uma seca, de facto. Eles é que são honestos. Os adultos acham o mesmo, mas não dizem, porque fica mal.”

Segundo Catarina Valença Gonçalves, os quase 40 mil monumentos espalhados pelo país podem funcionar como “fonte de desenvolvimento e emprego” se se aproximar os portugueses do património através de iniciativas com linguagem atual. Além disso, diz, cabe ao Ministério da Cultura e à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) definir políticas públicas estáveis e de longa duração e trabalhar mais com associações, empresas e organismos privados.

A Bienal Ibérica de Património Cultural surgiu em 2013 como Feira do Património e por estes dias volta a juntar especialistas de vários países, incluindo um programa de concertos, performances e seminários durante os meses de verão e uma feira de profissionais com debates em presença de 14 a 17 de outubro. É descrita como uma iniciativa de carácter único em Portugal, que desta vez se estende por 10 municípios da região de Leiria (além da componente online). Pela primeira vez irá atribuir os Prémios Património.pt a projetos que demonstrem inovação na forma de comunicar o património ao grande público — galardões a atribuir a 16 de outubro no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria.

Fundadora da Spira, empresa com sede no Baixo-Alentejo dedicada à “revitalização patrimonial” e responsável pela organização da bienal, Catarina Valença Gonçalves é directora do Programa Avançado em Gestão do Património Cultural na Católica Porto Business School e foi investigadora no Instituto de História da Arte da Nova e na Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. O extenso currículo inclui um doutoramento em história da arte contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa, uma pós-gradução em turismo pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne e um mestrado em arte, património e restauro pela Faculdade de Letras de Lisboa.

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Nesta entrevista, sublinhando opiniar a título individual, a historiadora comenta a exoneração na última sexta-feira de Bernardo Alabaça, diretor-geral do património por escassos 16 meses, critica a polémica Raspadinha do Património e avalia negativamente o programa Revive criado em 2016 pelo Governo para reabilitar monumentos através de concessões a privados.

Catarina Valença Gonçalves

A mensagem da Bienal Ibérica de Património tem chegado aos portugueses e às entidades oficiais?
Quando criámos a bienal, Portugal era o único país que não tinha um evento com estas características. O nosso setor do património cultural ainda está totalmente concentrado no Estado, o que tem vindo a atenuar-se, porque o Estado não pode chegar a tudo e tem obrigação de partilhar a gestão com outras entidades. Há um longo trabalho a fazer, em comparação com outros países europeus. Portugal é um país com uma democracia recente, de poucas décadas, isso também explica o quase monopólio estatal nesta área.

Menos Estado no património seria positivo?
A questão coloca-se nestes termos: temos cerca de 38.500 monumentos em Portugal; destes, 4.560 estão classificados, ou seja, gozam de uma proteção especial do ponto de vista do financiamento e dos recursos humanos. Esses 4.560 são, digamos assim, representativos da identidade nacional e queremos que cheguem às gerações futuras. No universo dos 38.500 sabe quantos é que estão abertos ao público, a funcionar e com bilhetes de acesso? Cerca de 200. Estes números, que as pessoas desconhecem, não por serem ignorantes mas porque não se fala desta realidade, mostram o desaproveitamento do património. E note-se que este é o recurso mais bem distribuído pelo território, do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Em todo o país, incluindo as ilhas, temos património cultural classificado e com capacidade de atração turística, logo, de desenvolvimento económico e social. É um recurso que já cá está e que tem sido desperdiçado. Falta abrir portas, criar animação e sistemas de visitas e disponibilizar informação sobre cada monumento.

"Do ponto de vista lógico, não há outra maneira senão percecionar a gestão do património cultural como uma cooperação entre entidades centrais e regionais, públicas e privadas. No interior, que é mais de 66% do país, o Estado central não chega e as entidades públicas regionais e locais têm pouca força."

E isso deve ser feito sem o Estado?
É evidente que o Estado, com os seus parcos recursos — porque somos um país pobre que aparentemente continua a empobrecer — não tem qualquer possibilidade de chegar a todo o património cultural, que resulta aliás em grande medida de um momento em que a nossa realidade era totalmente distinta, em que o país era líder mundial a par com Espanha, o que não voltará a repetir-se. Do ponto de vista lógico, não há outra maneira senão percecionar a gestão do património cultural como uma cooperação entre entidades centrais e regionais, públicas e privadas. No interior, que é mais de 66% do país, o Estado central não chega e as entidades públicas regionais e locais têm pouca força. Ou se associam às forças vivas ou não conseguem alterar as situações. Veja-se o que acontece com a Rota Vicentina, as Aldeias do Xisto, as Aldeias Históricas de Portugal. São casos de parcerias público-privadas que conseguiram de facto ativar o valor económico-social do património.

