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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"Marcelo funciona muito bem porque atua como Rei. Tem sido a inveja de muitas repúblicas"

Da habitual mensagem de 1.º de Dezembro ao casamento da filha, da atual crise à polémica condecoração de um oligarca russo. Uma entrevista a D. Duarte, duque de Bragança.

Nem de propósito, celebrava-se o 1.º de Dezembro. Nesse dia, há cerca de cinco anos, surpreendeu um assaltante a intrometer-se no seu bolso enquanto comprava o bilhete para o Metro, no centro de Lisboa. “Quando viu quem eu era devolveu-me a carteira”, recorda D. Duarte, duque de Bragança, que aos 78 anos continua a preferir o elétrico para circular entre a casa no Chiado, onde decorre esta entrevista, e a Sé, sem receio de frequentar um 28 apinhado de turistas e truques. “Os carteiristas já me conhecem e não me roubam”, confessa no rescaldo da conversa, já a troca de impressões nos guia pelo seu gosto cinéfilo, dos títulos moçambicanos ao muito elogiado “A Gaiola Dourada”.

Em mais uma mensagem ao país, quando se assinala a Restauração da Independência, propõe a reintrodução do serviço militar obrigatório, a aposta na Defesa, acredita que “é preferível ter um governo de que não gostamos do que não ter governo”, e agradece o carinho popular em torno do casamento da filha, a infanta Maria Francisca, celebrado no passado mês de outubro, em Mafra. “A transmissão do casamento foi um serviço público prestado a Portugal. Penso que foi o programa mais visto daquela semana”.

Ao cair do pano lamenta apenas que uma questão tenha ficado de fora do alinhamento: “Pensava que ia perguntar a minha opinião sobre a Miss Portugal”.

Estive a reler os seus anteriores discursos, desde 1980, e há uma palavra sempre presente: crise. Neste, curiosamente, não a menciona mas considera que vivemos o “pior momento desde a II Guerra”. Porque sente isso?
Porque estamos em guerra na Europa, e realmente tivemos imensas guerras fora da Europa, mas na Europa não houve. Os territórios portugueses tiveram várias guerras que foram francamente difíceis, a partir de 1961. Há tempos achei graça porque um amigo meu, camarada da Força Aérea, apresentou-me aos filhos e disse: “D. Duarte andou comigo na guerra”, e os filhos perguntaram “ó pai, mas em qualquer guerra?”. Ficaram um bocado chocados, como é que eu podia ter andado na II Guerra Mundial…

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[um dos cães da família entra pela sala onde nos encontramos interrompendo a entrevista]

Entretanto fomos surpreendidos aqui… Podemos assumir este convidado inesperado, que não é um corgi. Aproveite e faça-nos a apresentação.
Chama-se Bijagó e é o único cão estrangeiro que temos em casa. Os outros são de raça portuguesa, pastores transmontanos.

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O Dom Duarte bem nos dizia antes de começarmos a entrevista que esta casa do Chiado atualmente parece um Airbnb, dado o entra e sai constante de amigos dos seus filhos.
Verdade. [risos]

E imprevistos como este fazem parte. Voltando à nossa conversa, falava da guerra. Vivemos num contexto de guerras, mas também de crise, quando olha para o estado do país, que comentário lhe merece?
Para já, temos uma crise política quando um governo se demite; não é certamente um momento normal. Espero que os portugueses possam aproveitar esta ocasião para discutir e aprender verdadeiramente o que todos queremos, o que é que cada grupo de portugueses gostaria de ter como mudança. Acho que é uma falsa democracia quando a população não tem ocasião de se exprimir sobre as suas preocupações. E, infelizmente, em Portugal criou-se muito a ideia de que a política é para os políticos e de tantos em tantos anos vem-nos perguntar se preferimos o partido A ou o partido B, em vez de discutirmos os assuntos.

Quando fala em oportunidade de a população se exprimir, concretize um pouco. Para além do voto, que tipo de participação espera mais dos portugueses?
Em primeiro lugar, deveria haver muito mais participação nos partidos políticos, em que realmente devíamos ser encorajados a participar. Depois, os referendos, que em países muito democráticos são muito frequentes. Não me lembro de nenhum referendo em Portugal a não ser sobre as questões do aborto.

