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João Torres foi líder da JS, secretário de Estado e ocupa agora o cargo de secretário-geral adjunto do PS
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João Torres foi líder da JS, secretário de Estado e ocupa agora o cargo de secretário-geral adjunto do PS

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVA

João Torres foi líder da JS, secretário de Estado e ocupa agora o cargo de secretário-geral adjunto do PS

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVA

João Torres: "Este Governo não esperou nem esperava estados de graça"

Número dois do PS diz que PSD está num "labirinto ideológico" e dá como exemplo do diálogo do PS o que teve com dois deputados únicos. Partido não debateu Pedro Nuno por não haver nada para debater.

Entrou em funções como o mais novo secretário-geral adjunto do PS praticamente ao mesmo tempo que este Governo tomou posse – e, desde então, o Executivo (que chegou a integrar em 2018, como secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor) tem passado tempos turbulentos. Em entrevista ao Observador, João Torres nega que existam “problemas ao nível da coordenação política” ou que o PS esteja “anestesiado”, mas assume que não houve estado de graça – e garante que o Governo não “esperava” que houvesse: “Acho muito questionável que haja quem argumente que António Costa é um homem com sorte”.

Prefere concentrar-se nos problemas – ou no “labirinto ideológico” – que o “PPD-PSD” enfrenta, incluindo a “destruição” da regionalização. Mas, então, que interlocutores sobram ao PS? Para o socialista, a prova de que o PS está disponível para o diálogo é que neste Orçamento do Estado houve “dois deputados únicos” que se abstiveram – quanto à esquerda, ainda lhe falta fazer uma “reflexão muito atenta e apurada” sobre a posição que tomou no último OE. Com algum alívio por não estar agora ao lado de um PCP que tem uma posição sobre a Ucrânia que, para Torres, não se “compreende”.

Há quem lhe aponte capacidade para entrar nas contas de futuras sucessões no partido, mas garante, sem excluir a hipótese, que para já a conversa é “extemporânea”. Por agora, há outros desafios a enfrentar internamente no PS.

Como é que um Governo com tão poucos meses de existência já parece tão desgastado? O que é que está a falhar?
Não partilho da premissa de que o Governo esteja desgastado. É importante situar no tempo o que tem acontecido no nosso país desde há sensivelmente um ano: em outubro de 2021, não por vontade do PS, teve lugar uma crise política que não era desejada pelo PS e levou à convocação de eleições antecipadas, à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas. E essas eleições de janeiro foram muito claras e conferiram ao PS um mandato de grande confiança e responsabilidade. Depois houve o episódio da repetição das eleições no círculo eleitoral da Europa e, portanto, um compasso de espera adicional para a normalização da função governativa e para a própria posse do Governo. Depois teve de responder à necessidade imperativa de submeter à apreciação da Assembleia da República o Programa do Governo e do Orçamento do Estado. Estes cem dias foram marcados pelas obrigações de apresentação à Assembleia da República de documentos estruturantes, mas nem por isso deixaram de demonstrar a vontade reformista deste Governo.

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Mas também mostraram que há uma situação caótica nos serviços de urgência do país e uma querela política que foi tornada pública como muito poucas até hoje. Porque é que isto está a acontecer? Não houve estado de graça desta maioria absoluta?
Este Governo não só não perdeu a ambição reformista nestes primeiros cem dias, como simultaneamente continua a procurar responder a uma crise que foi amplamente agudizada com a invasão da Ucrânia pela federação russa. Um Governo que toma posse um mês depois da eclosão de uma guerra na Europa não é um Governo que espera estados de graça.

António Costa disse que a guerra na Ucrânia não iria servir de desculpa…
Sobre isso disse várias coisas, uma das que tem apontado também é a necessidade da conjuntura internacional não nos fazer perder a ambição reformista mas, se necessário, podermos ter de reajustar as agendas nos eixos fundamentais da governação. Este Governo não esperou nem esperava estados de graça e nestes primeiros cem dias é importante sublinhar que há algumas reformas que este Governo alavancou. Podem não ser as que a direita parlamentar defende para o país, mas são reformas que, para o PS, são muito importantes e vão ao encontro do compromisso que estabelecemos com os portugueses na campanha eleitoral.

