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Bloco de Esquerda quer voltar a ultrapassar o Chega nestas eleições
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Bloco de Esquerda quer voltar a ultrapassar o Chega nestas eleições

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Bloco de Esquerda quer voltar a ultrapassar o Chega nestas eleições

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Mariana Mortágua: "Só há acordo se for escrito. Se não, é só conversa, não é transparente"

Em entrevista, Mariana Mortágua garante que só aceitará fazer uma aliança com Pedro Nuno Santos através de um acordo escrito. Para a bloquista, líder do PS é corresponsável pela crise na Habitação.

Na sua primeira campanha legislativa como coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua arranca com um objetivo definido: obrigar o PS a fazer um acordo de governação à esquerda. A bloquista explica que esse acordo “só pode ser escrito” — caso contrário, não passa de uma “conversa” — e insiste: toda a esquerda deve assumir o mais rapidamente possível a sua disponibilidade para negociar, sob pena de não conseguir que os eleitores “saiam de casa” para ir votar. O PS “não pode”, de resto, acusar o PSD de “ter um acordo escondido com a extrema direita” e ao mesmo tempo não explicar a própria política de alianças, ataca.

Em entrevista ao Observador, no programa “Sob Escuta”, Mortágua garante que, a haver negociações, não serão fáceis: por um lado, é a própria que admite que a “má governação” do PS na Habitação, problema central para o Bloco, também é responsabilidade de Pedro Nuno Santos; por outro, os dois partidos continuam sem acertar agulhas em várias áreas.

Nesta entrevista, Mortágua estabelece uma meta concreta para a recuperação do tempo de serviço dos professores que ficou congelado, defendendo que deve ser toda reposta “no primeiro ano” de Governo. Na discussão das suas propostas, a líder do Bloco assume que as estimativas do partido para os custos associados à construção e reabilitação de novas casas podem ser “conservadoras”, embora mesmo não acredite que isso coloque um problema “orçamental”.

[Veja aqui a entrevista a Mariana Mortágua na íntegra]

“Responsabilidade de Pedro Nuno na crise da Habitação é uma evidência”

Uma das grandes bandeiras do Bloco de Esquerda nestas eleições é a Habitação. Pedro Nuno Santos foi o ministro dessa pasta durante vários anos. A própria Mariana Mortágua já disse que ele está em negação porque insiste que fez uma revolução na área. Olhando para trás e fazendo esse balanço, Pedro Nuno Santos foi um bom ou um mau ministro da Habitação?
Tendo em conta que a crise da Habitação é hoje muito mais grave do que era há três anos, que se agravou muito, é inegável que este governo não tomou as medidas necessárias. Pelo contrário. Deixou agravar a crise, mantendo os vistos gold até à última, mantendo benefícios fiscais injustificados à especulação, aos residentes não habituais… Foi uma má governação no que diz respeito à Habitação e isso também é responsabilidade do ministro da Habitação, que não foi só Pedro Nuno Santos, foi também Marina Gonçalves, de todo o Governo, e, em último caso, do primeiro-ministro.

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Mas Pedro Nuno Santos não era propriamente refém de António Costa. Tomou as medidas em que acreditava, certo?
Nos governos, os vários ministros são sempre corresponsáveis por aquilo que acontece. E não é novidade nenhuma que essa responsabilidade seja sempre partilhada entre o Ministério das Finanças e o outro Ministério que toma decisões, em várias áreas. Mas não temos de escamotear as responsabilidades: é uma responsabilidade do governo e em particular do ministro, que teve essa pasta. É uma evidência que não vale a pena negar.

Mas tem esperança de que Pedro Nuno Santos, mesmo tendo sido um mau ministro, seja um bom primeiro ministro?
Não acho que a governação se meça apenas por qualidades pessoais.

É uma avaliação política. 
O importante na governação são as medidas que é possível tomar, metas que se quer alcançar, os compromissos que se fazem com o país para resolver determinado problema. Pedro Nuno Santos foi ministro de uma maioria absoluta e foi ministro de um acordo escrito com os partidos à sua esquerda entre 2015 e 2019. Acho que toda a gente sabe a diferença entre esse acordo escrito e essa governação e o que foi o tempo da maioria absoluta.

Na fase inicial de governação houve acordos à esquerda, por exemplo, com o PCP. Há pessoas no PCP que dizem que Pedro Nuno Santos não é verdadeiramente de esquerda, só dá ares de esquerda. Concorda? Ele ou ele é de esquerda ou só da ares?
Não estou aqui para discutir parangonas ideológicas, estou aqui para resolver a vida das pessoas e, portanto, o que me interessa, se há controlo à renda ou não…

Mas o Bloco fala também da direita, aí fala de parangonas. Aqui a questão é se consideram Pedro Nuno Santos um homem de esquerda ou não.
Quando falamos da direita, colocamos a direita no campo das propostas políticas. Tem soluções que são diametralmente opostas àquilo que nós temos vindo a defender. E, portanto, o que é importante neste momento é que consigamos maiorias e compromissos para resolver problemas que o país tem, que são muito graves e que se agravaram durante a maioria absoluta. E sabemos que esses compromissos só se fazem à esquerda, e o Bloco de Esquerda é uma peça determinante para essas soluções. É assim que nos apresentamos nestas eleições e queremos pôr em cima da mesa as propostas para construir essas maiorias, porque achamos que os eleitores não têm que dar um cheque em branco e têm de saber, quando vão votar, o que é que podem esperar.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Só há acordo se for escrito. Se não, é só conversa”

Falemos então de compromissos. Em relação a uma possível nova geringonça, o Bloco de Esquerda quer um acordo para a legislatura, o PCP quer negociar proposta a proposta, o Livre quer um acordo multilateral e não um partido a partido com eventual entrada no governo. Como é que se vão entender sobre medidas concretas se nem se entendem sobre o tipo de acordo que pretendem?
Não nos percamos com pormenores e minudências.