Um tema que menciona numa das intervenções interiores, manifestando os seus receios. 
É dos poucos referendos que tenho muitas dúvidas de ser legítimo ter acontecido, porque é como se houvesse um referendo ao direito à pena de morte, que são assuntos de natureza moral e filosófica tão profunda que é um pouco difícil saber se é correto submetê-las assim um referendo.

Já nos anos 90 quando escreve sobre a questão do aborto menciona também a eutanásia, imaginando que possa vir a ser um discussão seguinte. Não faz sentido para si que esses assuntos sejam discutidos hoje?
A eutanásia é o assunto mais próximo da decisão das pessoas, porque estamos a discutir o futuro das nossas vidas, quando estivermos velhos, incapacitados ou com problemas graves, enfim, os médicos ou família podem discutir a nossa morte antecipada. Começa por ser uma questão de decisão do próprio, só que rapidamente se isto for aprovado vai acabar por ser uma decisão tomada por outros. Embora a atual proposta de lei da eutanásia vá no sentido de ser a própria pessoa a decidir, sabemos como isso é. Daqui a uns tempos serão os netos ou os médicos a decidir. O aborto é uma decisão tomada sobre a vida de outra pessoa, por outro. Está-se a discutir a vida do filho, que está no meu corpo, se for a mãe.

Portanto, se reinasse suponho que faria o possível para reverter uma lei como esta?
Aliás, os três chefes de Estado que são meus primos, como o rei da Bélgica, o grão duque do Luxemburgo e o príncipe do Liechtenstein, todos tomaram posições muito firmes sobre a lei do aborto livre. Quem tem uma noção do direito à vida não devia poder ser a favor.

Mas mencionou países onde, por exemplo, é possível a eutanásia.
Agora não tenho a certeza quais.

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Na Bélgica, por exemplo.
É verdade que há países muito democráticos que aceitam a eutanásia, mas normalmente nesses casos é mais como legalizar o suicídio. Realmente o suicídio não vejo bem como é que do ponto de vista democrático se pode proibir.

Aí não há forma de proibir – ou, melhor dizendo, de impedir… 
Exatamente. Agora, a eutanásia acaba por ser uma morte decidida por outros. Na Alemanha conheço umas enfermeiras portuguesas que me contaram que quando sabem que os médicos decidiram que é preciso eutanasiar um doente porque há falta de espaço num hospital e é irrecuperável, elas avisam a família e a família toma uma decisão, ou deixam ficar ou tiram do hospital.

"O país ter Forças Armadas é um pouco como ter um seguro. Ninguém gosta de pagar o seguro, mas quando precisamos ficamos muito felizes de o ter. E realmente se ficamos à espera que sejam os outros a vir defender-nos no momento de crise, então é muito perigoso, porque a prioridade deles vai ser sempre o próprio país."

Neste seu discurso há uma outra proposta, não menos fraturante: reintroduzir o serviço militar obrigatório em Portugal, à luz do contexto internacional. Como é que acha que o país acolheria esta ideia?
Quem fez a pressão para acabar com o serviço militar foram as juventudes partidárias. Claro, compreendo, para um estudante é uma maçada ter que interromper o estudo. No entanto, o que noto como grande falha da falta de serviço militar. Por um lado, esse tempo era uma ocasião de convivência e intercâmbio entre pessoas que normalmente não se encontram em pé de igualdade. Essa convivência era muito boa para a unidade nacional. Depois há outro aspeto particularmente grave. Se os jovens ucranianos não estivessem preparados militarmente, não tinham capacidade para se defender, e hoje a grande maioria dos jovens portugueses não têm a mínima noção de como se pega numa arma. Podem colaborar com as forças armadas na defesa da sua pátria, do seu país. Creio que essa parte é muito importante.

Mensagem 1.º de Dezembro 2023

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Portugueses:

Desde o final da II Guerra Mundial que não vivíamos um período tão preocupante como o que vivemos actualmente. Todos os dias recebemos imagens de destruição e sofrimento dos povos envolvidos em guerras. O desrespeito pela vida humana atinge níveis que há muito não víamos.

A guerra na Ucrânia e a guerra na faixa de Gaza vão deixar uma marca de que não nos livraremos tão cedo.

Os nossos irmãos Moçambicanos sofrem as consequências do terrorismo que tem provocado milhares de mortos e centenas de milhares de refugiados. As Forças Armadas Portuguesas têm oferecido o seu apoio, mas apenas o apoio humanitário tem sido aceite.

