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Lean surge da mistura de xarope para tosse com refrigerantes

Newscast/Universal Images Group

Lean surge da mistura de xarope para tosse com refrigerantes

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“Lean”, a “prima da morfina” que saltou dos bastidores para o palco. Portugal no circuito de droga popular entre artistas nos EUA

Conhecida por lean, ou purple drank, a droga obtida através da mistura de xarope e refrigerantes está a ganhar consumidores. Apesar de estar sujeita a receita médica, "é fácil enganar o sistema".

A moda começou nos bastidores. Nos anos 60, os artistas de blues não levavam a palavra “codeína” para os palcos. Apenas os seus efeitos. Mas isso mudou nos anos 90, quando os fãs de hip hop começaram a mencionar os termos lean e purple drank no meio dos concertos. Não demorou muito até que começassem a acompanhar os artistas na descrição da “sensação de euforia e de o tempo a abrandar” que cantavam ao microfone. Depois, vieram as notícias sobre casos de adição. E de overdoses pelo consumo da substância. E de mortes por overdose.

O consumo de lean – a que também se pode chamar dirty sprite, syrup, sizzurp e chá de Texas – não vem de agora e não foi sempre constante ao longo dos anos. Começou por ser algo espontâneo, quando os músicos decidiram dissolver xarope para a tosse na sua cerveja ou vinho, e escalou para ser quase como uma bebida de entrada nas raves e festas de música trap, eventos em que os próprios temas incentivam ao consumo.

Lil Wayne e Future foram apenas alguns dos muitos rappers a expressar o seu vício por lean nas suas canções. Enquanto um se referiu à droga como a sua “amada”, outro confessou ser Codeine Crazy e acabou por abrir portas para que outros artistas se iniciassem no consumo. Alguns levaram o consumo ao ponto de não retorno.

Juice WRLD começou por procurar refúgio da depressão nas canções de Future. No ensino secundário, decidiu verificar se realmente “três ou quatro goles [de xarope] fariam com que se sentisse ‘cheio'”. “Quando ele me disse isso, fiquei do género: ‘Oh m****. O que fui fazer?'”, confessou Future à Rolling Stone, no início de 2019.

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Juice WRLD morreu aos 21 anos, vítima de overdose de codeína e oxicodona

WireImage

Essa entrevista, em que Future parece recordar o momento em que se deu conta do impacto dos seus temas junto de um público mais jovem — e com menos capacidade de filtro do reverso dessa incursão nos opióides —, foi publicada em janeiro de 2019. Vista em retrospetiva, é impossível não reparar no tom quase premonitório. Os “três ou quatro golos” de Juice WRLD acabaram por transformar-se num vício descontrolado e, em dezembro desse ano, o jovem rapper acabou por morrer por overdose de codeína e oxicodona.

O artista de 21 anos não foi, contudo, o único a sofrer com os efeitos adversos da droga que marcou a indústria musical. Da falta de memória ao aumento da procrastinação, foram vários os que foram influenciados pela “prima da morfina”.

A “prima da morfina” que é mais barata e acessível

O consumo da droga disponível em xaropes para a tosse surgiu através de uma combinação de fatores que a tornaram um dos opióides – substâncias derivadas do ópio, extraídas da papoila, usadas para tratar e controlar a dor – mais procurados do mercado. Primeiramente, porque desenvolve “uma ação terapêutica e psicoativa muito próxima à da morfina”, como explica Ricardo Dinis-Oliveira, diretor da unidade de investigação 1H-TOXRUN, ao Observador.

“Elas são primas. São substâncias muito semelhantes”, reforça. “O que significa que quem consome codeína vai ter um risco de dependência semelhante à morfina e também à heroína.”

As semelhanças, contudo, não ficam por aí. O efeito de euforia, de redução de ansiedade, de uma certa sonolência e de inclinação do corpo – daí o termo em inglês lean – também são comuns entre os dois opióides. Assim como os efeitos adversos.

"Os xaropes para a tosse não são todo iguais. Existem desde espectorantes, a mucolíticos e antitússicos. Só o último, que se destina a tosse seca, tem codeína na sua composição"
Félix Carvalho, presidente da Ordem dos Farmacêuticos

Além do risco de adição, o consumo de codeína comporta também um risco de fatalidade, devido a um efeito secundário “grave”. “Quem toma este tipo de medicamentos pode ficar com depressão respiratória, ou seja, incapaz de respirar autonomamente”, reforça o especialista.

O consumo excessivo de lean pode ainda provocar alucinações, convulsões, abrandamento do ritmo cardíaco e visão turva, consequências semelhantes a outros opióides. As maiores diferenças, contudo, estão na forma como os consumidores chegam até à droga.

Fingiram tosse seca e falsificaram receitas: como dois estrangeiros contornaram o sistema e compraram dezenas de embalagens

Portugal é um dos 16 países da União Europeia (UE) em que é exigida receita médica para a compra de medicamentos que contêm codeína, mas isso não tem impedido que continue a ser um dos locais escolhidos para o acesso a esta substância. E isso deve-se à suposta facilidade de contornar o sistema, como dois estrangeiros tentaram fazer na semana passada.

A 12 de janeiro, a Polícia de Segurança Pública (PSP) deteve dois homens, de 25 e 30 anos, por suspeitas de estarem a traficar codeína junto às bombas de combustível de Alcácer do Sal, na A2.