Não são pormenores. Se não houver uma base de entendimento sólida, é impossível chegar a compromissos.
Já aconteceu um acordo em Portugal e esse acordo deu origem ao governo e à governação mais estável de que há memória, em que foi possível cumprir exatamente aquilo que se tinha prometido. O que o Bloco defende é muito simples: só há acordo se for escrito. Se não, não é um acordo, é uma conversa, não pode ser escrutinado, não é transparente. As pessoas têm o direito de saber quais são os compromissos entre os vários partidos, porque isso também é uma condição de escrutínio para depois podermos verificar o que é que está a ser cumprido.

Tem dito que Pedro Nuno Santos está a esconder o jogo antes das eleições sobre eventuais compromissos. Não era melhor que o PS esclarecesse já o que pretende fazer?
É melhor que todos os partidos esclarecessem já o que pretendem fazer.

Porque é que acha que o PS não está a fazer isto?
Não podemos ter uma campanha em que o PS acusa o PSD de ter um acordo escondido com a extrema-direita e com outros partidos de direita e o próprio PS não dizer o que quer fazer. Há uma coisa que toda a gente nesta mesa sabe, ou pelo menos pressupõe: é que não haverá uma maioria absoluta. Quando não há, são precisos compromissos. O Bloco de Esquerda fará parte de uma maioria que pode mudar políticas essenciais para o país. E apresentámos as nossas propostas. O que temos dito ao longo desta campanha é que os principais compromissos, as áreas em que é preciso intervir, têm de ser conversadas antes das eleições.

Se o PS continuar com a estratégia de não assumir essa vontade de compromisso, isso não pode prejudicar o Bloco de Esquerda mais uma vez? O apelo ao voto útil à esquerda não pode novamente esvaziar o voto no Bloco?
Isso só prejudica a democracia e a clareza do debate eleitoral, porque maioria absoluta não haverá. Portanto, quanto mais clareza houver agora, mais força há. A transparência é importante e é isso que devemos aos eleitores. Mas também precisamos de mobilização. É por isso que as pessoas saem de casa para ir votar, é assim que se derrota a direita: com mobilização. E a mobilização não existe porque estalamos os dedos. É preciso convencer as pessoas.

Quando Pedro Nuno Santos não fala de possíveis acordos à esquerda prejudica a esquerda toda? 
A proposta do Bloco e a forma como o Bloco se afirma e se apresenta nestas eleições é movida por essa clareza, porque temos esse dever de transparência, e a profunda convicção de que as pessoas sairão para votar se souberem o que vai acontecer à Habitação, e à Saúde e aos salários. É por isso que queremos dizer imediatamente o que é que queremos fazer, o que achamos que é importante para o país e para mudar condições básicas.

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“Euro e NATO não foram impeditivas de um acordo no passado”

Consegue compreender que o que o PCP não abra o jogo não diga se alinha ou não em acordos?
A única coisa que posso dizer é qual é a estratégia do Bloco de Esquerda, porque achamos que é mais justa, mais clara, e mais mobilizadora. E apelar a todos os partidos que queiram uma transformação, que queiram virar a página de políticas erradas da maioria absoluta, que queiram derrotar a direita também nestas eleições, construir uma maioria mobilizadora, com soluções.

No fundo, o que está dizer é que PCP e PS, cada um à sua maneira, estão a faltar à chamada.
Penso que todos deveriam fazer isto. Todos os partidos que querem uma mobilização em Portugal devem dizer ao que vêm e deviam explicar aos eleitores porque é que vale a pena ir votar. E vale a pena. Porque é possível resolver a crise da Habitação, resolver a crise do SNS.

O Livre diz que a política externa e de Defesa deve estar nos acordos de uma nova geringonça. Concorda e gostava de negociar com o PS sobre a moeda única, sobre a NATO? 
Essas questões nunca foram impeditivas de um acordo no passado. Portugal tem prioridades e emergências a que tem que responder neste momento. E não me canso e não me cansarei de falar sobre elas.

Estes tópicos poderiam ficar fora de um acordo para concentrarem num acordo só os pontos em que conseguem concordar.
Quando encaramos as pessoas na rua e temos de responder sobre o que é preciso fazer, porque elas querem saber como é que conseguem pagar a casa e como é que têm um salário que saia dos mil euros. E é sobre isso que os compromissos têm de ser feitos.

Acredita que ainda vão conseguir convencer Pedro Nuno Santos a fazer isso até às eleições?
Posso apenas dizer o que acho que é correto e mais transparente e mais mobilizador. E é isso que temos feito. Temos tentado transformar a campanha num momento de discussão de propostas e de diálogo sobre quais são as áreas em que é preciso haver entendimentos fortes. Essa é a nossa postura desde o dia um desta campanha e acho que é o melhor contributo que podemos dar.