A eficácia do envolvimento das Forças Armadas Portuguesas em alguns conflitos tem sido muito bem vista internacionalmente, apesar das limitações orçamentais.

Esta situação deve-nos levar a olhar para a situação da Defesa Portuguesa.

Os sinais são demasiadamente conhecidos por todos: equipamento militar com deficiências graves, navios sem condições, aviões com falta de peças, e outras situações deste género, que dificultam a nossa participação no esforço global de defesa que nos é solicitado. Já para não falar de uma muito grave perda de efectivos militares.

Acredito que seja este o momento de rever a opção do “serviço militar obrigatório”!  É tempo de os governos voltarem a dar dignidade aos militares, tão maltratados pelo poder político, mas que são o garante da nossa segurança e soberania.

O serviço militar obrigatório é também uma oportunidade única para promover o convívio e camaradagem entre os jovens de origens sociais e culturais diferentes, reforçando a unidade nacional.

Alguns países dão a possibilidade aos jovens de substituir o serviço militar por serviço cívico mais prolongado, para quem que, por motivos filosóficos ou outros, esteja impedido de participar em actividades militares.

Por outro lado, não posso deixar de referir a preocupante situação económica.

Parece consensual que a carga fiscal que temos actualmente tem de ser reduzida. Tanto para as empresas como para as pessoas. O Estado costuma ser um mau gestor, e muito do dinheiro que nós lhe entregamos é mal administrado, ou mesmo desperdiçado.

 

 

 

 

Isto é claramente visível com os aumentos dos preços que sofremos, sem haver um aumento semelhante dos salários. Como consequência deste erro persistente, estamos a perder para a Europa e para o Mundo os nossos jovens, tendo por outro lado uma entrada massiva e descontrolada de estrangeiros, com a consequente exploração de mão de obra barata, sem que haja da parte do Estado uma visível política de integração.

Esta falta de atenção por parte do governo e os receios de ordem económicos fortemente presentes em Portugal criam inimizades entre as diversas comunidades que aqui vivem e podem levar ao aparecimento de grupos radicais violentos.

Portugal tem potencial. Se nós olharmos nas áreas do desporto, na diplomacia, nas artes, na economia e nas ciências, vemos que os Portugueses estão desproporcionalmente representados internacionalmente em posições de elite e de chefia.

Portugal é um país de vencedores. Não nos podemos esquecer disto. Não basta ser vencedores lá fora, precisamos de ser vencedores aqui.

Em tempos de receio, onde o futuro parece tão incerto, é preciso ser exemplo a seguir. É preciso viver com convicção, coragem e determinação em todas as situações da vida.

Temos que aproveitar as próximas eleições a 10 de Março, e não perder esta oportunidade para exigir à “classe politica” uma estratégia séria e eficiente para Portugal.

Não podemos ser indiferentes ao futuro do nosso país e não praticar a nossa responsabilidade de votar. Quem não vota não tem direito de criticar; quem não vota entrega a sua responsabilidade a outrem. Não abdiquem da vossa responsabilidade!

Os portugueses sabem fazer bem! Este ano, fomos responsáveis pela organização das Jornadas Mundiais da Juventude, cujo sucesso se deveu a uma excelente organização e complementaridade entre a Igreja, o Governo, as Autarquias e a sociedade civil, especialmente a mais jovem. Os nossos filhos Afonso e Dinis tiveram a oportunidade de participar. O Dinis conduziu um grupo internacional de peregrinos e o Afonso participou como voluntário na organização.

Queria aqui expressar a minha gratidão ao Senhor Cardeal Emérito Dom Manuel Clemente, ao Senhor Cardeal D. Américo Aguiar, ao Senhor Presidente da República, ao Governo e às Câmaras Municipais, com destaque para a de Lisboa, por terem proporcionado aos portugueses e a Portugal aqueles inesquecíveis momentos de Paz e Comunhão que vivemos no passado mês de Agosto.

É um legado que não devemos esquecer. O reconhecimento do Santo Padre pela excelência da organização portuguesa enche-nos de orgulho e prova que quando queremos, somos capazes.

 

 

 

 

 

 

Por fim, a minha Mulher e Eu, gostaríamos de manifestar um sentido agradecimento a todos os portugueses pela forma como acolheram e acarinharam o casamento da nossa  filha Maria Francisca no magnifico Palácio Real de Mafra, no passado dia 7 de Outubro.

Foi com emoção que toda a família sentiu o apoio de tantos portugueses para aquela que foi uma celebração de felicidade e esperança.