"Não vejo que existam problemas ao nível da coordenação política"

Mas quando há um início de governação com mais turbulência a causa única é externa? Ou também há um problema no Governo de falta de coordenação política — coisa de que alguns socialistas se têm vindo a queixar?
Quem define a coordenação política, a linha estratégica e de organização do Governo é o primeiro-ministro. E tem-no feito bem, tem demonstrado que, nos bons e maus momentos, está presente e, naturalmente, não apenas tem de reagir como tem de ter uma agenda proativa. O Governo tem uma agenda proativa sedimentada nos quatro eixos fundamentais do seu programa. Quanto ao aeroporto…

Agora nem estava a falar sobre isso mas da questão da coordenação política e se sente que tem funcionado.
Objetivamente não vejo que existam problemas ao nível da coordenação política do Governo. Mas há pouco falou do aeroporto e essa questão parece-me estar definitivamente encerrada e ultrapassada. Gostaria até acrescentar que foi até um dos fundamentos de uma moção de censura apresentada na Assembleia da República e, embora entenda que tivesse como objetivo fundamental disputar a liderança da oposição à direita, arrumou esse assunto.

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVA

A credibilidade do ministro Pedro Nuno Santos também é um assunto que está resolvido? Não há nenhuma fragilização num assunto que acontece de forma tão pública? Não há aqui efeito nenhum?
O que é importante agora é focarmo-nos na questão de substância que nos encaminha para a possibilidade de, tanto quanto possível, haver um diálogo e uma concertação entre o Governo e o maior partido da oposição, para encontrar uma solução o mais abrangente possível para o aeroporto de Lisboa.

Mas também estava em causa a substância uma vez que o despacho tinha uma solução para o aeroporto e que o que ficou sem perceber é se o Governo tinha uma solução decidida que não quis revelar antes do tempo e que o ministro se precipitou. Toda a oposição diz agora que não reconhece autoridade ao ministro. Isso não é um problema?
Tenho a certeza absoluta que o primeiro-ministro confia em todos os membros do Governo que se encontram em funções e desse ponto de vista não deve ser percecionada nenhuma fragilidade adicional ao exercício e cumprimento do mandato de cada membro do Governo, seja secretário de Estado, seja ministro. Importante agora é criar as condições — que estão criadas — para poder existir essa reunião com o maior partido da oposição e tentar estabelecer-se uma linha de concertação, num investimento tão relevante para o país como este.

Caso Pedro Nuno: "O primeiro-ministro confia em todos os membros do Governo que se encontram em funções"

Quando o PS e o Governo dizem que estão à espera da opinião do PSD sobre o novo aeroporto não era importante que o PS dissesse também que localização prefere?
Este assunto tem um histórico por demais conhecido, quando este primeiro-ministro assumiu funções assumiu a decisão do Governo anterior e sobre essa matéria o que me parece importante é que é com serenidade que agora deverá existir esse mesmo diálogo. Não é novo que o PS tem defendido que, para um conjunto de investimentos estratégicos para o país, deve haver um diálogo alargado para fazer algo que é muito importante e que convém também sublinhar. Não podemos correr o risco de, em investimento estratégicos para o país, encontrar soluções que de quatro em quatro anos devem ser revogadas ou alteradas em função de quem circunstancialmente exerce responsabilidade governativas.