"Não podemos ter uma campanha em que o PS acusa o PSD de ter um acordo escondido com a extrema direita e com outros partidos de direita que não revela e o próprio PS não dizer o que quer fazer"

“PAN provou que não é um partido de confiança”

Tem criticado muito o PAN, chamou-lhe uma “fraude política”. É um partido de direita ou de esquerda? 
Vi uma entrevista de Inês Sousa Real, há pouco tempo, em que toda a entrevista era a discutir se o PAN é de direita ou esquerda. Penso que o grande problema do PAN é que quando o eleitor vai votar no PAN não sabe o que ele fará no dia a seguir. Isso aconteceu na Madeira, quando fez uma campanha inteira contra a maioria absoluta do PSD, uma campanha inteira contra os crimes ambientais que estão a ser cometidos pela maioria absoluta do PSD, e, no dia a seguir, viabilizou uma maioria do PSD. O PAN, tanto nos Açores como na Madeira, provou que não é um partido de confiança. As pessoas votam no PAN com um determinado programa, em determinado discurso, e, a meio do caminho, o PAN acaba a viabilizar uma maioria absoluta do PSD ou um orçamento nos Açores, que também é apoiado pelo Chega.

Mas depois das eleições admite negociar uma maioria no Parlamento onde se inclua o PAN?
Essa maioria tem que ser em torno de propostas à esquerda que resolvam problemas que a maioria absoluta deixou.

A questão é se admite um acordo em que esteja incluído um partido a que já chamou uma fraude política.
Os eleitores, quando vão votar, não sabem se o PAN viabiliza um governo de direita ou uma maioria à esquerda. E o PAN tem de se definir quanto a isso.

Poderão incluir o PAN numa maioria, desde que nessa altura o PAN se coloque do lado das propostas certas.
Não acho que negociação principal seja com o PAN. Terá de definir quais são as as políticas que pretende apoiar e terá de viver com a sua própria incoerência. Não tomo decisões pelo PAN. Vamos ser realistas: não é com o PAN que o Bloco de Esquerda vai negociar. É óbvio que o acordo de maioria às esquerdas se negoceia, em primeiro lugar, com o PS.

Mas acredita num acordo à esquerda para a legislatura que assente também no nesse partido? Admite sentar-se à mesma mesa onde estão vários líderes partidários, entre eles Inês Sousa Real?
Está a perguntar por um cenário hipotético, com hipotéticos votos, de um partido que tem hipotéticas posições. Não há nenhum veto de princípio a um compromisso em torno de propostas. E essas propostas têm a ver com a salvação do SNS, a resolução da crise da Habitação, o problema nas escolas e da falta de professores. Admito encontrar soluções para esses problemas. Sobre as incoerências do PAN, o PAN responderá por elas.

"É óbvio que os níveis de construção que foram apresentados pelo anterior governo de maioria absoluta estão muito abaixo daquilo que é possível fazer e que deve ser feito no país. Não me meço pelos insucessos do PS"

“Não me meço pelos insucessos do PS”

Voltando ao tema da Habitação. Em 2018, António Costa prometeu construir 26 mil casas em seis anos e ficou muito aquém desse objetivo. O Bloco agora quer reabilitar e construir 80 mil casas em quatro anos. Qual é essa fórmula mágica para construir casas? Ou se não é uma fórmula mágica, o insucesso do PS deveu-se apenas a uma grande incompetência?
Não há fórmulas mágicas para resolver a crise da habitação. E certamente a construção não é a fórmula mágica.

Mas como vão conseguir construir agora 80 mil casas em quatro anos, quando o PS não conseguiu construir 26 mil em seis?
Parte dessa construção não tem de ser construção nova. Há um conjunto de edificado público que, neste momento, está abandonado e semi-abandonado, muitas vezes em boas condições, e não está a ser utilizado. Ontem [quarta-feira] tive oportunidade de fazer uma visita ao Palácio Marquês, onde foi a Escola Superior de Dança, que é um edifício público grande, e uma parte é um hotel de luxo, outra está sem utilização.

Quer transformar em residências para estudantes. Também não é barato.
Claro que não é, mas tem de ser feito. O que não é barato é pagar 600 euros por um quarto para um estudante que está deslocado. Isso certamente é incomportável. O Estado tem o dever de reabilitar e utilizar o seu património. Tem património que está devoluto, mas em boas condições, e é possível mobilizar esse património, construir habitação a custos controlados ou residências para estudantes, a par da nova construção que terá de ser feita. E é óbvio que os níveis de construção que foram apresentados pelo anterior governo de maioria absoluta estão muito abaixo daquilo que é possível fazer e que deve ser feito no país. Esta é a única solução, a chave de ouro, para resolver o problema da habitação? Não acho que seja. Mas é uma delas.

O ponto era como é que iam conseguir tantas casas em apenas quatro anos, quando o PS não conseguiu um número substancialmente inferior.
Eu não me meço pelos insucessos do PS.

Vamos tentar perceber as contas que o Bloco de Esquerda. O Bloco quer investir 1,2 mil milhões por ano, durante quatro anos, para reabilitar e construir as tais 80 mil casas. Dá 60 mil euros por casa. Há poucos meses a autarquia de Vila do Conde lançou um programa para construir 658 casas por 158 mil euros cada. Em Lisboa, a autarquia quer construir 560 casas por 190 mil cada. No Porto, a Câmara vai construir 32 casas por mais de 160 mil euros cada. Como é que o Bloco consegue uma fatura tão baixa?
Estes dados são baseados em projeções feitas pelo próprio PS e do IHRU sobre construção média em Portugal. Em segundo lugar, o que está nesta contabilização das 80 mil casas conta também com a reabilitação. Há muito património público, mas também municipal, e todas as pessoas que conhecem o seu município sabem que há património disponível. O Ministério da Defesa, por exemplo, tem um sem fim de património que não está a ser utilizado e que pode ser mobilizado. Essa reabilitação é muito mais barata.