Queria ainda expressar o nosso agradecimento à Câmara Municipal de Mafra e a todos os voluntários que permitiram que esta cerimónia tenha sido um sucesso. A todos, a minha família espera sempre poder corresponder com serviço e dedicação ao nosso País.

Viva Portugal!

D. Duarte teve essa formação. Que memórias tem dessa altura?
Estive cinco anos, mas foi por uma questão diferente. Concorri à Força Aérea, fui aceite como piloto, e durante quatro anos e qualquer coisa pude prestar um serviço ao país como piloto. Gostei muito, foi uma grande alegria e aventura. Fiquei amigo de uma quantidade de gente da minha idade com quem ainda mantenho relações, pessoas de meios completamente diferentes, que não iria conhecer se não fosse na tropa.

Os seus filhos seguiram um pouco os passos, pelo menos o mais velho, Afonso.
O Afonso já não podia fazer serviço militar, já não tinha idade, mas esteve durante um ano nas Forças Armadas e gostou muito também, particularmente da marinha. Fez a viagem ao Brasil na Sagres, um veleiro magnífico, onde os jovens faziam de tudo, desde limpar as casas de banho até à cozinha. Puxar as velas. Havia coisas mais perigosas que só os profissionais podiam fazer.

Imagina os seus filhos no pior dos cenários, num contexto bélico, a dizerem sim à chamada?
Sim, certamente. A preparação que o Afonso teve é suficiente pelo menos para ajudar a marinha. Se os navios estiverem em condições…

Tem dúvidas que estejam em condições? Também fala muito da defesa na sua intervenção de 1 dezembro, do investimento ou neste caso desinvestimento no setor.
O país ter Forças Armadas é um pouco como ter um seguro. Ninguém gosta de pagar o seguro, mas quando precisamos ficamos muito felizes de o ter. E realmente se ficamos à espera que sejam os outros a vir defender-nos no momento de crise, então é muito perigoso, porque a prioridade deles vai ser sempre o próprio país. Só os nacionais se empenham na defesa do seu país. É muito difícil estar a pedir a jovens e adultos que corram risco de vida para ajudar outro país.

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Continua a defender que a figura do rei é a garantia de estabilidade e unidade máxima. Mas olhamos para o país vizinho, e não é preciso afastar-nos muito mais, ou pensarmos em guerra, vemos a Espanha com uma situação política no mínimo instável. Que leitura faz? 
É um assunto delicado. Espanha são várias nações que se foram unindo por circunstâncias políticas várias mas que têm no mínimo quatro línguas, até etnicamente são diferentes, no entanto a monarquia consegue manter a Espanha unida, felizmente, até agora, mas é uma exceção. Há um outro país europeu que tem um problema destes, mas que é uma república, que funciona muito bem, que é a Suíça. Mantém o sistema político medieval, os cantões são considerados praticamente nações, têm as suas línguas, culturas diferentes, e aceitam-se pacificamente há séculos. No resto da Europa, em geral as monarquias funcionam melhor, têm vidas políticas corretas e honestas, muito democráticas, enquanto que nas repúblicas há de tudo. Algumas não são assim tão sérias, outras têm instabilidade política. As monarquias europeias são um bom exemplo do contributo para a honestidade e representatividade. Fora da Europa, também podemos comprar Marrocos com Argélia.

Mas bastante diferentes das europeias.
Sim, até o Japão.

Também diferente.
É, podemos comparar com China ou maioria dos países asiáticos. O Japão é altamente democrático enquanto outros não são.

Mas temos casos, e apesar dessa especificidade de Espanha, como refere, em que a virtude e a honestidade nem sempre estão presentes. Recordo do caso com o rei emérito, Juan Carlos, que o obrigou a auto exilar-se na Arábia Saudita, de um caso recente com Carlos III, em que estaria a lucrar com mortos, para não falar de algumas situações de foro mais social envolvendo a Dinamarca, ou o escândalo do próprio príncipe André. Como vê estes casos, que também agitam as fundações da monarquia?
Em geral, praticamente todos esses casos têm  a ver com a vida privada.

