A partir de amanhã o Governo de António Costa está em gestão. O Presidente da República publicou o decreto de demissão do Governo e — apesar do primeiro-ministro estar em funções até à posse do seu sucessor — nos termos da Constituição “o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”. O Parlamento vai, no entanto, continuar em plenas funções até 15 de janeiro, dia em que vai ser dissolvido por Marcelo Rebelo de Sousa, de forma a permitir a marcação de eleições a 10 de março.

“Na sequência e por efeito do pedido de demissão do Primeiro-Ministro, o Presidente da República decretou hoje [quinta-feira], nos termos da Constituição, a demissão do Governo, com efeitos a partir de amanhã, 8 de dezembro. Após a sua demissão e até à posse do seu sucessor, o Governo assegurará, nos termos constitucionais, a prática dos ‘atos estritamente necessários para assegurar os negócios públicos'”, lê-se no comunicado publicado no site da Presidência da República.

António Costa tinha apresentado a demissão há precisamente um mês, na sequência de buscas à residência oficial do primeiro-ministro e por ter sabido que estava a ser investigado. Na altura, o PS queria indicar outro chefe de Governo e levar a maioria até 2026, mas o Presidente decidiu ir para eleições antecipadas. No entanto, adiou o momento da demissão do Governo para permitir que o Orçamento do Estado e alguns dossiers que o Governo ainda tinha de decidir (houve decisões tomadas no Conselho de Ministros desta quinta-feira).

O que pode ou não fazer um Governo de gestão

O Governo de gestão deve cingir-se apenas a atos administrativos relacionados com a gestão corrente, uma espécie de mínimos olímpicos para que o Estado continue a funcionar. O ponto 5 do artigo 186º da Constituição diz que “antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos.”

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A Constituição não especifica, no entanto, quais são esses “atos estritamente necessários” o que permite várias interpretações jurídicas. O constitucionalista Jorge Miranda, explicava em 2015 ao Observador que o texto foi deixado “propositadamente” indefinido de forma a que o conceito fosse flexível e pudesse ser adequado . A ideia era não limitar, pela lei, um Governo se a situação exigisse uma decisão fundamental para o País.

Há também jurisprudência do Tribunal Constitucional nesse sentido. O acórdão 65/02, de 2002, permitia uma interpretação mais expansiva da lei, lembrando que “já por mais de uma vez o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido de que da definição constitucional do âmbito dos poderes de um Governo demitido não resulta nenhuma limitação em função da natureza dos atos admissíveis, frisando que o critério decisivo para o efeito é antes o da estrita necessidade da sua prática“. Ou seja: a autorização não depende do tipo do ato, mas da necessidade para o país que esse ato terá.

A prática também mostra que os Governos não têm deixado de tomar decisões importantes ou mesmo estruturais. O Governo de Passos Coelho, dois dias após ser chumbado na Assembleia da República, assinou o despacho de privatização da TAP (num timing que o PS criticou). Esse mesmo Governo, em 16 dias em gestão acabou com as taxas moderadoras nos Serviços de Atendimento Permanente, uma nova rede de urgência e emergência ou o fim da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades destinada a professores.

Ainda no Conselho de Ministros desta quinta-feira, o último antes de ser demitido, o Governo aprovou medidas preventivas para que permitam facilmente acomodar a Alta Velocidade e para mitigar os constrangimentos operacionais do Aeroporto de Lisboa. A escolha de um novo aeroporto e a linha de Alta Velocidade são matérias que podem ter avanços neste período de gestão, mas com a concordância dos dois maiores partidos.

Costa ainda vai ao Parlamento (falar de Europa)

O Parlamento continua em plenas funções até 15 de janeiro, pelo que continuará a reunir normalmente e em plenário até essa data. Aliás, já esta segunda-feira, o primeiro-ministro estará presente no debate de preparação do Conselho Europeu, que já terá novos moldes: vai ser em género pergunta-resposta, como os debates quinzenais. Já esses, com o primeiro-ministro, já não se vão realizar mais até às eleições.

Os partidos estão também a utilizar os agendamentos potestativos a que ainda têm direito antes da dissolução. A deputada única do PAN forçará no dia 13 um debate sobre “Proteção Animal”, a 14 é a vez do PSD impor um debate sobre “Situação dos Serviços Públicos”. Já no dia 15 a IL terá um agendamento potestativo requerido pelo GP da IL, sobre o sistema eleitoral, em particular a criação de um Círculo Nacional de Compensação.

Na semana seguinte, ainda antes do Natal, o deputado único do Livre, Rui Tavares, agendou um debate potestativo sobre com o tema “Solução de dois Estados e o reconhecimento da independência da Palestina”. Nos dois dias seguintes PCP e Chega também vão ter agendamentos potestativos com temas ainda por definir.

Na última conferência de líderes, Augusto Santos Silva, definiu já que os “agendamentos futuros” serão “feitos para 3, 4, 5, 10, 11 e 12 de janeiro de 2024, antes da data da dissolução prevista para 15 de janeiro.” Para o início do ano, a 4 de janeiro, haverá uma interpelação ao Governo para a sessão plenária sobre tema a indicar. Santos Silva disse ainda ser necessário agendar uma nova “sessão plenária, de um debate, com a participação do Governo, sobre as prioridades da presidência belga do Conselho da União Europeia, solicitando à Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares que considerasse a disponibilidade do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus para uma das referidas datas de janeiro ainda em aberto.”

A partir de 15 de janeiro, o Parlamento estará a meio-gás, funcionando apenas com a Comissão Permanente. A partir daí a Assembleia da República fica também limitada nas suas ações, havendo dúvidas — já suscitadas por constitucionalistas — de que aquele órgão de soberania pudesse, por exemplo, dar seguimento a um processo ao Presidente da República. Para que o Presidente — que se vê envolvido no caso das gémeas — seja alvo de um processo é necessário que o mesmo seja proposto por um quinto dos deputados e aprovado por uma maioria de dois terços de deputados em efetividade de funções.