O programa Revive, que este Governo lançou em 2016, é também um bom exemplo de parcerias público-privadas na área do património?
Não, porque o Revive é uma ideia muito mais simples. De certa forma, simplista. Projetos como o das Aldeias do Xisto não têm como pressuposto a venda do património ou a sua concessão a 50 anos, para gerar desenvolvimento. Têm uma lógica mais profunda e sustentável, que é a de trabalhar com as diferentes pessoas que vivem no território, conseguir formas de recuperar e manter o património e disponibilizá-lo ao público alargado, local, nacional e internacional. O Revive assume que há um conjunto de património que não tem outra possibilidade de futuro que não a concessão e em 99% dos casos para fins hoteleiros.

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Mas haveria outra possibilidade?
Sim, mas dá mais trabalho, implica diálogo. Dou o exemplo da Fundação Santa Maria la Real, que começou há cerca de 40 anos num mosteiro em ruínas na pequena povoação de Aguilar de Campoo, em Castela e Leão. Foi criada por uma pessoa que nasceu lá, que se formou em arquitetura e que achava que não fazia sentido aquele mosteiro continuar assim. Hoje a fundação emprega mais de 200 pessoas, converteu parte do mosteiro em escola pública, uma parte para hotelaria e outra parte para a atividade central da fundação, que é ser um polo de desenvolvimento de toda aquela região. Fatura mais de quatro milhões de euros por ano, já recebeu vários prémios internacionais, incluindo o Prémio Europa Nostra, por duas vezes. É uma fonte de desenvolvimento e emprego naquele território.

Não temos exemplos semelhante em Portugal?
Temos a casa da Casa de Mateus, que é uma experiência privada e que não concessionou nem se transformou em hotel, tem apenas atividade cultural. A Rota do Românico, por exemplo, tem hoje um programa de educação patrimonial à escala dos 12 municípios envolventes, o que garante que todos os miúdos do primeiro ciclo recebem formação nesta área, o que garante que quando crescerem têm maior probabilidade de olhar com outros olhos para o património. Se pegamos num equipamento de grande porte, sobre o qual há memórias e vivências da comunidade, para o concessionar a um grupo hoteleiro, afastando ainda mais a população do território e sem haver qualquer obrigatoriedade, porque não há, de retorno para o território… Por exemplo: obrigação de criar um curso de formação profissional na área da reabilitação de património. O Revive consegue que determinado monumento não se degrade, mas do ponto de vista da sustentabilidade tem pouco efeito. Noutro países, como França, é clara a noção de que o património é nosso. Os 38 mil monumentos são de cada português, nós é que somos os proprietários. Percecionamos o património cultural como um bem sob tutela, mas deve ser percecionado como um bem coletivo. Depois há alguns de nós que na função pública gerem o património, mas estão ao nosso serviço.

Mosteiro da Batalha

Está a dizer que o Estado faz mal essa gestão por preguiça e conservadorismo. É isto?
Gosto de acautelar o seguinte. Trabalho nesta área há mais de 20 anos através da empresa Spira, e tenho uma relação com o Estado, com todos os Governos e todos os diretores [da Direção-Geral do Património] ao longo deste tempo. Não teríamos conseguido fazer a Bienal Ibérica de Património, nem outras atividades, se classificássemos com adjetivos negativos o trabalho do Estado. Não tem sido essa a nossa abordagem. Sendo privados, conseguimos trabalhar com entidade públicas através de uma abordagem construtiva, que não deixa de partir de um diagnóstico muito objetivo. O Estado tem feito o que pode, tendo em conta a natureza das suas equipas. Não sei se sabe, mas a primeira licenciatura em História da Arte, que é central para quem trabalha na área patrimonial, surgiu em Portugal em 1996. A primeira licenciatura em Conservação e Restauro é do limiar do ano 2000. A média de idades dos quadros da DGPC é superior a 55 anos. Por um lado, temos este panorama, por outro, o país precisou de resolver ao longo das últimas décadas problemas mais urgentes, as barracas, os esgotos, a educação, antes de pensar em património. O que a bienal quer mostrar é que há outras formas de ver e de fazer, e nisso tem sido fundamental trazermos exemplos de boas experiências internacionais. A DGPC está tão ocupada com a sobrevivência que dificilmente tem espaço para problematizar, questionar, investigar.