Um caso de evasão fiscal não tanto, por exemplo, ou de suborno, abuso de poder, etc.
A evasão fiscal nunca percebi muito bem e os espanhóis com quem falo concordam. Admito que o rei [emérito] foi imprudente, mas por ter conseguido um negócio muito bom para Espanha, que passou a ter controlo sobre os caminhos de ferro sauditas, foi um serviço prestado ao país. Foi o rei que conseguiu cativar, conseguiu ganhar esse concurso. Depois o rei saudita decide dar-lhe um presente para uma fundação suíça, não vejo muito bem que seja uma coisa particularmente grave. Ainda por cima o dinheiro não foi para Espanha, foi para uma fundação suíça.

Portanto, estaria ao nível no seu entender de um processo de facilitação como alguns dos nossos intervenientes políticos terão protagonizado recentemente. Não o choca?
Se for em benefício do país. Agora se for em prejuízo do país, realmente é grave.

"O inconveniente para os bons presidentes é que quando realmente já estão dentro do cargo, já conhecem bem o seu trabalho, têm limitação de mandatos. Acho que não faz sentido esta limitação para um Presidente da República ou da câmara. [...] Enquanto o povo quer, devia poder continuar"

Onde estava quando o  primeiro-ministro se demitiu, recorda-se? 
Estava num casamento de uns primos, na Alemanha.

O que pensou na altura?
É um problema. Precisamos de estabilidade na nossa vida política. Mesmo quem está contra o governo em geral, não gosta de sentir esta estabilidade. É preferível ter um governo de que não gostamos do que não ter governo. A não ser que o governo fosse muito mau.

Aqui há uns anos dizia que os belgas passaram muito bem enquanto estiveram sem governo.
É, isso é verdade.

Os portugueses é que não podem, ou não conseguem, estar sem governo?
Sim, sobretudo porque não temos o rei. É muito difícil ter um  governo de nomeação presidencial. Aliás, normalmente os presidentes funcionam muito bem quando atuam à imagem de um rei. Isso acontece com o nosso Presidente atualmente. Mas também sobretudo com o general Ramalho Eanes, que definiu o seu trabalho como presidente tendo atuado como um rei.

Marcelo Rebelo de Sousa tem feito isso também?
Acho que sim, segue esse princípio. A vantagem de um militar, como nunca teve uma vida partidária, é que é mais fácil de ser aceite a posição real, do que um político português, por mais competente e independente que seja.

Que avaliação faz do atual presidente? 
Acho que tem sido um trabalho muito bem feito, muito dedicado à sua missão, muito preocupado em cumprir a constituição. Aliás, acho que o trabalho do nosso presidente tem sido a inveja de muitas outras repúblicas.

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Portanto, neste particular da chefia do Estado estamos bem e não precisamos de mudar nada?
Bom, é mais difícil para um político atuar como Chefe de Estado independente do que se fosse uma pessoa sem passado político como são os reis. O inconveniente para os bons presidentes é que quando realmente já estão dentro do cargo, já conhecem bem o seu trabalho, têm limitação de mandatos. Acho que não faz sentido esta limitação para um Presidente da República ou da câmara.

Devia ser bastante mais?
Enquanto o povo quer, devia poder continuar.

Se o povo quisesse Marcelo Rebelo de Sousa por 50 anos…
…ou Mário Soares. De certeza que nunca mais teria perdido eleições. Quando um regime obriga a que os detentores do cargo público saiam do seu cargo depois de um certo número de anos, está a dizer que aquele senhor é um potencial ditador ou um potencial elemento que pode ser corrompido. A única coisa que devia funcionar como limite, quando muito, devia ser a idade ou a saúde, se houvesse análises médicas.

A própria idade é relativa, temos casos como Joe Biden, nos EUA.
É, mas de facto os limites deviam ser sobretudo de saúde.

Percebemos que está contente com a presidência. Faz sentido pensarmos num referendo para restabelecer a monarquia?
Creio que uma das falhas no nosso sistema democrático é dizer que a população portuguesa não pode escolher o tipo de chefia de Estado que quer ter. Se podemos escolher coisas que são complicadas como o tipo de democracia que queremos ter, também deveríamos poder escolher se queremos uma democracia com um rei ou um político na sua chefia de estado. É antidemocrático não poder escolher isso.

