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O modelo português de concurso nacional de professores está caduco e crescentemente desfasado dos padrões europeus
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O modelo português de concurso nacional de professores está caduco e crescentemente desfasado dos padrões europeus

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O modelo português de concurso nacional de professores está caduco e crescentemente desfasado dos padrões europeus

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os professores devem ganhar mais (no interior)?

Vale a pena pagar mais a professores experientes para escolherem as vagas em regiões do Interior do país? Quais são os problemas e as soluções? Ensaio de Alexandre Homem Cristo.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

Se tivermos em conta os discursos políticos, o desenvolvimento das regiões interiores de Portugal continental ascendeu à primeira linha das prioridades nacionais. Há razões que o justificam: baixa densidade populacional, maior fragilidade do tecido económico e empresarial, menor acesso a serviços públicos de qualidade (nomeadamente saúde), envelhecimento e isolamento geográfico. São estas (e outras) as razões por detrás das iniciativas legislativas e, em particular, do Programa Nacional de Coesão Territorial, que o governo lançou em 2016 e ao qual juntou mais umas dezenas de novas medidas em 2018.

Há espaço para a Educação nesta lista de medidas. Propõe-se, por exemplo, a redução da dimensão das turmas, a revisão do currículo e a aposta na qualidade da oferta do ensino profissional. Mas todas estas propostas têm um problema em comum: são medidas nacionais e nada têm de específico para os desafios concretos das regiões interiores do país. Aliás, estão até por vezes desligados dos problemas das escolas do Interior. Por exemplo: a dimensão média das turmas nas escolas do Interior é bastante inferior à das grandes cidades, onde a redução da dimensão máxima das turmas produziria efeitos visíveis, não tendo qualquer impacto nas escolas do Interior. Ou seja, estas medidas não resultam do diagnóstico das dificuldades específicas daquelas regiões, das suas escolas, dos seus professores e dos seus alunos. Os desafios da Educação nestas regiões do Interior não estão, portanto, a ser enfrentados de forma direccionada.

Seria possível fazê-lo? Sim, e áreas de intervenção na Educação não faltam. Uma medida possível seria, simplesmente, replicar para os professores aquilo que o governo já está a implementar para os médicos: a atribuição de bonificações salariais para atrair e fixar médicos nessas regiões, iniciativa que, de acordo com o governo, permitiu a fixação de 150 médicos no Interior. No caso dos professores, a medida viria não só combater a escassez de recursos humanos mas também elevar o perfil dos docentes nessas regiões, procurando recrutar professores mais experientes.

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Vale a pena pagar mais a professores experientes para escolherem as vagas em regiões do Interior do país? Este ensaio olha para essa questão de frente – os problemas, os constrangimentos e as soluções possíveis – para concluir que sim (mesmo que existem várias formas de o fazer). E verifica também que o modelo português de concurso nacional de professores está caduco e crescentemente desfasado dos padrões europeus, onde as escolas e as comunidades locais têm uma voz na contratação de professores.

Um problema: os professores mais experientes estão (sobretudo) no litoral, os alunos que mais precisam deles estão no interior

Há alunos bons e alunos menos bons em todas as escolas. Sabemos, graças a anos de investigação e recolha de dados, que vários factores têm influência nos desempenhos escolares, desde logo o perfil socioeconómico do aluno – quanto mais elevada for a formação e os níveis de rendimentos familiares, maior a probabilidade de sucesso escolar. Em Portugal, por exemplo, o grau de escolaridade da mãe é o mais forte previsor de sucesso escolar, mais do que na esmagadora maioria dos países europeus, onde as diferenças sociais se esbatem melhor à entrada da escola. O que, dito de outra forma, significa dizer que, dentro das escolas, se sente uma grande dificuldade em contrariar o handicap para a aprendizagem que possa representar a condição social dos alunos. Ou seja, há algo na organização do sistema educativo português que tem de melhorar, de modo a ir ao encontro deste desafio particularmente exigente. Mas melhorar o quê, exactamente? Não há respostas únicas, muito menos óbvias.