O ministro disse “já chega” ainda antes do despacho ser revogado. Aquela era uma boa solução?
O primeiro-ministro muitas vezes é adjetivado como sendo um homem com sorte, mas um primeiro-ministro que assume funções governativas, tem de enfrentar a resolução de um banco, os incêndios no ano de 2017, a pandemia em 2020 e agora uma guerra na Ucrânia… acho muito questionável que haja quem argumente que é um homem com sorte. É sim um homem muito resiliente, muito focado na resolução dos problemas e na assunção dos compromissos que estabelece com os portugueses. Não vou acrescentar, nem invocando a minha formação profissional como engenheiro civil, a minha opinião sobre essa matéria. Não acho que o deva fazer.

Mas não é importante haver uma solução, avançar o PS com uma proposta concreta?
Seguramente haverá pessoas muito mais qualificadas do que eu para dar uma opinião qualificada sobre a solução técnica. A título pessoal tenho acompanhado diferentes opiniões sobre o assunto, mas do lado do Governo e do PS serão sempre criadas condições de serenidade e de tranquilidade para que no momento oportuno exista a reunião ou o conjunto de diálogos entre o Governo e o maior partido da oposição sobre esta matéria.

“O PS não está nada anestesiado” e não debateu caso Pedro Nuno “porque não havia nada a debater”

A maioria absoluta adormeceu o PS, porque houve duas reuniões da bancada parlamentar onde nem sequer foi tocado o assunto Pedro Nuno Santos, na Comissão Nacional foi abordado exclusivamente pela ala mais crítica da atual liderança. Está anestesiado pela maioria?
Nada anestesiado. O PS está atento à evolução dos tempos e aos seus sinais e é uma enorme oportunidade o partido poder refletir sobre os desafios que enfrentam as organizações político-partidária, tendo por base um resultado tão expressivo como o que recebeu nas eleições legislativas. Essa maioria absoluta tem de ser uma oportunidade para o partido refletir sobre o seu modo e modelo de organização e de abertura à sociedade e é também uma grande oportunidade para, ao invés do que sugeriu, suscitar reflexão e debate interno. E nessas três reuniões, quando elas tiveram lugar o assunto estava ultrapassado e não me parece que haja nada a debater sobre o episódio em si.

Esta questão com Pedro Nuno Santos é um sinal de que será o “ex-futuro-sucessor” de Costa, como dizia André Ventura, ou Pedro Nuno continua a ser um nome importante a ter em conta na sucessão no PS?
É importante lembrar que ainda estamos a mais de quatro anos da realização de eleições legislativas. O PS ainda terá pelo menos dois congressos nacionais até às próximas, por isso não é com precipitação que o PS encara esse tema. Temos uma profunda confiança no secretário-geral do PS e o que é fundamental é trabalharmos para cumprir o conjunto de compromissos exigente que apresentámos aos portugueses nas legislativas.

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Mas falar se Pedro Nuno Santos continua a ser um nome importante para o futuro do PS e que não está fragilizado nessas contas não invalida que se tenha confiança em António Costa…
Felizmente há muitos nomes importantes para o futuro do PS e acho que é obrigação dos partidos políticos não afunilarem as possibilidades de futuro, na perspetiva de termos muito a aprender com o que aconteceu com outros — não vou ser deselegante e comentar individualmente o que aconteceu a alguns partidos políticos em Portugal — mas no PS contamos com todos para os desafios do futuro.

Acredita que António Costa fica até ao fim do mandato? Se sair a meio, o PS está preparado?
O primeiro-ministro foi muito claro ao responder a essa questão: está para ficar e concluir essa legislatura. O próprio teve a possibilidade de responder diretamente a essa questão na Assembleia da República e estamos focados nesse horizonte de mais de quatro anos que ainda faltam até ao final da presente legislatura.