Mas o preço da reabilitação por metro quadrado é mais caro em média do que na nova construção.
Depende das obras que é possível fazer. Mas há vários prédios, inclusive em Lisboa, em que é possível fazer isso. Há, por exemplo, um enorme edifício no Largo do Carmo que foi reabilitado pela Parque Escolar, está em perfeitas condições e está fechado há dez anos.

Mas a questão é que, de acordo com valores oficiais, o preço de reabilitação ainda é mais caro por metro quadrado. 
Depende da reabilitação que é necessária fazer, porque há obras que não requerem tanta reabilitação nem obras de fundo. Estamos a fazer um objetivo e uma média. Se me disserem: esta estimativa peca por ser conservadora e vai ser preciso mais 500 milhões de investimento para poder chegar a esse objetivo. Podemos fazê-lo, certamente.

A expectativa de construir 80 mil casas não pode ser excesso de otimismo?
Se contarmos com uma aposta séria na reabilitação do património público, isso é possível. E a política faz-se por objetivos que achamos que são impossíveis de cumprir. Uma coisa garanto: não será por uma estimativa conservadora de custos que as casas não devem ser construídas. O Governo acabou de apresentar o seu excedente orçamental para este ano e as contas dizem que ficará em torno dos quatro mil milhões.

Mas uma das críticas que fez ao programa económico da Aliança Democrática foi a sugestão de que aquelas contas são uma ilusão, não têm respaldo orçamental. Agora está a dizer que possivelmente são precisos mais 500 milhões do que aquilo que o Bloco de Esquerda estimou.
Não foi isso que disse. As nossas estimativas são previsões baseadas nas contas do IHRU e do próprio PS e apontam para que seja possível construir 80 mil casas com 1200 milhões por ano.

Dá 60 mil euros por casa, quando os casos reais que existem custam o triplo.
Recordo que o Governo do PS falava em 140 mil casas a custos acessíveis em quatro anos. Estamos a falar de metade. A segunda questão é que a única razão pela qual me pode estar aqui a perguntar sobre estes dados é porque nós os escrevemos e publicamos, coisa que mais nenhum partido fez até agora. E isso permite um escrutínio que mais nenhum partido se permite neste momento. Estou a ter a humildade de lhe dizer que se estas contas, por alguma razão, ficarem um pouco abaixo, um pouco acima, não acho que isso seja um problema orçamental e coloca em causa o objetivo. Em momento nenhum disse que achava que estavam mais 500 milhões ou  menos 500 milhões. Os números que escrevemos são aqueles que estimamos.

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“Os vistos gold são uma aberração que permitiu a lavagem de dinheiro”

O Bloco defende que os aumentos das rendas devem ter limites consoante a evolução do poder de compra. Como é que vai funcionar exatamente esse cálculo?
Neste momento, existem rendas que são atualizadas de acordo com o valor do um valor publicado pelo INE, que tem a ver com a inflação. O que aprendemos nos últimos anos é que a inflação não significa um aumento do poder de compra, porque os preços podem aumentar muito, mas os salários não. Os preços da Habitação evoluíram muito e arrastaram a inflação ao longo dos últimos anos. Os preços da Habitação e do arrendamento já são controlados na medida em que podem ser atualizados a uma taxa que é estabelecida pelo INE; a única coisa que dizemos é que essa taxa não deva evoluir apenas de acordo com inflação, mas com a evolução do poder de compra e dos salários. Se isso não acontecer, as pessoas não vão poder pagar a sua casa, porque a renda vai subir a um ritmo muito superior ao salário. É do domínio do bom senso.

E acha que Pedro Nuno Santos vai, se for o caso, acolher essa proposta?
Para ser sincera, não acho que esta seja uma proposta particularmente controversa. É o mínimo que pode ser feito, o mais básico.

Vai constar de um acordo escrito, vai ser uma linha vermelha?
Esta proposta, sendo muito importante, limita aumentos futuros. Mas ela não cobre dois problemas. O primeiro, são os novos contratos, e é preciso encontrar mecanismos de travão para impedir que uma casa que estava a ser arrendada por 600 euros, e acaba o contrato ou não é renovado porque os senhorios entendem, por alguma razão, que se se os inquilinos saírem, a renda aumenta três vezes.

Mas o PS, que até tem uma fórmula diferente para travar o aumento das rendas, não defende esse travão para novos contratos. Pedro Nuno Santos disse que a regulação das rendas não é uma solução mágica que vai melhorar a situação da Habitação.
Não fazer nada então é que não é mesmo a solução mágica.

Era para perceber se a preocupava, de facto, chegar a soluções com o PS sobre o assunto. 
O PS até criou um limite para novos contratos. Mas tem alguns buracos na lei que depois não protegem as pessoas. E teve um problema muito mais grave: o PS anunciou esse limite meses antes de o pôr em prática. Aliás, foi uma coisa que fez com várias medidas. Anunciou o fim dos vistos gold largos meses antes de o pôr em prática. O que aconteceu? Uma corrida aos vistos gold, que ultrapassaram recordes em Lisboa e no Porto. E fez o mesmo com o regime dos residentes não habituais. É quase uma chamada para quem quiser vir aos saldos: ‘Venha agora porque vai fechar’. E nem fecha bem.