A que é que se deve essa falta de cultura patrimonial que refere? Porque é que os portugueses e os Governos não olham para os monumentos como um bem coletivo?
Tem que ver com a insipiência da nossa democracia, com falta de participação cívica e com um aspeto determinante pelo qual tenho lutado: um plano nacional de educação patrimonial, como noutros países europeus. Por isso também o tema da bienal deste ano é “Jovens e Património”. Temos hoje um Plano Nacional das Artes, que foi criado há dois anos e tem tido um papel extremamente importante. Dentro deste plano, ou à parte, deveria haver um plano de educação patrimonial, que garantisse que damos oportunidade aos nossos miúdos de conhecerem o património. O que se diz é que os jovens não querem saber do património porque acham que é tudo uma seca. Ora, é uma seca, de facto. Eles é que são honestos. Os adultos acham o mesmo, mas não dizem, porque fica mal. Temos de criar desde o início uma relação sensorial, e só depois intelectual, com o património.

Nesse aspeto o Estado é fundamental.
Aí precisamos de políticas públicas, mas para isso tem de haver uma pressão da sociedade, para que as coisas mudem. Penso que a Bienal Ibérica de Património tem tido um papel importante. Temos colocado o foco em temas diferentes todos os anos, temas que podem ser transformadores. O objetivo último do nosso trabalho é o de aproximar as pessoas do património. A Spira está sediada no terceiro concelho mais pequeno do país, Alvito, a 40 quilómetros de Évora e 40 de Beja. Foi o concelho a que a Covid-19 chegou mais tarde, o que diz bem do número de pessoas que cá vive. Temos feito desde há muitos anos visitas de sensibilização para a comunidade local, uma comunidade rural do país profundo. Toda a gente vai e toda a gente adora. Ficam a perceber exatamente de que século é o monumento e quais as dinâmicas históricas? Que importância tem isso? O importante é as pessoas estabelecerem relações afetivas de propriedade, no bom sentido, relativamente aos bens que são delas. É assim que se garante a sustentabilidade do património. Se tivermos os 10 milhões de portugueses a consumir património cultural, numa qualquer pandemia que surja não teremos o problema económico que temos neste momento nos nossos monumentos, porque dependemos quase exclusivamente do mercado externo.

Museu Grão Vasco, em Viseu

Rui Oliveira/Global Imagens

Estamos a viver um problema económico nos nossos monumentos por causa da pandemia?
Essa pergunta é para a DGPC. Mas, sim, estamos. A DGPC tem recursos do Orçamento do Estado e também vive da venda de bilhetes para os monumentos e museus. Ora, já levamos um ano e meio quase sem estrangeiros. A maior parte dos visitantes dos nossos monumentos, mais de 70%, é do estrangeiro. Já se pode imaginar o efeito. No fundo, podemos dizer que em grande medida o património tem tido a mesma lógica de financiamento dos hotéis. Tem um grave problema de dependência do turismo, logo, dos fluxos e do que sucede no mundo.

É um modelo económico errado?
É um modelo não-inteligente. Se for dona de uma loja e tiver em frente um prédio onde vivem potenciais consumidores, é esse o mercado de proximidade que tenho de conquistar em primeiro lugar. Claro que nem todas as pessoas do prédio gostam dos produtos da minha loja, mas no caso do património cultural à partida toda a gente deveria interessar-se, sabendo que é um bem que lhe pertence. As pessoas não têm essa perceção  porque o património lhes é apresentado de uma forma relativamente entediante, que não se atualizou. A forma como hoje apresentamos o património cultural é extremamente conservadora, dos mesmos para os mesmos.

A falta de interesse é responsabilidade de cada português? É responsabilidade de sucessivos Governos?
É uma responsabilidade coletiva. Temos tendência a fulanizar e a apontar o dedo, o que não nos leva a lado nenhum. Penso que é mais útil identificar o que não está a ser bem feito, independentemente das responsabilidades deste ou daquele. Parto do princípio de que a responsabilidade é coletiva. Os que têm mais formação, mais capacidade de ação, mais influência, maior responsabilidade têm. Agora, não posso julgar o que é ser diretora-geral do Património Cultural, quais as amarras do cargo. Nunca estive nessa situação e não estarei.

Não teria interesse em ocupar o cargo?
Não, não. Sou uma técnica do setor privado. Quem trabalha em associações, empresas ou projetos comunitários não tem de transitar para o Estado. Temos é de trabalhar todos mais em conjunto. Tem de haver mais entidades do setor privado no setor cultural. E para isso precisamos de políticas públicas com visão estratégica e abertas à cooperação, o que tem havido muito pouco.

