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Este retrato digamos que antropológico tem pertinência acentuada para quem queira perceber como toda uma rede de sociabilidades foi sendo pulverizada pela reconfiguração dos espaços urbanos, pela mudança dos tempos e modos de ócio e pela quebra ou dissolução dum associativismo popular bairrista ou de inspiração regionalista
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Este retrato digamos que antropológico tem pertinência acentuada para quem queira perceber como toda uma rede de sociabilidades foi sendo pulverizada pela reconfiguração dos espaços urbanos, pela mudança dos tempos e modos de ócio e pela quebra ou dissolução dum associativismo popular bairrista ou de inspiração regionalista

Este retrato digamos que antropológico tem pertinência acentuada para quem queira perceber como toda uma rede de sociabilidades foi sendo pulverizada pela reconfiguração dos espaços urbanos, pela mudança dos tempos e modos de ócio e pela quebra ou dissolução dum associativismo popular bairrista ou de inspiração regionalista

"Lisboa Frágil": a cidade que Luís Pavão fotografou entre 1970 e o início do século XXI

É um "olhar aparentemente objetivo porém carregado de afetividades" que uma nova exposição oferece sobre uma cidade em perpétua criação e renovação. Para ver no Palácio Pimenta até 31 de março.

Quatro anos depois da grande exposição sobre Lisboa, Cidade Triste e Alegre (ed. 1959), de Victor Palla e Costa Martins, e dois anos depois de ali se ter apresentado Lisboa Cliché de Daniel Blaukufs, um retrato pessoal da cidade nos anos 90, o pavilhão negro do Palácio Pimenta exibe Lisboa Frágil de Luís Pavão, evidente revisitação dos seus mais antigos arquivos fotográficos, em 1981 e 1983 vertidos em forma de livro nos conhecidos As Tabernas de Lisboa, com um texto do historiador e jornalista Mário Pereira, e Fotografias de Lisboa à Noite, que traz um tributo de Manuel Hermínio Monteiro (1952-2001), poeta e ele próprio então o principal editor da Assírio & Alvim, que publicou ambos.

No ano em que se assinala meio século da Revolução dos Cravos, este retrato digamos que antropológico da capital tem pertinência acentuada, para quem queira perceber como, desde então, toda uma rede de sociabilidades foi sendo pulverizada pela reconfiguração dos espaços urbanos, pela mudança dos tempos e modos de ócio e pela quebra ou dissolução dum associativismo popular bairrista ou de inspiração regionalista protagonizado por migrantes que de outras partes do país para aqui vieram em busca de uma vida melhor.

Esta forma coloquial de revisitar um arquivo autoral de muitos milhares de imagens proporciona olhares renovados — em primeiríssimo lugar, o do próprio, 40 anos depois, o que não é pouco

O fotógrafo que é também destacado conservador de fotografia antiga e um arquivista, com trabalhos dignos de nota sobre espólios fotográficos como os da rainha D. Amélia, de Carlos Relvas, do Porto de Lisboa ou da Empresa Pública de Águas de Lisboa, parte dos quais exibidos e divulgados em catálogos contextualizadores, revisitou os seus próprios negativos, mas preferiu fazê-lo através de uma invulgar — e certamente estimulante — conversa a três: primeiro, com a curadora convidada desta exposição, a sevilhana Laura Covarsí (1979-), também ela fotógrafa, conservadora e restauradora; e, depois, com o editor do livro homónimo, Nuno Faria (Lisboa, 1971-), diretor artístico do Centro Internacional das Artes José de Guimarães em 2013-19 e do Museu da Cidade do Porto em 2019-22, que a editora Documenta lançará dentro de poucas semanas.

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Esta forma coloquial de revisitar um arquivo autoral de muitos milhares de imagens proporciona olhares renovados — em primeiríssimo lugar, o do próprio, 40 anos depois, o que não é pouco — e uma destilação partilhada e também por vezes bastante divergente (por exemplo, a fotografia da capa do livro não consta da exposição), que salta à vista de quem conheça bem os álbuns Tabernas de Lisboa e Lisboa à Noite, que embora se encontrem há muito esgotados reverberam ainda, como assinalou o muito recente Livros de Fotografia em Portugal: da Revolução ao Presente, que dedica algumas páginas ao primeiro.

Mesmo no urbano já tão alterado, geometricizado em betão, aço e vidro, Luís Pavão não deixou nunca de perscrutar o humano nos seus ócios, gregarismo e espírito festivo, e sempre sem um pingo de nostalgia pelo mundo velho, que vinha de longe e tinha de acabar.