Além de o ler, ouvi-o, e vi-o, neste caso no YouTube, onde a sua mensagem anterior alusiva à Restauração reúne não mais de 4800 visualizações. Para quem sente que está a falar? Sente-se escutado? Não é um número incipiente?
Noto como as pessoas no meio da rua, pessoas que não me conhecem, quando viajamos em família, de comboio, ou quando vamos a Fátima, vêm falar comigo, vêm discutir política. Olhe, agora com o casamento da Francisca uma enorme quantidade de pessoas vieram cumprimentar, dizer que gostaram muito, ou dizer alguma coisa um pouco menos de acordo. Mas realmente imensa gente tem dado as suas opiniões com grande familiaridade. De resto, pelo que sei foi o programa mais visto nas televisões naquela semana.

Fala do casamento.
É, isso quer dizer que de algum modo as pessoas sentiram-se ligadas afetivamente ao acontecimento e à família.

Encerra o seu discurso deste ano precisamente a agradecer às pessoas pelo carinho em torno do casamento da sua filha. Para já, teve ali dois protagonistas inesperados, os óculos escuros e o panamá com que chegou. De onde surgiu esta ideia?
O meu médico diz que como não temos muito cabelo não devemos apanhar muito sol na cabeça, pode dar uma insolação. Tinha que usar chapéu e o mais bonito que tenho é um panamá autêntico que comprei no Equador e que é feito pelos índios. Chama-se panamá porque eram vendidos através do Panamá pelos equatorianos, de onde seguiam os navios para a Europa.

A família apoiou a decisão?
Eu não perguntei, foi uma decisão alternativa. Quer dizer, não havia grande alternativa porque os bonés não são assim [tão apropriados] e o chapéu alto como se usa na Europa em geral dá um ar assim um bocado… achei que também não era muito elegante.

Um panamá que decidiram que fosse leiloado esta quinta-feira no jantar dos Conjurados, um evento liderado pela sua filha Francisca.
É, a Francisca perguntou-me [se o podia fazer] e eu achei bem. É para uma obra social que apoia. E por outro lado acho que é muito útil os homens portugueses… e as mulheres também, mas é menos importante porque têm mais cabelo.

Fala dos casamentos ou em geral? Os portugueses deviam usar todos chapéu?
Sim, no caso dos homens em geral. Por uma questão de saúde, no caso das senhoras porque fica elegante.

Falava de ser abordado em Fátima e de lhe referirem também o que correu menos bem no casamento. Como por exemplo?
Bom, foi o atraso, que foi por causa do presidente da Roménia que estava de visita a Portugal, atrasou-se tudo.

Um casamento real atrasado pela República.
[risos] Exatamente. O nosso Presidente perguntou se havia inconveniente em atrasarmos e nós dissemos que não. Tínhamos muita pena se ele não viesse.

E que lhe destacam os populares de bom do casamento?
O convívio entre a família e os convidados. A igreja tinha bastante menos lugares que os Jerónimos e por isso quando se mudou tivemos que cortar bastantes pessoas da nossa lista. Foi pena. Por outro lado, também muita gente achou simpática a ideia de a Francisca e do marido virem cá fora e estarem com a população, algo que a Isabel e eu fizemos no nosso casamento, nos Jerónimos.

Estava mais nervoso no seu casamento ou neste?
Neste já tinha experiência [risos]. No nosso estava mais preocupado que corresse tudo bem e felizmente correu tudo bem.

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Sentiu que este casamento foi um bom exercício de relações públicas a favor da causa monárquia? Que retorno houve em termos de apoiantes?
Isso não sei, mas acho que a transmissão do casamento foi um serviço público prestado a Portugal. Não fosse o trabalho dos jornalistas só os amigos e pessoas de Mafra teriam podido beneficiar. Neste caso, creio que houve uma onda de otimismo que é bom quando há um clima de pessimismo, e faz bem à saúde.

Foi também uma espécie de debute mediático da infanta Maria Francisca.
Ela realmente é um bocado tímida e não gosta nada de ser exposta mas eu acho que ela realmente sentiu que estava a prestar um serviço público e que valia a pena perder na intimidade mas aproveitar a ocasião.

Deu-lhe algum conselho especial enquanto pai?
Sim, certamente, mas são conselhos especiais.

Que mantém para si.
Não foi como no caso do meu casamento em que de facto recebi imensos conselhos especiais de amigos e etc.

Que ajudaram ou atrapalharam?
As duas coisas [risos]

Falava dessa habitual abordagem na rua. Também lhe escrevem, sobretudo atendendo ao seu trabalho na Fundação D. Manuel II?
É, mas aí realmente há um problema que se põe. Há muitas pessoas que diretamente não iriam dizer certas coisas mas depois por email, enfim, acham que podem dizer o que querem, até porque nem se sabe se os nomes são autênticos.