Mas tem de haver previsibilidade nas medidas, não é? Não podemos viver permanentemente com surpresas. Há empresas cujo negócio tinha, numa parte substancial, a ver com os vistos gold. Há empregos em causa. As empresas têm que ter tempo para se adaptar ao que vai ser feito.
O problema é que o argumento de previsibilidade normalmente só joga para um lado, e joga para quem está a lucrar com especulação na Habitação. E a previsibilidade de quem é posto fora de casa porque a renda aumentou 30, 40, 50%? Quem normalmente apresenta o argumento da previsibilidade apresenta-o para defender quem vende vistos gold. Mas depois nem sempre manifesta a preocupação com o mesmo ênfase quando falamos de milhares de pessoa, provavelmente a maioria jovens, que vivem vidas marcadas pela imprevisibilidade. De não saber onde é que vão viver amanhã.

Mas a questão é o governo acrescentar essa imprevisibilidade. Quem trabalha na área dos vistos gold são empresas que têm trabalhadores também. Têm que gerir a sua atividade com alguma capacidade de antecipação.
Os vistos gold são uma aberração que permitiram a lavagem de dinheiro, são a aberração que abre as portas à corrupção. Não sou eu que o digo, são vários estudos. São uma aberração porque promoveram a crise imobiliária e vendem autorizações de residência sem nenhuma outra justificação que não seja o poder de compra. Tudo aquilo que demorou a acabar com os vistos gold já foi tarde. E fazer um anúncio que é uma chamada à compra de vistos gold teve um único efeito: aumentar ainda mais os preços nas grandes cidades.

"O PS anunciou o fim dos vistos gold largos meses antes de o pôr em prática. O que aconteceu? Uma corrida aos vistos gold, que ultrapassaram recordes em Lisboa e no Porto. Fez o mesmo com o regime dos residentes não habituais. É quase uma chamada para quem quiser vir aos saldos: venha agora, porque vai fechar"

“Excedente foi conseguido à custa do agravamento dos problemas”

Já referiu por duas vezes o excedente orçamental. No ponto sobre o programa de construção de novas casas, caso fosse necessário mais dinheiro, e na apresentação do programa eleitoral também há um ponto em que diz que se pode gastar uma pequena parte de todo o excedente de 2023. Acho bem que haja existentes orçamentais ou é uma má política?
Depende.

De quê?
De se as urgências estão abertas ou fechadas.

Mas na próxima legislatura acha que o governo, se tiver o vosso apoio, deve apontar para ter excedentes orçamentais? Que neste momento o país não consegue viver bem com excedentes orçamentais?
A forma como estão a colocar a questão torna-a teórica, porque o objetivo não é o excedente orçamental. Não tenho um problema de princípio com excedentes.

Sendo mais concreto: vai haver um excedente do ano passado. É mau, é bom?
O problema do excedente orçamental é quando ele é conseguido à custa de serviços públicos que deixaram de funcionar e de investimentos públicos que não foram feitos. Não é possível todos os dias passar nas notícias que as urgências estão fechadas, e que faltam médicos, e que há manifestações de forças de segurança porque não têm um salário justo pelo trabalho que fazem e porque não têm um subsídio de risco equiparado e que merecem e devem ter, e falar dos oficiais de justiça e da lentidão dos tribunais, e depois querer exaltar o excedente orçamental ao mesmo tempo. O excedente foi conseguido à custa do agravamento destes problemas.

Portanto achou mal haver este excedente orçamental em 2023.
O que acho mal é haver urgências fechadas.

Mas o Bloco não teria tido, se fosse governo ou se tivesse uma influência decisiva no Governo, este excedente orçamental em 2023.
Prefiro urgências abertas e que seja feito o investimento que o país pode fazer para ter um Serviço Nacional de Saúde que funcione, funcionários públicos que sejam respeitados nas suas carreiras e serviços públicos que funcionem.

Portanto, não teria tido este excedente orçamental. 
Não sei, é preciso fazer as contas. Querem obrigar-me a dizer que tenho um problema de princípio com excedentes orçamentais.

Não, estamos a perguntar por Portugal em 2023.
Tenho um problema de princípio com serviços públicos que não funcionem. Portanto, Portugal tem de equilibrar diferentes objetivos e diferentes necessidades. Contas públicas sustentáveis com objetivos de investimento. Por uma razão simples: o investimento que não é feito agora é défice mais à frente.

Mas acha que o próximo governo deve estar menos agarrado a este objetivo do que o anterior?
Acabei de o dizer: como é que é possível nós termos agricultores na rua, porque os apoios à agricultura foram cortados; polícias na rua porque não recebem subsídios de risco, deveriam receber e descem salários muito baixos; temos oficiais de Justiça na rua porque têm salários miseráveis e não têm profissionais suficientes; ter o SNS com urgências fechadas e ao mesmo tempo ter um ministro das Finanças que entende que este é um momento de apresentar um excedente orçamental de 4,3 mil milhões de euros.

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“Toda a recuperação do tempo de serviço dos professores deve ser feita no primeiro ano”

Pedro Nuno Santos diz que não quer mudar a direção executiva do SNS nem mexer nas políticas que estão a ser definidas por Fernando Araújo. É inegociável o fim da direção executiva e o fecho alternado das urgências?
As questões essenciais são as medidas para reter profissionais no SNS e para fazer os investimentos necessários do SNS. Se isso é compatível ou não com a Direção Executiva do SNS, acho que é uma questão a ver.

