Há quem mereça um prémio pela quantidade de vezes que foi referido, mesmo sem estar no pavilhão da FIL, em Lisboa — é o caso do fantasma da Aliança Democrática, a que os socialistas fizeram questão de juntar uns pozinhos de Chega, ou do Ministério Público, transformado numa espécie de Inimigo Público. Há quem receba prémios condicionados — por agora os socialistas merecem um Nobel da Paz por se mostrarem unidos, mas veremos se na altura de desenhar listas de deputados a harmonia se mantém. E há distinções para momentos familiares mais ou menos inopinados. O Observador também premeia a capacidade do PS de promover a reinserção social(ista) de um isolado político dos tempos da geringonça e o senador que levantou a sala no último dia.
Prémio lambadas no focinho
Ascenso Simões é um socialista que se quer reformar da vida política e que anunciou há dias nas redes sociais que vai afastar-se do ativo, mas não sem antes firmar o seu legado de maior e mais expressivo agitador do partido. Nas últimas semanas, havia o já famoso “par de lambadas bem dado no focinho” de Vítor Escária, que largou no programa Vichyssoise da rádio Observador quando foi confrontado com os 78 mil euros em notas encontrado na sala de trabalho do ex-chefe de gabinete de Costa. E agora no Congresso apontou as “lambadas”, por outras palavras, a Marcelo Rebelo de Sousa, ao dizer que o Presidente da República é o “maior facto de instabilidade” do país. Não que tivesse sido o único socialista que foi a este Congresso apontar o dedo ao Presidente da República, depois de uma dissolução que contrariou a vontade do PS manter a sua maioria com um novo primeiro-ministro, mas foi seguramente o que menos papas na língua teve ao fazê-lo.
Prémio Gasparzinho
Se no domingo o pavilhão da FIL se viu rodeado por nevoeiro, a verdade é que durante todo o congresso houve outra espécie de sombra a pairar sobre os socialistas: o fantasma da direita, que assinou este fim de semana o acordo para ressuscitar a antiga Aliança Democrática. Ora para o PS não bastou “malhar” na chamada direita tradicional, que responsabiliza pelas dificuldades dos tempos da troika e acusa de copiar o estilo da extrema-direita; o congresso foi passado a colá-la ao Chega, com garantias sucessivas de que, se os eleitores votarem na aliança que junta PSD e CDS, quando derem por si já André Ventura estará metido ao barulho. Agitar o papão dos “inimigos da democracia” resultou uma vez, nas últimas eleições; e o PS de Pedro Nuno parece acreditar que em equipa – ou estratégia – que ganha não se mexe, copiando a papel químico o mesmo discurso. Resta saber se em 2024 funciona como em 2022.
Prémio Daddy do Ano
A expressão “daddy” correu as redes sociais quando Pedro Nuno Santos virou líder do PS e a sua imagem foi vista como atraente. Questões de atratividade à parte, Pedro Nuno Santos foi mesmo “daddy” neste Congresso, do seu filho de 7 anos. A meio da tarde de sábado, Sebastião apareceu no palco e foi enrolar-se no colo do pai, onde esteve largos minutos a mexer-lhe na barba e numa conversa cheia de sorrisos. O momento não foi planeado, mas foi captado pelas câmaras e não tardou em tornar-se um dos mais discutidos do congresso (e, claro está, das redes sociais). Os internautas pareceram gostar de conhecer a faceta mais paternal de Pedro Nuno.
Prémio Inimigo Público
O premiado é o Ministério Público, mas no congresso do PS mais pareceu que se tratava de uma espécie de inimigo público, ou pelo menos inimigo dos socialistas. Apesar de a direção temer que a animosidade em relação ao MP ressuscite os tempos da tese da cabala, os socialistas não resistiram e, acossados pelos novos detalhes sobre o caso judicial que envolve António Costa, reagiram em força. No palco ou durante as entrevistas que concederam no congresso, dirigentes e militantes denunciaram uma interferência da Justiça na política e lamentaram, com ironia, que o MP “ande com um azar terrível” nos timings em que escolhe transmitir notícias sobre as suas investigações (Eurico Brilhante Dias dixit). O tema é delicado e o PS sabe que pode estar a caminhar sobre gelo fino, mas o ataque ao MP foi mesmo uma das narrativas escolhidas para cerrar fileiras e pedir mobilização ao partido em tempos de crise.