Um dos problemas do arranque do mandato tem a ver com a inflação e a perda clara de poder de compra. O Governo deve tomar medidas mais robustas para resolver isto no próximo Orçamento do Estado?
Noto que a premissa das perguntas é que há um problema nestes primeiros cem dias… quanto à questão económica e à crise inflacionista, não é uma decorrência exclusiva da invasão da Ucrânia pela Rússia, e já na transição do primeiro para o segundo semestre de 2021 — e sei bem porque na altura desempenhava funções como secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor — houve várias sinalizações que podíamos estar a enfrentar a primeira etapa de um período de maior inflação quer em Portugal quer na Europa, sendo que era uma inflação importada. E o que a guerra veio trazer foi uma densificação dessa crise inflacionista. O Governo tem dito presente e não tem dito apenas nestes primeiros cem dias, em que já fez muito porque dinamizou uma prestação importante para um milhão de agregados familiares. Mas mesmo antes, já foi em 2020 que se alterou a taxa de IVA da eletricidade em função dos consumos. Ainda no ano passado foi dinamizado o autovaucher. A crise inflacionista deve-se a dois motivos, à Covid 19, mas também à guerra. As medidas tomadas noutros países têm impacto em Portugal.

Aumentos salariais mais próximos da inflação? “As políticas públicas podem ter geometrias muito diversas”

Já percebi que o PS tem aqui alguma necessidade de justificar que não tem responsabilidade no nível da inflação, mas a pergunta não era essa, mas sim se é necessária uma proposta robusta para os salários no OE ou se as que enumerou aqui são suficientes.
Tenho a certeza que o Governo está muito atento e faremos em relação à crise inflacionista o que fizemos em relação à Covid-19. Porque é fundamental — e penso que os portugueses reconhecem isso — que os portugueses sintam que as instituições estão atentas e protegem os portugueses nos momentos difíceis. Esse coletivo de segurança mesmo na dificuldade imperou durante o período pandémico e estamos muito focados em que continue a imperar agora com uma crise de natureza muito diferença.

Os protestos que têm existido na rua não prova que os trabalhadores não estão a sentir essa segurança?
Aquilo que dissemos durante a pandemia é que à medida que forem sendo conhecidos ou antecipados os impactos da crise inflacionista na vida das pessoas, serão dinamizadas novas medidas de apoio. Ainda há duas semanas foi reforçada aquela prestação de que falei para os mais vulneráveis. É evidente que, no momento próprio, o Governo terá a oportunidade de anunciar ou divulgar a sua perspetiva para o Orçamento do Estado para 2023 e que naturalmente não vai deixar de atender a uma crise inflacionista com os contornos que conhecemos.

E a questões salariais também? O primeiro-ministro veio defender o aumento do salário médio em 0% até 2026. Há o reconhecimento que os salários são baixos. Estão evidentemente mais pressionados ainda com esta crise. Ao mesmo tempo o Governo rejeita um aumento generalizado para não alimentar a inflação. Mas qual a solução afinal? Vai passar pela questão dos salários?
Felizmente temos em Portugal um partido que reconhece que é preciso fazer mais para aumentar os rendimentos das pessoas e esse partido é o PS. O horizonte para estes quatro anos da legislatura é que tenhamos um peso salarial em função da nossa riqueza, do PIB, que alinhe pela média da UE. Para isso, o Governo o que sugere é que seja feito um acordo de produtividade e rendimentos em sede de concertação social. E portanto é fundamental privilegiar o diálogo social. Esperamos que ele possa acontecer e que no tempo devido o Governo possa — como seguramente fará — anunciar quais são as medidas dessa natureza.

Mas parece-lhe que o próximo OE pode trazer aumentos da função pública mais ajustados ao nível da inflação?
As geometrias da políticas públicas podem ser muito diversas, o que é importante é que respondam aos anseios das pessoas. Desse ponto de vista, a crise inflacionista não será ignorada pelo Governo, mas insisto muito neste aspeto porque é a mensagem que permite reforçar um sentimento de unidade que pode ser decisivo. O Governo está atento, vai acompanhando e monitorizando o aumento dos preços, nos bens energéticos e alimentares, tem dinamizado medidas de apoio. E essas medidas continuarão enquanto forem necessárias.