Em geral, os professores com mais anos de experiência estão colocados em escolas no litoral do território, ficando os concelhos do Interior do país com uma maior proporção de professores menos experientes.

Há, contudo, pistas para o diagnóstico de problemas concretos, que em grande medida surgem da análise comparada dos dados nacionais sobre os desempenhos em avaliações externas. Uma análise desse tipo foi liderada por investigadores do CESNOVA e culminou na publicação do Atlas da Educação (sob patrocínio da EPIS). Na última edição (2017), constam dados particularmente interessantes, na medida em que expõem resultados de alunos que diferem muito ao longo do território nacional, entre concelhos, seja em relação aos desempenhos nas avaliações externas (gráfico 1) ou às taxas de aprovação/ não-retenção (gráfico 2). Ou seja, não só se torna claro que, globalmente, os resultados tendem a ser melhores no litoral (e piores no Interior do país), como também se revelam diferenças significativas entre concelhos adjacentes – o que, à primeira vista, seria inesperado face ao facto de servirem populações com características socioeconómicas muito semelhantes.

Procurando entender o que explica essas diferenças, muitos factores podem ser realçados – desde a composição social da população ao perfil do corpo docente ou à dimensão da escola, assim como se estão localizadas num contexto urbano ou rural. Um dos factores que sobressai é este: em geral, os professores com mais anos de experiência estão colocados em escolas no litoral do território, ficando os concelhos do Interior do país com uma maior proporção de professores menos experientes (gráfico 3).

Isto representa um problema, que se decompõe em duas partes. Primeiro, à falta de uma avaliação sistematizada que indique que professores são “melhores” em termos de desempenho a ajudar os alunos a superar os desafios da aprendizagem, a experiência (antiguidade) é o indicador possível. É certo que o indicador poderá ser pontualmente injusto – valorizar apenas a antiguidade pode significar valorizar 20 anos de “mau trabalho” em detrimento de 10 anos de “excelente trabalho”. Mas, no geral, é um indicador fiável: com a experiência ganham-se competências que tornam o trabalho mais eficaz no apoio aos alunos. Segundo, existe uma relação estabelecida entre a qualidade do trabalho de um professor e a aprendizagem dos alunos. Ou seja, e dito de forma simplificada, quanto melhor for o professor, mais os alunos aprenderão. A relação é lógica e não deve constituir surpresa. No entanto, é importante sublinhar o predomínio da qualidade do trabalho do professor sobre os restantes factores em contexto escolar: para a melhoria da aprendizagem, nada numa escola é mais importante do que o perfil dos seus professores. Consequentemente, recrutar os professores mais experientes para as escolas com piores desempenhos é uma opção interessante de política pública.

É esse o ponto. Somando estas duas partes, a questão assume uma dimensão de desenvolvimento estratégico nacional e resume-se deste modo: sabendo-se que os alunos do Interior apresentam resultados mais frágeis e, ainda, que estes não contam com os professores mais experientes para os ajudar a recuperar o gap de aprendizagem, o que é possível fazer para atrair os professores mais experientes para esses concelhos do Interior e assim contribuir para a melhoria da aprendizagem dos alunos? Há respostas possíveis, mesmo que de implementação difícil – como veremos mais à frente. Mas, neste primeiro momento, repita-se e fixe-se sobretudo a pergunta: como criar incentivos para que os professores mais graduados escolham dar aulas nos concelhos do Interior? Como acontece em muitas das questões relacionadas com a contratação de professores, esta poucas vezes tem sido discutida – mesmo que os dados a justifiquem plenamente.

Para atrair os “melhores” professores, muitos sistemas introduziram sistemas de recrutamento mais flexíveis, numa lógica concorrencial.

Comparação internacional: como fazem os outros países para promover a mobilidade dos professores mais experientes?

Ter os “melhores” professores ao serviço dos alunos é uma preocupação que atinge todos os decisores políticos em todos os sistemas educativos. Mas como fazê-lo? São várias as opções.