Os homens que, segundo a CNN Portugal, são de origem sueca e síria, tinham chegado a Portugal quatro dias antes, tendo, nesse intervalo de tempo, aviado várias embalagens do xarope para a tosse Toseína, em farmácias de Lisboa, Setúbal e Algarve. Para isso, só terão precisado de fingir estar com tosse.

Os xaropes para a tosse não são todo iguais. Existem desde espectorantes a mucolíticos e antitússicos. Só o último, que se destina a tosse seca, tem codeína na sua composição“, explica Félix Carvalho, presidente da Ordem dos Farmacêuticos, ao Observador.

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Só os xaropes destinados à tosse seca é que têm codeína na sua composição

San Francisco Chronicle via Gett

Desta forma, os dois cidadãos estrangeiros tiveram uma consulta com um médico no Algarve, que lhes passou uma receita médica única para Toseína. No entanto, estes arranjaram forma de conseguir aviar muito mais que uma única embalagem daquele fármaco.

“Não conheço o modus operandi, mas estimo que, como são cidadãos estrangeiros, não tendo, por sua vez, número de utente, a receita prescrita tenha sido manual”, admite Ricardo Dinis-Oliveira. “Isso faz com que o código da mesma nunca exibisse que o medicamento já tinha sido aviado.

Os suspeitos só precisavam de ir trocando de farmácia, até porque o protocolo de muitas é ficar com a prescrição em papel. E foi isso que fizeram, até serem detidos pela PSP, que lhes apreendeu uma receita falsificada em suporte digital e várias caixas de cartão, que usariam para expedir os xaropes. Não foram os únicos — nem os primeiros — a usar este método para traficar codeína.

Em maio do ano passado, a Divisão de Investigação Criminal da PSP de Lisboa deteve dois cidadãos franceses, de 25 anos, que tinham comprado, em apenas quatro dias, pelo menos 180 embalagens de Toseína – o equivalente a 44.250 mililitros.

Os suspeitos também recorreram aos dotes de representação para conseguir a receita, tendo fingido, numa teleconsulta, que tinham tosse seca, levando “uma médica a prescrever-lhes duas embalagens do referido medicamento”, explicitou o Ministério Público, após terem ficado sujeitos a prisão preventiva.

"É o uso indevido de um mercado legal, que pode passar despercebido por alguns prescritores e até algumas farmácias. A tosse é um sintoma banal e, num contexto de constipações e de gripe, é uma forma fácil de enganar o sistema"
Ricardo Dinis-Oliveira, diretor da unidade de investigação 1H-TOXRUN

“Tal receita, pelo facto de os arguidos serem estrangeiros e não possuírem número de utente português, não entrou, de imediato, no sistema informático das farmácias”, acrescentava o comunicado do Ministério Público, validando a explicação de Ricardo Dinis-Oliveira.

Desta forma, os dois cidadãos franceses “adulteraram a quantidade de xarope prescrito na receita, imprimiram-na um número indeterminado de vezes e apresentaram os exemplares em diversas farmácias”.

“É o uso indevido de um mercado legal, que pode passar despercebido por alguns prescritores e até algumas farmácias. A tosse é um sintoma banal e, num contexto de constipações e de gripe, é uma forma fácil de enganar o sistema”, critica Ricardo Dinis-Oliveira.

O objetivo seria também exportar os medicamentos e vendê-los no mercado negro, onde o xarope deixava de custar quatro euros, como em Portugal, e passaria a “80 a 90 euros”, como refere Ricardo Dinis-Oliveira. “Acho que o que poderá estar a influenciar a nova procura por esta droga poderá ser o preço”, especula o presidente da Ordem dos Farmacêuticos.

“Só precisam de levantar nas farmácias e depois vendem lá fora e nas discotecas por um preço exorbitante”, concorda o diretor da unidade de investigação 1H-TOXRUN, acrescentando que o consumo da droga também é incentivado por “modas”.

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Lean é maioritariamente consumida em contexto de festas de hip hop e de rap

Getty Images for Spotify

De acordo com dados do Relatório Europeu sobre Drogas 2023, elaborado pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, 0,33% da população da UE – cerca de um milhão de pessoas – consumiu opióides em 2021.

Já no que diz respeito à procura de tratamento de desintoxicação de drogas, a de opióides representou 25% da total, tendo havido 71 mil pessoas dependentes a pedir ajuda.

Quando à codeína especificamente, apenas aparece num dos tópicos referidos no relatório, o que diz respeito às convulsões. Em 2021, a codeína provocou 429 convulsões em 11 países da UE, comparativamente com as 11 mil existentes no mesmo ano.

Desta forma, o consumo de codeína ainda não representa um problema central na Europa, mas é uma realidade em crescimento. Mesmo em Portugal, ainda que, até 2022, a PJ tenha passado sete anos sem fazer qualquer tipo de apreensões ou detenções relacionadas com esta substância.

Como já referido, a prática de beber lean apareceu associada à música, nomeadamente aos géneros trap e hip hop. E é nesse tipo de festas que o consumo continua a ser mais frequente, apesar de o método ser ligeiramente diferente. Em vez de misturarem a droga com cerveja ou vinho, os consumidores recorrem agora aos refrigerantes com corantes — explicação para um dos nomes de batismo desta droga, purple drank.

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