Ou seja, não é um problema de princípio que haja uma direção executiva.
O problema da direção executiva é que desvia as responsabilidades que tinham ser do ministério, que é em si um órgão executivo, e acaba por fazer um outsourcing e transferir para terceiros essa responsabilidade. E isso não põe em causa o mérito e a capacidade de quem está à frente da direção executiva. Se essa capacidade for usada com recursos adequados para pôr o SNS a funcionar, para reter profissionais, não é uma questão de princípio; mas que ela não sirva para desresponsabilizar o Ministério e o ministro, como tem servido até agora. E que não sirva para dizer que o problema do SNS não é falta de recursos, que é falta de organização.

É esse o argumento que se usa: que aumentaram profissionais de saúde, que aumentou o investimento. O PS diz que tentou e não conseguiu resolver o problema aumentando o investimento.
Tenho visitado muitos hospitais e falado com as administrações hospitalares e tenho feito sempre a mesma pergunta: qual é a percentagem de tarefeiros que têm nas vossas equipas? Cerca de metade dos médicos são tarefeiros, ou seja, médicos que não são da equipa, não estão nos quadros, que são contratados, ou através de empresas ou à vez. O que quer dizer que metade dos médicos não estão integrados em equipas, vão trabalhar quando vão e, portanto, negoceiam à hora e conforme a necessidade dos hospitais. Conseguem ter um poder negocial muito superior e ganham bastante mais do que os médicos do quadro. Pergunte o administrador como é que é possível fazer escalas assim. Ele vai dizer que é quase impossível. O grande problema de organização do SNS é que é impossível organizar quando não há quadros suficientes, médicos, enfermeiros, técnicos auxiliares. O facto de havido mais dinheiro gasto no SNS não quer dizer que tenha sido para reforçar os quadros do SNS.

Recorre-se muito aos tarefeiros porque, entre outras coisas, quando se abrem lugares para médicos esses concursos ficam vazios. Os médicos não concorrem não apenas por questões salariais. Por exemplo, por falta de autonomia dos hospitais, má gestão, falta de capacidade de por si sós tomarem decisões sobre compra de equipamentos, manutenção de equipamentos, têm sempre de estar a recorrer ao ministério. O Bloco defende uma maior autonomia na gestão dos hospitais?
Defendemos e é uma proposta que temos apresentado ao longo dos anos. Tem aumentado um pouco a autonomia, mas é sempre muito presa e isso impede que as equipas possam gerir os hospitais, possam gerir os seus próprios recursos.

No fundo eles querem poder ter uma gestão mais próxima do privado do que de uma empresa pública.
Mas porque é que por ter mais autonomia é mais próximo do privado? Acredito que pode ser público e descentralizado; pode ser público e ter capacidade para um pagar bons salários, não ter de obrigar as pessoas a trabalharem horas extra sem fim, e ter autonomia. Já há um bom exemplo no SNS, as Unidades de Saúde Familiar tipo B. São conhecidas por terem uma enorme autonomia, por os profissionais poderem gerir as próprias equipas. E nessas unidades há muito mais capacidade de retenção de profissionais, porque há autonomia de contratação. Nós tivemos longas discussões com o PS para generalizar este modelo a todo o país. Na altura ficaram todas na gaveta do ministro das Finanças e agora finalmente decidiram generalizar. Mas mudaram o modelo e reduziram os incentivos para os médicos de forma a poupar uns milhões e a reduzir essa autonomia. Portanto, há formas e há modelos que são testados e que funcionam e a autonomia pode ser atribuída dentro do SNS e deve ser.

Numa entrevista recente disse, em relação à recuperação do tempo de serviço dos professores, que não tem visto “compromissos muito pouco claros” por parte de Pedro Nuno Santos. O PS tem defendido uma recuperação faseada, ainda sem calendário. O Bloco admite fazer isto em quantos anos?
Tenho alguma dificuldade em compreender qual é a dificuldade com este compromisso, que devia ter sido já assumido. Desde que os professores começaram a reclamar, já houve milhares de professores a reformarem-se.

Não terá o atraso do PS a ver precisamente com isso? 
São os pequenos truques para ir fingindo que se fazem as coisas, não fazendo.

E acha que Pedro Nuno Santos ainda está a tentar empurrar com a barriga? 
Parece me que ninguém se consegue comprometer com o objetivo claro.

Mas qual seria, para o Bloco, esse compromisso? Tem um calendário?
É fazê-lo no mais curto prazo, no primeiro ano.

No primeiro ano a recuperação toda?
Toda a recuperação no primeiro ano. Neste momento estima-se que custe 300 milhões, já ouvi sindicatos a dizer que admitiriam se fosse em dois anos. Tendo em conta esta reivindicação, o custo orçamental que acaba por ter com à medida que os professores se vão reformando, a justeza desa medida e o facto de ter sido aplicado nas regiões autónomas.

"A deriva do PS, que em certo momento achou que valia mais lutar pela maioria absoluta do que por soluções para o país, mostrou seus frutos. E toda a gente deve tirar consequências dela"

“Estado não consegue governar tendo trabalhadores descontentes”

António Costa argumenta que também com as outras carreiras da função pública e o impacto que isso teria se fosse tratar de forma igual todos.
Sim, mas já não tratou já todos de forma igual. E, na verdade, esta é uma situação diferente. As carreiras de função pública têm todas as suas especificidades. Os professores tinham esta questão da evolução na carreira, ficaram parados como ficaram todos os funcionários da função pública, e o que estão a defender é que esse tempo não tenha ido para o lixo.