A primeira opção é apostar, desde logo, na formação inicial dos professores, garantindo uma preparação altamente exigente e processos competitivos de selecção de candidatos – na prática, tornando a carreira de professor socialmente prestigiada e assegurando que são os melhores de cada geração a assumir essas funções profissionais. O caso mundialmente mais conhecido neste domínio é o da Finlândia, onde aceder a um curso de professor é tão difícil quanto entrar numa universidade de topo internacional: há poucas vagas e os candidatos são avaliados à entrada pela própria universidade, num processo em que apenas cerca de 10% consegue superar. Assim, logo de raiz, este mecanismo de selecção inicial garante que o corpo docente é excepcionalmente qualificado para lidar com as crianças – este assunto foi mais profundamente desenvolvido num outro ensaio, “Os bons alunos não querem ser professores (e isso é um problema)”.

A segunda opção consiste em promover a mobilidade de professores que já estão no sistema educativo. Para atrair os “melhores” professores, muitos sistemas introduziram sistemas de recrutamento mais flexíveis, numa lógica concorrencial. Olhando para a generalidade dos países da OCDE, são múltiplas as abordagens nesse sentido. Mas, independentemente da abordagem, há um elemento que as une: a autonomia de decisão da escola ou de uma autoridade local para a contratação de professores. Ou seja, se a decisão estiver muito centralizada, como é o caso em Portugal, os desequilíbrios na distribuição de professores começam a aparecer (litoral vs interior). Se a decisão estiver mais descentralizada, a distribuição torna-se mais homogénea, porque em cada escola ou localidade se adequa o recrutamento a um perfil específico de professor. E, em alguns casos, introduzem-se mesmo incentivos para atrair os melhores.

A tendência geral internacional é para que a gestão dos professores (contratação, dispensa, salários, competências) esteja descentralizada, envolvendo directamente as escolas ou autoridades regionais/ locais, de modo a que o processo de recrutamento esteja o mais possível alinhado com as necessidades específicas da escola em causa – o que não significa, contudo, que deixe de existir regulamentação centralizada pelo Ministério para enquadrar essas decisões. Isto é, há autonomia mas não há anarquia e as decisões são tomadas dentro de um enquadramento legal predefinido. Os dados comparados da OCDE mostram-no: na esmagadora maioria dos países europeus, as decisões sobre a gestão (nomeadamente contratação) dos professores são tomadas longe do ministério da educação (tabelas 1 e 2). Nesta comparação, Portugal surge ao lado de França como (mau) exemplo de híper-centralização: as decisões-chave são sempre tomadas a nível central.

Vistos os indicadores, vamos aos comentários. Desde já, importa assinalar que, apesar da existência de autonomia na tomada de decisão na maior parte dos países, esta nem sempre se materializa na criação de incentivos directos aos professores, nomeadamente bonificações salariais ou cargos de liderança. Em muitos casos, esta é apenas uma forma de administração, na medida em que a própria administração pública está transversalmente descentralizada.

Contudo, também existem casos onde essa autonomia e flexibilidade tende a ser aproveitada para oferecer incentivos e tornar o processo de recrutamento mais concorrencial. O caso mais evidente é o dos EUA, onde cada Estado estabelece salários-base e regras de recrutamento, aumentando a competição entre Estados para atrair professores. Por exemplo, são frequentes os casos em que professores de mérito reconhecido se vêem alvo de recrutamento direccionado – caso de um professor premiado de Oklahoma que foi dar aulas para o Texas no seguimento de uma elevada proposta salarial. Noutro exemplo nos EUA, há Estados a aumentar os salários-base, de modo a travar as saídas de professores para Estados vizinhos e assim conseguir continuidade pedagógica e melhores resultados escolares – ou seja, o salário serve de referência para atrair ou fixar professores.

Nos países onde existe maior autonomia de decisão a nível das escolas, os processos de recrutamento são liderados directamente por estas – os professores candidatam-se directamente às escolas em concursos públicos.