Fala de registos de contestação, crítica, menos simpáticos?
Alguns também são, sim, e outros de pessoas com alguns desequilíbrios mentais. E que vão dando conselhos e opiniões que não fazem sentido. Por um lado quero responder a todos porque acho mal educado não responder, mas antigamente escrever uma carta dava trabalho.

Hoje é mais fácil insultar?
Lembro-me de uma história engraçada. A dada altura queixei-me aos amigos timorenses que as pessoas demoravam muito tempo a não responder ou não me respondiam, e a explicação que foi dada pelo nosso bispo, D. Carlos Ximenes Belo, é que para escrever ao rei de Portugal não era uma coisa que se faça com ligeireza, as pessoas reuniam-se em grupo, discutiam, e a coisa demorava até decidirem como ficava a carta.

Deduzo perante o que conta que apesar de ter sido legitimado pelo estado português em 2006, continua a ser questionada essa legitimação?
Algumas vezes é por opiniões que tenho dito. Não concordam. Acho muito bem. Praticamente opiniões desagradáveis, insultos não tenho recebido, mas creio que em geral os portugueses são muito bem educados e não se pode faltar à boa convivência. Acho bem que escrevam quando discordem.

"A primeira experiência [em Portugal, em Gaia, por volta dos sete anos e] não foi muito boa porque ia sendo comido pelos mosquitos. A minha mãe teve que desfazer-se do véu da noiva para fazer mosquiteiros para nos salvar."

Perde tempo a ler o que escrevem sobre si na internet?
Normalmente não, mas quando me escreve diretamente tento responder. Quando escrevem meio anónimo é perda de tempo.

D. Duarte tem uma relação com Portugal que começa lá fora, nasce na Suíça, apesar de na embaixada portuguesa, vem para cá com seis anos, vive em Angola, passa por Timor. Qual o momento mais marcante para si nestas entradas e saídas?
Foi à volta dos sete anos. A primeira experiência [em Portugal] não foi muito boa porque ia sendo comido pelos mosquitos.

Isso ainda na Lousã, onde começam a viver?
Não, em Gaia. A minha mãe teve que desfazer-se do véu da noiva para fazer mosquiteiros para nós.

Com essa idade tem noção do papel que o esperava?
A partir daí foi muito interessante. Lembro-me de imensas coisas engraçadas. Uma vez estava a fazer um passeio de bicicleta na floresta, à volta de Coimbrões, a ideia era ir até à praia. Tive um furo no pneu, vi um acampamento cigano, fui lá e pedi ajuda para mudar o pneu, e mudaram-no. Convidei os miúdos para os meus anos, que eram dali a uns dias. Foi muito interessante para eles e para os outros convidados.

Só para enquadrar, quando vem para Portugal, nos anos 50, os seus pais instalam-se na zona de Gaia.
É, ficámos numa casa emprestada pela família Borges. Depois mais tarde é que a fundação Casa de Bragança organizou o restauro do antigo convento em São Marcos, perto de Coimbra, contra a opinião do meu pai, que achou que aquilo sairia muito caro e que a casa era grande e seria difícil de aquecer, mas enfim, acabou por aceitar. Nessa altura tínhamos outro inconveniente. Como a fundação não estava debaixo da nossa responsabilidade aconteceu o que aconteceu: em 75 o governo disse que tínhamos de sair e a fundação pediu-nos para devolvermos a casa porque achou que perante a nova situação política não era bom para a fundação que a família continuasse ali. O meu pai foi praticamente posto na rua e foi viver com a minha tia para o Algarve. A minha mãe também não gostava muito da casa em São Marcos por causa do frio no inverno. Acabavam por preferir o conforto do Algarve. Muita gente ainda pensa que a Fundação Casa de Bragança é gerida por mim mas não é, foi criada por Salazar.

Para gerir o morgado da Casa de Bragança.
Exatamente.

Outro aspeto que se discute regularmente é de que é que vivem os duques de Bragança, apesar de já ter falado sobre isso publicamente.
Bom, por um lado temos casas alugadas, inclusive esta. Foi a rainha D. Amélia que me deixou ficar em testamento estas casas aqui no Chiado. É o rendimento que temos. Agora não tanto, mas em outras alturas dava conselhos a empresas portuguesas que queriam exportar, não tenho feito isso. Atualmente as minhas atividades não são remuneradas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

E tem também o polémico enfiteu que vem do Brasil?
Pois, mas isso não se está a receber nada há muitos anos.