"Não temos um plano estratégico para o património cultural à escala de uma década, por exemplo. Esse é outro documento que os congéneres europeus têm. Sem documentos estratégicos, sem pessoas com uma visão de longo-prazo e sem estruturas maleáveis, com capacidade de decisão, é difícil aproveitar o potencial económico e social de bens que são de todos."

Como é que viu o afastamento do diretor-geral do Património, Bernardo Alabaça, na última sexta-feira? A exoneração foi decidida pela ministra da Cultura pouco mais de um ano depois da nomeação.
Como cidadã e profissional do setor espero que esta exoneração não seja uma porta aberta para o desmembramento da DGPC. Era uma das medidas que estavam identificadas pelo Grupo de Projeto Museus no Futuro: voltar a dividir a DGPC em vários organismos. De facto, o engenheiro Alabaça mostrou-se contra isso. Mas, como digo, não faz sentido fulanizar, porque o que interessa são políticas transformadoras. Na Spira não vemos a gestão do património à escala de Governos ou diretores, vemos numa perspetiva longa, que é a única possível na atuação patrimonial. Este saltitar, o hoje é “a” e amanhã é “b”, o serem muito bons quando são escolhidos e depois serem péssimos e a responsabilidade ser toda deles quando são exonerados, é incompatível com a transformação necessária face ao património cultural. Enquanto a visão da gestão da estrutura for esta, e o enfoque estiver na estrutura, não vamos longe. Agora vamos ter um período sem capacidade de execução depois virá outra pessoa, que eventualmente também será contestada. Não se deve apresentar as pessoas como salvadoras de instituições e sim como executoras de uma política a longo prazo.

Diretor-geral do Património foi afastado do cargo pela ministra da Cultura por alegada inoperância

Essa política existe?
Não existe. Não temos um plano estratégico para o património cultural à escala de uma década, por exemplo. Esse é outro documento que os congéneres europeus têm. Sem documentos estratégicos, sem pessoas com uma visão de longo-prazo e sem estruturas maleáveis, com capacidade de decisão, é difícil aproveitar o potencial económico e social de bens que, reafirmo, são de todos. O diretor-geral do Património Cultural da Junta de Castela e Leão, aqui ao lado, em Espanha, esteve 15 anos no cargo. Com 15 anos, criou uma bienal ibérica connosco, criou planos estratégicos, um plano de educação patrimonial, conseguiu recuperar muito património com parceiros locais. Como é que isto foi possível? Porque mais do que ver o património como instrumento de propaganda, viram o património ao serviço da comunidade. Essa ideia de serviço público, na sua melhor expressão, não tem feito parte dos políticas públicas.

Que leitura faz do facto de termos tido três diretores-gerais do Património, dois deles interinos, em menos de dois anos?
Não é uma questão deste Governo em particular, mas é um exemplo claro da ausência de uma visão estratégica. A solução não está na estrutura, mas na visão estratégica. A estrutura acompanha essa visão. Não se começa pela estrutura e depois logo se vê o que fazer. A visão estratégica não tem que ver com dinheiro, passa por assumir que o património cultural é um ativo de desenvolvimento do país. Agora, a solução não é certamente a DGPC ou o Ministério da Cultura terem todos os recursos e capacidade. O que exigimos é uma visão estratégica. O que fazemos com a Bienal Ibérica é contribuir para isso.

Forte de Peniche

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Voltemos ao início: a bienal tem uma vertente de grande público e outra dirigida aos profissionais. Tem visto resultados concretos dos debates que organiza todos os anos?
Não sei se me fica bem dizer isso, mas acho que a bienal tem contribuído muitíssimo para a alteração do panorama. Diga-se que até agora todos os Governos — e a bienal faz 10 anos em 2023 — apoiaram e participaram. Poderiam ter tido uma atitude de distância, por ser uma iniciativa de uma entidade privada. Portanto, a ideia de colaboração tem existido. Ao mesmo tempo somos palco para encontros de profissionais, o que não existia antes de nós. Além de um espaço de exposição, onde há uma distribuição equitativa de expositores, 50% privados e 50% públicos, temos seminários técnicos com forte componente internacional. É um momento de partilha de experiência e de oportunidades de colaboração. Alguns projetos europeus surgiram depois de trocas durante a bienal. Temos um outro aspeto singular: somos uma bienal itinerante, ao contrário dos eventos congéneres. Começámos em Lisboa, depois fomos para Guimarães, Coimbra, Amarante, Loulé e agora Leiria, onde conseguimos agregar 10 municípios. Tem sido uma oportunidade de lançar o foco sobre as diversas regiões. Portanto, sim, temos contribuído para a ideia de que é nosso dever e direito cuidar do património.

