Na campanha Luís Montenegro começou por dizer que era “muito difícil” ganhar, mas acabou a revelar que afinal o que queria era uma “vitória substancial”. Não só não a teve — com 31,2% dos votos —, como saiu derrotado pela primeira vez desde que é líder do PSD (juntando no mesmo saco regionais e uma nacional, que foi o que fez durante a campanha) e precisamente quando um primeiro-ministro em situação periclitante. Mas afasta que isso faça diferença na governação e agarra-se ao que pode para afastar esse peso que a partir de agora tem sobre os ombros.
Quem via Montenegro e Sebastião Bugalho entrar na sala do Hotel Sana, em Lisboa, para a declaração final, não imaginaria que tinham acabado de ter uma derrota. Sorrisos rasgados, bandeiras ao alto e gritos pela coligação, mas em total contraste com o silêncio absoluto que se abateu sobre o quarte-general da AD durante toda a noite eleitoral e que não apareceu em direto nas televisões. Só mesmo a entrada dos dois na sala fez com que as hostes reagissem, sedentas por ouvir Montenegro afugentar os fantasmas que entraram pela sala da coligação.
[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]
Começou por assumir que a AD “não cumpriu os objetivos”, mas depois seguiu caminho tentando driblar o que já sabe que é certo na leitura dos resultados. E um dos pesos que leva desta noite é a ultrapassagem socialista, que acabou a cerca de 40 mil votos à frente da AD, invertendo o que aconteceu nas legislativas. Questionado se vai seguir o conselho do presidente do PS e ser “mais humilde” depois desta derrota, Montenegro garantiu que a AD se mostrou “disponível desde a primeira hora para dialogar negociar e encontrar consensos com todas as forças políticas”. Mas acrescentou que “naturalmente dentro delas, aquela com que temos necessidade de aprofundar mais esse diálogo é o PS”. Disse que o fez “em tudo o que foi relevante” na governação até aqui, com a abertura de canais de diálogo diretos”. Mas para atirar a responsabilidade para o lado de lá: “Não conseguimos obrigar quem não quer consensualizar a fazê-lo.”
Garantiu continuar “com a mesma disponibilidade” e “com humildade”, mas também continua a lembrar que a partir do momento em que o PS não inviabilizou o programa do seu Governo “assume a responsabilidade de o deixar executar”. Mas também foi para a declaração final com uma deixa pronta para agradar ao socialismo, ao dizer que se António Costa decidir avançar para a presidência do Conselho Europeu, terá o seu apoio. “A AD e o Governo não só apoiarão como farão tudo para que essa candidatura tenha sucesso”, garantiu.
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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Montenegro sentiu “renovada confiança” na rua e promete “compromisso férreo”
Quanto à sua leitura desta noite e o que leva para o Governo, Montenegro deixa-a para comentadores, já que garante ter ouvido “na rua” uma “renovada confiança” nas “interações” que foi tendo nesta campanha das Europeias. O líder do PSD empenhou-se na estrada eleitoral e apareceu cinco vezes ao lado de Sebastião Bugalho, a sua escolha para cabeça de lista, mas isso agora é passado. O que Montenegro (e também o seu candidato) tentou fazer esta noite foi a separação das águas.
“O Governo não esteve em campanha eleitoral, esteve a cumprir os seus compromissos”, afirmou. Em campanha, esta mesma ideia, foi usada várias vezes para rejeitar as críticas de “eleitoralismo” que vinham do lado socialista. Também Sebastião Bugalho viria de seguida garantir que “a estrutura decisional e política do Governo era, e foi, totalmente autónoma da estrutura decisional e política da candidatura”.
Mas a verdade é que foram várias as medidas do Governo aprovadas ao longo desta campanha e a AD tenta agora evitar que seja feita qualquer associação entre o que o Governo foi fazendo nestes dois primeiros meses em funções — e que usou em campanha — com o que saiu das eleições. Avisa mesmo quem faz “análise política” que também é “apaixonado” por essa prática, mas que só “em segundo plano, porque no primeiro”, disse, está o seu “compromisso férreo com a população portuguesa” e que isso lhe vai “dar força para continuar a governar”.
Primeira tábua de salvação: comparar com o pior resultado dos últimos 20 anos
A AD conseguiu manter os mesmos eurodeputados (seis do PSD e um do CDS) que tinha em 2019 e também teve “mais votos e a correlação de força com os outros partidos também foi maior”. O que Montenegro não disse na sua análise aos resultados é que estava a comparar com o pior resultado dos últimos 20 anos, já que em 2019 o PSD teve 21,9% e o CDS 6%.
Agarrou-se, assim, à “circunstância política onde à direita” da AD “foram eleitos pelo menos quatro deputados de duas forças políticas que eram inexpressivas nesse último ato eleitoral”, referindo-se ao Chega e à Iniciativa Liberal que, nestas eleições, elegeram dois eurodeputados cada.
Teve uma ajuda de Sebastião Bugalho nesta tentativa de desinsuflar o PS, com o cabeça de lista que agora vai para Bruxelas a dizer que “alguém podia dizer que foi mesmo por poucochinho“. A expressão é da antologia política, já que foi usada numa noite de Europeias pelo então comentador António Costa em relação ao PS e, a partir daí, saltou num desafio à liderança socialista de António José Seguro.
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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
“Compreendo que quem não ganhava há quatro eleições esteja a festejar, eu também estaria”. Foi a outra frase que a AD levava preparada com esse mesmo objetivo: desvalorizar a vantagem socialista. Mas ambos os rostos da AD nesta noite reconheceram a vitória, numa altura em que o resultado é suficientemente parecido com o das legislativas para que possam fazer outra coisa. Afinal, foi com base numa diferença da mesma dimensão que a AD conseguiu cantar vitória e assumir o Governo a 10 de março.
O desconforto com essa magra diferença foi, no entanto, patente deste início entre as hostes da coligação. Quando as projeções chegaram às oito da noite, a sala gelada do Hotel Sana onde estavam alguns apoiantes foi também fria nas reações. Silêncio total entre o grupo de mais de duas dezenas de pessoas que se juntavam frente às televisões com a emissão dos quatro canais em simultâneo para ver os primeiros números. Até aí tinha havido apenas uma declaração curtíssima do diretor de campanha que vinha em linha com os elogios à estrutura eleitoral que tinha funcionado com a novidade do voto em mobilidade.
Só muito depois das projeções veio Nuno Melo, presidente do CDS, numa declaração que esteve hesitante durante mais de uma hora porque os resultados estavam suficientemente renhidos para dizer o que quer que fosse. Mas o líder centrista lá apareceu para fazer as primeiras despesas da noite que acabaram por mostrar que as expectativas eram baixas. Afinal, Melo focou-se na parte meio cheia do copo: que Portugal continuava a ser um “espaço de moderação”, tendo em contra o crescimento da extrema-direita noutros estados-membros, que o resultado seria melhor do que o último e que o Chega estaria “muito abaixo das expectativas” — aproveitando logo para dizer que “ser muleta do PS em Portugal não compensa”. Um exercício de forçado otimismo que a AD manteve até ao fim da noite eleitoral.