Prémio Reinserção Social(ista)
Longe vão os tempos em que Francisco Assis subia ao palco do congresso socialista para criticar a geringonça, recebendo como reação uma sala gélida e a sentença de uma espécie de exílio partidário durante o costismo. Com Pedro Nuno, Assis saiu da solitária e entrou triunfante no Largo do Rato, pela primeira vez em anos, e no palco do congresso, onde desta vez conquistou aplausos. Ao Observador, disse-se “feliz” por voltar a estar alinhado com a direção do partido, a quem já faz questão de deixar avisos para o futuro (não deve misturar PSD com Chega, nem fazer de Marcelo Rebelo de Sousa e do Ministério Público alvos políticos). Os dias de isolamento ficaram para trás, embora parte do partido possa não perceber bem como é que isso aconteceu – o amigo José Luís Carneiro falou de camaradas que fizeram um “flic flac” para justificarem a integração no pedronunismo e na ala moderada há quem acredite que essa carapuça serve a Assis.
Prémio Família Muito Moderna
O momento era de emoção e nostalgia para o PS: tratava-se da despedida do líder António Costa, que sai com a cotação em altas dentro de um partido grato. Assim, Costa pareceu comovido em vários momentos, mas nada rivalizou com aquele em que falou da mulher, Fernanda Tadeu, para dizer que já merecia ser militante honorária do PS (ou da JS), e tentou evitar “emocionar-se” junto desta sua família alargada. O congresso ficou comovido e aplaudiu de pé. Ainda assim, apesar de este ser um congresso do PS, nem tudo são rosas e as dinâmicas familiares provam ser mais complexas do que as partidárias: antes de o evento começar, já o dirigente do PS Lisboa e filho de Costa, Pedro Costa, se mostrava pronto para o fim do costismo, dizendo em entrevista ao Observador que nunca escondeu “preferir” Pedro Nuno Santos para secretário-geral do PS, uma vez que é “mais exigente” com o pai do que a generalidade dos portugueses.
Prémio Nobel da Paz
Este prémio pode ser atribuído a Pedro Nuno Santos mas também a José Luís Carneiro, pelo acordo a que os dois chegaram para construir listas únicas aos órgãos do congresso. A garantia de que os lugares seriam distribuídos por vencedores e perdedores provocou suspiros de alívio dos dois lados e acalmou as inquietações do PS, cujo aparelho passou os últimos dias entretido com as habituais contas de mercearia, ajudando a assegurar que no púlpito nenhum discurso desagradável ou farpa inconveniente ofuscaria o momento que Pedro Nuno preparava há anos e anos. O problema é que a união não se faz (só) assim, e que as negociações por lugares ainda mal começaram: falta a distribuição de lugares por deputados, momento em que os caciques socialistas quererão cobrar o preço pelo trabalho que andaram a fazer durante a campanha. Por isso, este é um Nobel condicionado a uma paz que pode não durar muito.
Prémio Carreira
Não encheu a sala do pavilhão ao lado, o Altice Arena, mas na FIL José António Vieira da Silva conseguiu galvanizar os fãs num dos discursos mais aplaudidos do Congresso em que, ironicamente, contrariou a linha oficial do partido nos casos de Justiça. Tocou, indiretamente, no nome de João Galamba, lembrando a notícia que deu conta de escutas sobre o ex-governante nos últimos quatro anos e disse que não fica “tranquilo” com isso, atirando diretamente à ação da Justiça sobre os políticos e incitando o partido a travar esse combate. O partido aplaudiu, partilhando claramente o incómodo que o novo líder não quer que se torne um assunto mas que esteve presente em vários momentos deste Congresso. Vieira da Silva é um senador do partido e subiu ao palco a dizer que “provavelmente” seria uma das últimas intervenções que faria num Congresso do PS e também para deixar nas mãos do novo líder (que não apoiou nas diretas) o pedido para que não se fique pelo mantra que reinou até aqui do “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça”.