Mas em relação aos aumentos salariais especificamente. Um ajustamento à inflação é uma coisa que o PS pode fazer no próximo OE?
As políticas públicas podem ter geometrias muito diversas e portanto não vou, nem tenho mandato para isso porque não integro o Governo. comprometer-me com propostas dessa natureza, agora concerteza que atendendo a que há alguns meses todos os indicadores e instituições estrangeiras internacionais diziam que a crise era temporária, estamos a perceber que pode ser transitórias mas porventura será mais duradoura que se imaginava, e o que é importante é que o Governo encontre respostas. Já o está a fazer e não tenho a mais pequena dúvida de que o fará no contexto de concertação social quer no OE para 2023.

"O PPD-PSD está num labirinto ideológico"

Como é que lê os primeiros sinais que estão a ser dados pela liderança de Luís Montenegro. Este PSD é mais perigoso para o PS do que o de Rui Rio? Alguma razão para preocupação?
Não vejo razões para especial preocupação. O PPD-PSD é um partido muito importante no sistema político e democrático. No entanto, não posso deixar de fazer este comentário: é um partido que se encontra num labirinto ideológico. E isso não é positivo.

Também vai começar a chamar-lhe PPD-PSD?
Acho que a designação formal nos boletins de voto é essa, mas peço desculpa se cometi alguma falha. O PPD-PSD — PSD, se quiser — não é um partido social-democrata.

Era aí que eu queria chegar. 
Mas não é. Não digo isto por querer sublinhar algo que tenha sido, de forma certamente correta, transmitido pelo secretário-geral do partido ou…

Tem sido uma denominação muito adotada no PS.
Eu liderei a Juventude Socialista. Quando recebia delegações internacionais, que nessa qualidade quer agora, é de enorme dificuldade ter de explicar que em Portugal há um partido social-democrata que não o é, nos seus valores, na sua identidade. Não há nenhum problema com isso, mas integra a família do Partido Popular Europeu. O PS não está a viver nenhuma angústia de identidade. O PPD-PSD está num labirinto ideológico e a expressão máxima é a forma como interage com um partido de extrema-direita, radical, e com o qual o PS coloca uma firme e intransponível linha vermelha, que é o Chega.

"Montenegro tenha falado em sete prioridades para o país e uma delas não era uma prioridade -- era a destruição de uma prioridade"

Mas o PSD não deu um sinal de moderação ao ter criticado duramente a moção de censura do Chega? Até chegou a dizer que o Governo merecia tanta censura como o Chega.
Não. Cada partido saberá como deverá relacionar-se com as demais forças políticas. Perguntou-me se tinha receios ou preocupações sobre a nova liderança do PPD-PSD: não tenho esse tipo de receios. O que não posso deixar de lamentar é que o PPD-PSD seja um partido pouco definido ideologicamente, no momento em que à direita existe uma crescente definição ideológica de formações partidárias alternativas. Como é caso do Chega, quer da Iniciativa Liberal, que são um dado político novo no país — é um problema que o PPD-PSD, na sua total liberdade, deverá resolver, mas não é bom para o sistema político essa indefinição. As opções políticas devem ser claras. A do PS é muito clara, essa é uma das razões pelas quais teve um resultado tão robusto nas eleições.

Mas o que queria perceber é como interpreta a nova liderança e se há alguma diferença, até na relação que vai ter com o PS, em relação à de Rui Rio.
O tempo dirá.