Torre dos Clérigos, Porto

Rui Oliveira/Observador

Este ano vão ter a primeira edição dos Prémios Património.pt…
Gostava de destacar os jurados, que são três profissionais independentes com grande prestígio: Margarida Alçada, antiga diretora da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e criadora do Inventário do Património Arquitetónico português nos anos 90, Enrique Saiz, antigo diretor-geral do Património Cultural da Junta de Castela e Leão, e Justin Albert, um dos diretores da National Trust, uma organização centenária sem fins lucrativos que é a maior proprietária de património cultural no Reino Unido. Outro dia, convidei o Justin Albert a vir a Portugal visitar um palácio belíssimo, que tem apenas 50 mil visitantes ao ano. Fizemos uma visita com a diretora do palácio, onde existem aqueles cordões para separar as pessoas dos bens, com as janelas todas fechadas para as peças não se estragarem. Enfim, um ambiente pouco convidativo. Ele perguntou o porquê dos cordões. “Para as pessoas não poderem passar”, disse a diretora. “Mas porque é que as pessoas não podem passar”, perguntou ele. “Se as pessoas passarem, sentam-se”. E ele: “Lá nos nossos monumentos não há cordões e até convidamos a pessoas a sentarem-se. As coisas não se degradam mais, pelo contrário. Como temos mais visitantes, temos mais capacidade de manter o património.”. Claro que os cordões continuam lá. Se há coisa de que precisamos é de mente aberta. Porque é que não há visitas noturnas ao Mosteiro dos Jerónimos? Quando se passa pelos Jerónimos durante o dia, vemos uma fila gigante, as pessoas ao sol e à chuva… Podia haver visitas noturnas, com bilhetes ao dobro do preço normal, para gerir as filas e ter maior encaixe financeiro. Se as estruturas públicas não podem ter funcionários à noite, por imperativo legal, então façam uma parceria com uma entidade privada. Estas dinâmicas são fundamentais, para termos melhor património, maior rendimento, mais dinheiro disponível para o setor.

Temos agora uma nova fonte de financiamento, que é a Raspadinha do Património, ou Lotaria do Património Cultural, criada há poucas semanas pelo Governo como forma de angariar verbas para o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural. Qual é a sua opinião?
Um estudo feito no fim do ano passado — pela Spira, pela Nova SBE e pelo Observatório do Património e financiado em exclusivo pelo maior mecenas de Portugal, a Fundação Millennium BCP —, que aparentemente foi lido por quem de direito, continha um alerta: o jogo não pode ser visto como uma forma de financiamento do património, é uma usurpação do que são os direitos dos cidadãos em relação ao seu património cultural e o que é a missão e a responsabilidade do Estado.

Raspadinha do Património. Ajudar o Estado poderá ser um risco para a adição ao jogo?

A ministra da Cultura referiu várias vezes que se inspirou num modelo francês. Portanto, a Raspadinha do Património não é um caso isolado.
Sim, mas falta analisar melhor o caso francês ou inglês. O que eles fazem em França é identificar logo edifícios e monumentos que precisam de intervenção e o jogador sabe que está a contribuir para um bem específico, ou então o Estado recebe o dinheiro e depois define quais os bens a que se destina, mas em conjunto com a comunidade. Sempre em conjunto com a comunidade e nunca na lógica “joga aqui, não te damos informação sobre o destino do dinheiro nem ficas a relacionar-te melhor com o teu património”. Ainda por cima, quem costuma jogar na Raspadinha são pessoas que precisariam de mais informação para estabelecerem uma relação com o património. É sobretudo uma oportunidade perdida.

Curiosamente, a principal crítica à Raspadinha do Património não foi acerca do funcionamento, mas sobre o facto de se tratar de um jogo viciante.
Mas isso também é verdade. O público principal é uma fatia da população com menos capacidade de se defender da dimensão perniciosa do jogo. Agora, é sempre possível alterar, confio que isso possa acontecer. A Raspadinha é um veículo de aproximação das pessoas ao património, por isso é que existe em Itália, em França e em Inglaterra. Não pode é ser mal feito.

Artigo atualizado em 30 de junho com correção de dados factuais, nomeadamente relativos ao currículo de Catarina Valença Gonçalves.

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