Já não recebem?
Há muitos anos que não há rendimentos nenhuns.

Pergunto porque se tratava de uma regra perpétua, criada pelo seu trisavô, D. Pedro, bastante controversa no Brasil, já que os contribuintes brasileiros continuavam a pagá-lo até hoje ao herdeiro da coroa portuguesa.
É, mas é mal gerido, não dá nada. Os meus primos não são más pessoas, mas gerem mal [ a propriedade].

"A grã duquesa russa Maria Vladimirovna condecorou-me e pediu que em troca, que é costume acontecer, eu condecorasse duas ou três pessoas que ela tinha proposto. Eu condecorei [um oligarca russo, em 2019] em retribuição daquilo que ela tinha atribuído e não fiz nenhuma pesquisa sobre quem era a pessoa. Parti do princípio que uma pessoa recomendada pela chefe real russa, ainda hoje não sei quais são os problemas."

Falando de outro tipo de relação, agora de amizade. É público que esteve vários anos de costas voltadas com Nuno da Câmara Pereira. Fizeram as pazes este ano. O que foi preciso para se entenderem?
Ele foi registar nas marcas e patentes o nome da ordem de São Miguel da Ala. O ano passado foi reconhecido pelo papa Francisco que [a ordem tem 850 anos, e que eu sou o grão mestre dessa ordem, para não haver mais confusões. Diz ainda “duque de Bragança, afilhado do papa Pio XII”, aí não há possibilidade de ser outro. Foi um gesto muito bonito do santo padre. Terá influenciado o Nuno da Câmara Pereira a acabar com esta questão. Ele ia pondo processos todos os anos, cheguei a ter 15, três ou quatro ao mesmo tempo. Os tribunais aceitam tudo por mais absurdo que seja. Com a idade também se fica mais maduro.

Acredita que o bom senso acabou por imperar?
Sim, por outro lado também aceitei que a associação que ele criou, que é uma associação civil, para que pudesse continuar a usar o nome que eles registaram e que não iria entrar em conflito com a associação de direito canónico que é a ordem de São Miguel da Ala. Agora, aliás, fizemos umas alterações no símbolo para não ficarem iguais. Ele ficou satisfeito com elas.

Ele acusava-o inclusivamente de ter condecorado em 2019 um oligarca russo, Constantin Maloveef, uma figura muito próxima do Kremlin. Confere?
Foi o seguinte. Eu recebi uma condecoração da grã duquesa russa Maria Vladimirovna.

Que esteve no casamento da sua filha e com quem se dá muito bem.
Que esteve, sim. É chefe da casa real russa, Romanov, e ela por um lado condecorou-me e pediu que em troca, que é costume acontecer, eu condecorasse duas ou três pessoas que ela tinha proposto. Eu condecorei em retribuição daquilo que ela tinha atribuído e não fiz nenhuma pesquisa sobre quem era a pessoa. Parti do princípio que uma pessoa recomendada pela chefe real russa. Ainda hoje não sei quais são os problemas.

Numa próxima vez provavelmente terá mais cuidado e irá ao Google? 
[risos.] Mas o Google também não é de muita confiança porque qualquer pessoa escreve lá o que quiser.

"Se [os meus filhos] vissem que uma paixão pudesse ser problemática do ponto de vista familiar quase de certeza iriam evitar meter a família numa situação difícil. Obviamente daria a minha opinião e se achava muito bem ou não."

Há uns anos deu-nos uma entrevista por ocasião do casamento do príncipe Harry e Meghan Markle. Teme vir a passar por uma situação dessas com os seus filhos, agora que já lhes tentam arranjar noivas?
Não acredito que isso seja possível porque os meus filhos são pessoas inteligentes, sensatas e têm um grande sentido de responsabilidade em relação a Portugal.

Poriam a razão acima do coração?
Exatamente. Se vissem que uma paixão pudesse ser problemática do ponto de vista familiar quase de certeza iriam evitar meter a família numa situação difícil.

D. Duarte não hesitaria em intrometer-se se achasse necessário?
Obviamente daria a minha opinião e se achava muito bem ou não.

Já teve que intervir?
Não, até agora sobre os namoros dos meus filhos achei que eram com pessoas muito bem, responsáveis.

Podemos esperar mais casamentos para breve?
Inshallah!

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