Já teve oportunidade de assistir ao congresso do PSD.
Estive lá, devo dizer que espero que a nova liderança do PPD-PSD coloque os interesses do país à frente dos político-partidários. E o PS fê-lo, incluindo em momentos muito difíceis que eu em particular não esqueço, no contexto da pandemia. Parece-me que objetivamente é cedo…

Mas há uma questão em que o PSD já fechou a porta. O referendo à regionalização em 2024 tornou-se uma impossibilidade, certo?
Pois. É aliás muito curioso que justamente no discurso de encerramento do congresso Montenegro tenha falado em sete prioridades para o país e uma delas não era uma prioridade — era a destruição de uma prioridade. O tema da regionalização é um tema sobre o qual o PS não introduz ansiedades na opinião pública. Tem de ser precedido do processo de descentralização que está em curso, e no qual devemos estar focados, e daqui a dois anos faremos a avaliação. Agora, o argumento para não se avançar com o referendo é que é mais discutível: dizer simplesmente que o mundo mudou e não há condições, não é razão bastante para colocarmos uma pedra em cima do assunto.

Referendo à regionalização: "Dizer que o mundo mudou e não há condições, não é razão bastante para colocarmos uma pedra em cima do assunto"

Mas também o processo de descentralização não está a ser propriamente um passeio no parque. O PS precipitou-se ao plasmar um referendo já no programa eleitoral para 2024?
É muito claro o espírito nos documentos do PS. Há um horizonte de concretização da reforma da descentralização e depois uma avaliação que depende evidentemente dessa reforma, que possa ter em vista a eventual consulta pública.

No programa não diz que é eventual.
Não vou entrar em neologismos, mas criar condições para isso, é essa a expressão. Mas insisto: o PS não vai criar ansiedades num tema tão importante. A regionalização é uma reforma. Essa postura do PPD-PSD apenas vem sublinhar que quem é reformista em Portugal é o PS. Não consideramos que as reformas sejam passeios no parque: são mesmo difíceis, exigem muito diálogo.

Mas esta concreta, se não for conseguida — falo do referendo em 2024 — é uma derrota?
Não considerarei derrota, mas não vou introduzir ansiedades. Precipitar uma discussão a dois anos da eventual avaliação sobre as suas condições, num mundo que — aí sim, estamos de acordo — está em mudança, e sendo necessário concluir com sucesso a descentralização… quem quis introduzir ruído, todos reconhecerão, não foi o PS, e fica com o seu emissor.

Teme que isso possa desagradar os autarcas socialistas? Ficarem desagradados com a liderança do partido por o referendo ficar na gaveta?
Para haver referendo terá de haver condições, que passam pela avaliação sobre a descentralização e condições políticas.

"O PS está disponível para o diálogo e já neste OE houve dois deputados únicos que se abstiveram"

Falámos de aeroporto e regionalização, dois temas em que PS e PSD não se conseguem entender há décadas. Não é um sinal de que os grandes partidos do regime não conseguem entender-se em assuntos fundamentais para o país?
Por isso é que o PS tem insistido na necessidade de materializarmos uma maioria de diálogo no país. Também é importante sinalizar o seguinte: maioria de diálogo, sim; governar com os programas dos outros, não. Há uma diferença. Uma maioria de diálogo significa que sem abdicar dos princípios fundamentais da proposta política do PS nas eleições há margens de aproximação. Sim, o PS está disponível para o diálogo e já neste OE houve dois deputados únicos que se abstiveram e estamos sempre interessados nos assuntos mais transversais dialogar…

Isso não é curto, falar com dois deputados únicos? O PS está sem interlocutores, sozinho na sua maioria absoluta?
O PS certamente não vai abdicar do seu programa.

Mas o problema aqui é não conseguir concretizar o próprio programa, no caso da regionalização, por não conseguir esse apoio.
Veremos. É um tema que exige serenidade e sentido de Estado e não devemos é utilizar falsos argumentos para condicionar a sua implementação. É preciso mais do que isso.