Luís Montenegro já assumiu esse compromisso. Ainda saímos daqui com uma aliança entre Bloco de Esquerda e a AD.
Mas isso não tem que ser uma aliança, é normal e já aconteceu. No passado esta medida só não passou porque o PSD à última hora recuou, tal como no IVA da eletricidade.

António Costa ameaçou demitir-se.
Pois, mas também Costa fez vários desses momentos, uma ameaça de demissão in extremis, por causa de medidas que não tinham um impacto que António Costa dizia que tinham. E, na verdade, teriam resolvido muitos problemas. Hoje temos muitos problemas nas escolas porque não há professores suficientes, não há gente na carreira suficiente.

Admite então isolar e tratar o problema dos professores sem estar a olhar para as outras carreiras. As outras carreiras da função pública, logo se verá. 
Não, não admito que possa ser uma boa solução. Há várias carreiras da função pública que têm que ter uma visão e um olhar cuidadoso. As carreiras da saúde têm tido mais atenção, mas permanecem muitas injustiças, nomeadamente promessas de carreiras que foram feitas e negociadas e depois nunca foram regulamentadas e que estão por aplicar. Os oficiais de justiça tiveram longas negociações para ter carreiras e um estatuto que depois acaba por ser ofensivo e que não aceitam. Há várias profissões que precisam de paz. O Estado não consegue governar tendo os trabalhadores dos principais serviços públicos descontentes, e têm razões para estar descontentes. Estão a perder poder de compra há uma década.

Acabar com direção executiva do SNS é uma questão de princípio? "Se essa capacidade for usada com recursos adequados para pôr o SNS a funcionar, para reter profissionais, não é uma questão de princípio; mas que ela não sirva para desresponsabilizar o Ministério e o ministro, como tem servido até agora"

“Confio que vai haver uma maioria com a esquerda”

Tendo em conta esses descontentamentos, e pelo que vimos ainda há muito caminho a fazer para haver acordos na habitação, na saúde, temos também divergências sobre leis laborais… Os dois partidos parecem continuar tão afastados hoje como quando a geringonça acabou. Se não se entenderam na altura, como é que se vão entender? Agora o que é que os aproxima agora?
Não vai haver nenhuma maioria absoluta.

Mas antes da maioria absoluta já havia um desentendimento. O que fez, aliás, o Bloco de Esquerda chumbar o orçamento do PS. 
E hoje, quando vamos às urgências, percebemos que não há alternativa a não ser medidas para salvar o SNS.

A questão é se, entretanto, acredita que o PS muda de posição. O PS agora é diferente?
O próprio PS reconhece que a maioria absoluta não foi uma boa governação.

Não sabemos se reconhece.
Será uma versão um bocadinho exagerada da capacidade de reconhecimento. Mas acho que, no fundo, reconhecem.

Acha que Pedro Nuno Santos, no fundo, sabe que a maioria absoluta foi má?
Não é só o Pedro Nuno Santos. Basta olhar para o funcionamento dos principais serviços públicos, a instabilidade da maioria absoluta. Não é só porque houve um rodopio de ministros e secretários de Estado; é porque se agravaram problemas muito sérios.

Confia num PS mais humilde desta vez.
Confio na relação de forças.

Pedro Nuno Santos tem dito que tem de ir para a campanha com humildade e empatia, não sei se confia num PS mais humilde e mais empático. Vai obrigar o PS a ser mais humilde? 
Confio que não haverá uma maioria absoluta e que vai haver uma maioria com a esquerda e que essa maioria tem uma responsabilidade: negociar soluções para o país, apresentar soluções para o país. É nisso que confio. Já assisti e fiz parte de um acordo que mudou a vida de Portugal e sei que é possível fazê-lo.

Pedro Santos é mais confiável que António Costa? Pergunto-lhe politicamente, não é uma análise pessoal.
Nós fizemos um acordo com um Governo em que António Costa era o primeiro-ministro. Pedro Nuno Santos era o secretário de Estado e depois ministro, foi responsável pelo acompanhamento dos acordos. Esse balanço está feito, é positivo.

Mas esse acordos depois ruíram. 
O que me leva à minha questão central: o importante para um compromisso são mesmo as políticas, as propostas, para salvar o país.

Mas o que se sente é um afastamento enorme entre as propostas do Bloco e do PS. Isto faz lembrar aquele momento em que a geringonça deixou de ser possível.
Quem nos ouve e vê o estado da Habitação e da Saúde sabe que as coisas têm de mudar. Têm mesmo que mudar. Não é possível continuar com políticas de maioria absoluta nos salários, na habitação, na saúde.

Pedro Nuno Santos quer mudar, mas não da forma que o Bloco quer. Sente-se um impasse. Na altura o Bloco tinha 19 deputados, o PCP também tinha um número interessante de deputados. A relação de forças estava dividida e, mesmo assim, a geringonça chegou a um ponto em que bateu contra uma parede. Não vamos voltar a essa altura?
Não há nenhuma dúvida hoje de que é preciso um medidas fortes para salvar e para reter profissionais no SNS. Penso que a deriva do PS, que em certo momento achou que valia mais lutar pela maioria absoluta do que por soluções para o país, mostrou seus frutos. E toda a gente deve tirar consequências dela.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Não viabilizamos um governo de direita”

Votaria no lado do Chega numa moção de rejeição de um governo da AD?
Tenho sido confrontada com cenários hipotéticos.