Nesse sentido, pode até dizer-se que também a cada visitante desta Lisboa Frágil é lançado o desafio de ajuizar o que, dessas primeiras representações, ficou de fora na escolha das 145 imagens desta exposição e das 302 do livro que de alguma forma lhe corresponde — lembro o varredor da estação do Rossio com “velha folha de palmeira” (Lisboa à Noite, fot. 79), os almeidas que lavavam as ruas à mangueirada (fot. 65), a janela do carro elétrico com gotas de chuva (fot. 63), as varinas caboverdianas que dançam ou riem no comboio de volta a casa (fot. 144) —, da mesma maneira que se confrontará com o ineditismo de fotografias de séries temáticas consolidadas (que soberba síntese da madrugada, a do padeiro de tronco nu que, depois do trabalho feito, lê o jornal da manhã, acabado de imprimir; Lisboa Frágil, fot. 97).

Não menos admiráveis são a do neto do taberneiro, de pé sobre o balcão, ou aquela do corvo pousado na mesa de mármore com peças de dominó) mas, sobretudo, com toda a secção inédita dedicada ao Jogo da Laranjinha, inquirição desenvolvida por Luís Pavão para uma publicação nunca concretizada mas portefólio que acrescenta toda uma expressiva singularidade a esse pequeno mundo de entretenimento popular urbano que já desapareceu.

Luís Pavão descobriu a "beleza diferente" da noite e da cidade que, na escuridão, se "transforma numa aldeia onde sabe bem passear"

Se o inventário das tabernas obedeceu a trabalho aplicado, com fichas e registos meticulosos (estão também expostos), e persistente aproximação a um meio protegido e de cumplicidades muito específicas, a campanha noturna pela cidade por Luís Pavão jovem fotógrafo de 20 e poucos anos foi talvez sugerida pela obra do parisiense Brassaï (Gyula Halász, 1899-1984), um clássico dos clássicos, mas seguramente também, como o próprio escreveu no livro de 83, pela sua descoberta pessoal da “beleza diferente” da noite e da cidade que, na escuridão, se “transforma numa aldeia onde sabe bem passear” ao acaso da sorte (a bela fotografia de duas mulheres junto a uma montra comercial iluminada na Rua Maria Pia; Lisboa Frágil, fot. 76).

Pavão descobriria depois o encanto da presença da árvore em Lisboa, de que resultaria em 2021 a exposição-livro Pela Fresca da Sombra. Das Árvores de Lisboa, outro mapeamento urbano de fôlego, originalidade e evidente interesse público que é pena ter sido excluído desta exposição quase-retrospetiva e do novo livro, tanto quanto as suas investidas de três anos sobre feiras de rua — Luz, Galinheiras, Relógio… — que acabariam por ilustrar o capítulo de Guilherme Pereira sobre o tema incluído num livro publicado pela Área Metropolitana de Lisboa em 2004.

A última secção de Lisboa Frágil — talvez melhor dito, Frágil Lisboa, como bem sugere Nuno Faria — resume drasticamente o inventário da viragem do milénio e do pós-Expo’98 que resultou em Lisboa em Vésperas do Terceiro Milénio (Assírio & Alvim, 2002, 305 pp.), mas os constrangimentos criados da economia geral da exposição foram sabiamente resolvidos com a consulta deste álbum, acessível num plinto.

Vemos os primórdios da afirmação social de comunidades várias, tudo isto livre de moralismos, e mais ainda, sem a pretensão de um qualquer panfleto político

Luís Pavão

Esta é já — para todos os efeitos — uma cidade nova, exuberante de infra-estruturas maciças e construções modernas de todo o tipo e finalidade, que também veio pôr fim à rusticidade de velhos arrabaldes em que, até meados dos anos 1980, rebanhos de ovelhas cruzaram Alvalade e Lumiar (Lisboa Frágil, pp. 151-55), Chelas era terra de agricultura de baixa subsistência, num cenário de habitação social em construção, e o Casal Ventoso dos operários pobres e do negócio da droga acabaria por ser arrasado em forte declive (Lisboa em Vésperas…, p. 73). Mesmo aí, nesse urbano já tão alterado, geometricizado em betão, aço e vidro, Luís Pavão não deixou nunca de perscrutar o humano nos seus ócios, gregarismo e espírito festivo, e sempre sem um pingo de nostalgia pelo mundo velho, que vinha de longe e tinha de acabar.

É esse “olhar aparentemente objetivo porém carregado de afetividades” — como sublinha João Vieira Caldas no prefácio (p. 21) — sobre uma cidade em perpétua criação e renovação, que esta Lisboa Frágil nos devolve em cartaz, entremeando práticas coletivas em fim de linha e — antecipando, vale a pena fazer notar — os primórdios da afirmação social de comunidades várias, tudo isto livre de moralismos, e mais ainda, sem a pretensão de um qualquer panfleto político.

De 2 de fevereiro a 31 de março, no Pavilhão Preto do Museu de Lisboa — Palácio Pimenta. Visitas orientadas: 4 de fevereiro, às 11h; e 9 de março, às 15h. Preço: 3€.

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