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVA

Mas é suficiente para que o referendo não avance, porque é preciso uma maioria qualificada para aprovar leis-quadro para implementar as regiões administrativas.
Quem decidiu fazer da regionalização um tema político foi a nova liderança do PPD-PSD, aliás em pelo menos aparente contradição com a liderança anterior, mas com toda a legitimidade. Estamos focados no processo de descentralização, é uma reforma — importante sublinhar isto, porque o PS é tantas vezes injustamente acusado de não fazer reformas e esta é talvez das mais ambiciosas que o país conheceu nas quase cinco décadas de democracia. O PS tem disponibilidade para dialogar e não me parece que esteja sem interlocutor. Uma fronteira ténue é que uma maioria de diálogo não significa, de forma nenhuma, que o Governo em matérias que porventura não enquadrou no âmbito de concertação, como no caso do aeroporto por exemplo, deixar de governar. É um governo que tem governado, e bem.

O PS tem dito que concorda com a necessidade de haver mais debates e mais escrutínio parlamentar. A proposta de debates mensais não é curta? Porque é que não consensualizaram isto com o PSD, se estavam à espera de Montenegro para decidir?
Há agora uma fase de discussão na especialidade, veremos o que acontece. Mas o ónus não deve residir no PS, porque com total legitimidade a inversão de posição foi do novo líder do PPD-PSD.

O PS começou a legislatura a concordar que era preciso mais escrutínio…
Não deve ser colocado o ónus sobre essa falta de entendimento, pelo menos nesta fase, veremos o futuro, no PS.

O diretor executivo do SNS, que há de ser nomeado pelo governo, também deve ser este objeto desta consensualização, já que deve atravessar legislaturas?
Com toda a sinceridade, não fiz ainda reflexão sobre esse tema. Penso que o país está a sentir e vai viver muitas reformas, quase todas elas relacionadas com estes primeiros cem dias de governo.

"As alterações climáticas são uma realidade e perante determinados fenómenos, ainda que tenhamos investido muito na prevenção, nos meios e de medidas estruturais, há momentos em que é especialmente difícil"

Já que está a falar de reformas. Este momento atual dos incêndios que continuam a consumir o país cinco anos depois de duas tragédias tão grandes em 2017, com o mesmo partido e primeiro-ministro no governo, António Costa continua a falar na existência de causas estruturais. O que é que falha para um governo que está há seis anos em funções continuar a queixar-se da mesma coisa? O que não fez para resolver?
Foi feita muita coisa. Nos últimos anos foram intervencionados 250 mil hectares em matéria de gestão de combustível. O reforço de meios foi evidente.

Mas o mesmo primeiro-ministro que fez essas reformas continua a falar em causas estruturais.
Mas elas existem. A forma como o país gere a quadrícula do território é muito complexa. Isto diz respeito às próprias propriedades. A forma como temos o território florestal dividido leva a que o esforço para o cadastro seja um desafio hercúleo, que não se consegue fazer num horizonte curto. Há ainda um desafio estrutural. Qual é o problema fundamental? Como existe uma divisão em muitos casos quase minifundiária, não são geradas condições de atratividade económica para gerir esse território economicamente. É de enorme sensatez reconhecer que ainda há problemas estruturais, e também que a esmagadora maioria dos incêndios decorrem por ação humana, negligência ou não. Aprendemos muito com 2017 — também é verdade que as alterações climáticas são uma realidade e perante determinados fenómenos, ainda que tenhamos investido muito na prevenção, nos meios e de medidas estruturais, há momentos em que é especialmente difícil.

Ultimamente o PS já não faz uma referência que seja aos antigos parceiros parlamentares. Este é um PS menos à esquerda do que na época da geringonça?
Não. O PS, penso que é uma expressão de Eduardo Ferro Rodrigues, é um partido de esquerda e centro. De esquerda, mas que procura em cada momento encontrar um espaço de proposta política que lhe permite reforçar as suas fileiras de apoio e suporte. Mas não temos problemas existenciais, de identidade…

É adepto do modelo e acha que se pode repetir no futuro?
Sou adepto de um modelo em que o PS em cada eleição tem um programa claro e ambiciona ter o maior número de votos possível.