André Ventura colocou de viva voz esse cenário.
Pode colocar os cenários se quiser mas há um limite para aquilo que uma pessoa pode antever sobre maiorias hipotéticas, deputados hipotéticos, moções de censura hipotéticas, Governos hipotéticos.

Ventura disse que se não fizer parte de um governo de direita, porventura apresentará uma moção de rejeição. A nossa pergunta é se o Bloco juntará os seus votos à bancada do Chega?
As minhas posições políticas não se determinam por mais nenhum partido. O que o Bloco diz desde o início é que não viabilizará um governo de direita. E é com esse compromisso e esse mandato que vamos às eleições.

Mas aparecerá na fotografia ao lado de André Ventura?
Não viabilizamos um governo de direita. Estava a perguntar como é que vou votar um texto hipotético de um cenário hipotético com configurações parlamentares hipotéticas numas eleições que ainda não se realizaram. E sobre isso eu não respondo.

“Queimar cartazes não é a minha forma de fazer debate político”

O Bloco de Esquerda lançou recentemente nas suas redes sociais alguns vídeos em que ironiza com os argumentos normalmente usados para defender os Chega. Diz que é preciso haver uma “Mariana em cada esquina”, “abanar o sistema”, “dizer umas verdades”. Este é o melhor estilo para para combater o Chega? Não pode ser confundido com um estilo mais populista?
Há um mito que se instalou e que tem que ser desmontado: a ideia de que o partido de extrema-direita é antissistema. Não há mais nenhum partido tão de sistema e em que seja tão óbvia essa ligação, e que receba tanto financiamento de grandes grupos económicos privados, de interesses imobiliários, de facilitadores de negócios com má fama no passado e, portanto essa denúncia tem que ser feita por uma questão de clareza e transparência.

Mas o estilo não pode ser confundido e até usado contra o Bloco de Esquerda?
Não, não acho que seja. Temos que lidar com a política também, com o humor e também com diferentes estilos. E acho que se vamos avaliar cada produto e conteúdo das redes sociais, ficamos aqui o resto da manhã.

Há dias um grupo pegou fogo a um cartaz do Chega em Lisboa. Concorda com esta forma de atuar?
Não, não acho que seja a minha forma de fazer debate político.

Na manifestação pela Habitação, no último fim de semana, foi exibido um cartaz onde se lia “Não queremos ser inquilinos de sionistas assassinos”. Houve várias pessoas que consideraram a frase antissemita. Fica confortável com este tipo de cartazes? Ou concorda que há aqui antissemitismo?
Não estive nessa manifestação do Porto, estava em Lisboa, não vi esse cartaz, certamente não o escrevi e, portanto, não me responsabilizo nem acho que tenha que responder minimamente por ele. Mas não devemos confundir – e esse cartaz não confunde, e algumas críticas que lhe foram feitas confundem – um governo sionista com o povo de Israel, porque o povo de Israel luta em muitos casos contra o genocídio que está a acontecer em Gaza. Há uma diferença entre o povo de Israel, entre os judeus de Israel e um governo sionista que tem levado a cabo uma política de genocídio e de morte de milhares de inocentes palestinianos.

Mas há dias o Esquerda.net, que é propriedade do Bloco, publicou um artigo onde se defendia esse cartaz. O título era: “O capital israelita está a aumentar a pressão imobiliária no Porto”. E depois eram referidos os nomes de vários investidores israelitas no ramo imobiliário no Porto. Se o Bloco não confunde aquilo que diz ser o governo sionista com os cidadãos de Israel, como é que sabe se estes empresários são sionistas ou não são sionistas, se estão de acordo com o governo de Israel ou não? Foram-lhes perguntar?
Também não confundo russos com oligarcas russos e denunciei vários oligarcas russos em Portugal e fui levada a tribunal por isso. Compreendeu-se nessa altura que o poder financeiro e económico que é sustentado pelo regime próximo de Putin devia ser limitado.

Mas estes investidores israelitas, que em alguns casos vivem em Portugal desde 2007, são comparáveis com oligarcas russos?
Temos de fazer uma separação. Os interesses financeiros que apoiam o governo de Israel estão a apoiar um governo que está a promover um genocídio e uma ocupação. E o direito à autodeterminação do povo palestiniano vale tanto como o direito à autodeterminação do povo ucraniano. Rejo-me pelas mesmas regras que apliquei politicamente aos capitais russos e aos capitais próximos de Putin. Se me diz: mas tem um problema com o capital israelita que não é próximo do governo de Israel? Não, não tenho. Tenho um problema com capital especulativo imobiliário que aumenta as rendas. Mas aí o que está em causa não é…

… serem “sionistas assassinos”…
… não é a questão israelita. E, portanto, eu respondo pelas minhas posições. Não respondo por cartazes de uma manifestação onde não estive.

O ponto era que também era um artigo no Esquerda.net que enumerava os nomes de investidores israelitas na área imobiliária no Porto. Num mesmo artigo onde defendia a frase “Não queremos ser inquilinos de sionistas assassinos”.
Não sei se defendia. Acho que provavelmente explicava, e, sobre essa informação, cada um pode fazer a sua interpretação e a sua análise.

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