Mas não tendo.
Não tendo, é uma experiência que conseguiu derrubar um muro e como tal, não digo no horizonte de curto prazo, mas não é uma experiência que não possa vir a ser repetida no futuro. Os partidos à esquerda do PS porventura não terão ainda feito uma reflexão muito atenta e apurada sobre a sua posição na negociação e votação do Orçamento para 2022.

"Os partidos à esquerda do PS porventura não terão ainda feito uma reflexão muito atenta e apurada sobre a sua posição na negociação e votação do Orçamento para 2022"

A atual posição do PCP sobre uma questão tão decisiva como a Ucrânia torna mais difícil que um acordo destes possa voltar a fazer-se?
Não estamos a falar sobre horizontes de curto prazo. Se há coisa em que os portugueses foram muito cristalinos nas eleições é que querem viver com estabilidade governativa nos próximos quatro anos, tranquilidade institucional…

Mas disse há pouco que no futuro um modelo destes não seria de excluir. A posição quanto à Ucrânia é ou não um fator nessa avaliação?
É muito precipitado… Em relação ao posicionamento do PCP, é uma posição muito diferente, radicalmente diferente, da do PS, que é de condenação da invasão da Ucrânia.

Mas seria mais complicado para o PS estar agora a governar com o apoio do PCP?
Objetivamente é um quadro que seria diferente… Mas respeitamos a posição do PCP. Temos é uma posição radicalmente diferente.

Mas nesse caso seriam parceiros.
Continuamos a respeitar a opinião do PCP. Penso que é uma posição que a generalidade dos portugueses não compreende e o PS nem subscreve nem compreende também.

O que quer que fique como marca do seu mandato como secretário-geral adjunto? Que prioridades?
Os partidos devem a todo o momento refletir sobre o seu modelo de organização e afirmação na sociedade e acho que o PS tem de aproveitar até o resultado de confiança que recebeu dos portugueses para pensar nessas dimensões organizativas. Tem de ser um agente ativo na construção dessa maioria de diálogo e de continuar a promover uma grande abertura à sociedade civil. Hoje, o PS tem como objetivo continuar a poder assumir-se como um grande partido interclassista, intergeracional, porque é também essa natureza transversal, naturalmente acoplada à presença nos territórios, para se continuar a assumir como o grande partido de referência do sistema. Hoje os partidos têm de se adaptar também a outro paradigma, na participação, e isso significa que aproveitemos a digitalização para tornar os partidos digital-first, não digital-only, mas capazes de responder às exigências e mobilidade das gerações mais novas, sem excluir a participação e militância dos de maior idade. Transversalmente, o PS tem de continuar a ter vida própria além das responsabilidades no governo.

O PS tem consciência de que está com problemas em chegar ao eleitorado mais jovem. Como é que isso se resolve?
Não considero que estejamos perante um problema, mas é algo que merece a nossa atenção. Estou muito convencido de que no âmbito da ação quer do governo quer do PS será possível enriquecer ainda mais as fileiras de apoiantes jovens. O PS tem um olhar muito atento à evolução do comportamento do eleitorado jovem, que é aliás merecedor de muitas medidas positivas na governação.

Onde se vê no futuro? Há quem diga que pode ser um nome a ter em conta para sucessões futuras.
É muito extemporâneo. Fundamental é trabalharmos no presente, a garantia de mostrarmos resultados nas nossas funções presentes é seguramente a garantia de sucessos futuros. Mas em relação a mim, quero deixar isto muito claro, é uma questão extemporânea.

E tem saudades do trabalho no executivo?
Gostei muito da experiência governativa. Vivi momentos muito difíceis, porque acompanhava talvez os setores mais atingidos pela pandemia: restauração, animação noturna, comércio, todos os setores críticos que tiveram de ser encerrados. Pude dar o melhor de mim e entreguei-me de corpo e alma. Mas devo dizer que estou muito realizado nestas funções e achei muito honroso o desafio que o secretário-geral me dirigiu, e que julgo ser também uma extraordinária oportunidade de crescimento político.

 
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