A prática americana é pouco usual na Europa, onde a mobilidade dos professores está menos associada a bonificações salariais e mais a opções pessoais/ familiares dos professores. Nos países onde existe maior autonomia de decisão a nível das escolas, os processos de recrutamento são liderados directamente por estas – os professores candidatam-se directamente às escolas em concursos públicos. Isso permite, portanto, que as escolas tentem atrair professores a partir dos seus projectos pedagógicos ou até abrindo vagas para o desempenho de funções mais apelativas (e melhor remuneradas). Em contraste, nos sistemas educativos onde o recrutamento está mais dependente de autoridades locais ou centrais, a introdução de incentivos à mobilidade de professores é relativamente inusual. Porquê? Porque, nesses casos, a principal preocupação do sistema é gerir a escassez de recursos e não a sua redistribuição. Há, claro, algumas excepções. Na Áustria, os professores que adquirirem formações complementares são incentivados a mudar de escola, de modo a encontrar desafios profissionais que correspondam às formações que adquiriram. Noutro exemplo, na Albânia, a mobilidade dos professores é promovida como condição necessária para alcançar metas profissionais.

Que incentivos funcionam e fazem um professor escolher uma escola em detrimento de outra?

Se se pretende usar os incentivos para promover a mobilidade dos professores, quais são os incentivos que as escolas/ municípios podem introduzir? E em que medida é que esses incentivos são eficazes para atrair professores mais experientes? Estas são as duas perguntas-chave. De seguida, apresentam-se as respostas possíveis (e algumas áreas cinzentas).

Como em todas as profissões, as escolhas profissionais dos professores são baseadas numa série de critérios. Há questões pessoais e familiares que podem ditar preferências geográficas. Há desafios profissionais aliciantes, por exemplo com projectos educativos alinhados com as áreas de formação dos professores. Há ambições e carreiras que enquadram percursos de vida. E há os rendimentos e os respectivos custos de vida (que varia consoante a área geográfica) – que podem não ser o mais importante mas também não podem deixar de ser ponderados. Como estabelecer incentivos nas políticas públicas que interajam com estes critérios? As duas estratégias mais frequentes são bonificações salariais e benefícios na progressão da carreira.

Primeiro, os salários. Aumentar salários funciona? Sim, mas sem efeitos bombásticos. Nos EUA, onde este tema tem merecido maior atenção, um estudo (2002) apontou para a relação entre salários mais elevados e o recrutamento de “melhores” professores. Ou seja, nos Estados onde surgem salários mais elevados, conseguiu-se atrair professores mais experientes e melhor avaliados – embora os efeitos se verifiquem sobretudo nos casos em que as escolas têm flexibilidade para fixar bonificações ou salários, uma vez que, quando os salários são definidos a nível estadual, os efeitos ficam menos significativos. Num estudo mais recente (2018), relativo às reformas no Uruguai, constatou-se que a introdução de bonificações conseguiu atrair os professores mais experientes para as escolas mais “difíceis” (isto é, aquelas com alunos mais desfavorecidos e resultados escolares mais baixos). Os resultados não foram estrondosos, mas foram significativos: a média de experiência dos professores nessas escolas aumentou 2/3 anos, mostrando que os professores reagiram aos incentivos.

Se o caminho for através de bonificações salariais, estas têm de cumprir as limitações orçamentais. Se se optar antes pelas compensações na carreira, estas têm de ser proporcionais, de modo a não gerar “ultrapassagens” injustas.

Quando a opção é bonificar salários, o mais difícil é definir os valores, visto que é preciso que a bonificação seja atractiva mas, também, que se enquadre nos limites orçamentais: se a bonificação fosse equivalente à duplicação do salário, certamente que seria muito eficaz na atracção dos professores, mas igualmente insustentável no plano orçamental e enquanto política pública.

Um exemplo interessante para o ilustrar é o caso francês. Este é um exemplo de realidade mais próxima à portuguesa, na medida em que decorreu num sistema educativo cujas características são comparáveis ao nosso – um sistema muito centralizado e no qual o recrutamento dos professores é pouco flexível. O que aconteceu em França? Em 1990, o ministério introduziu incentivos financeiros para atrair professores experientes para “escolas difíceis” – as chamadas “Zones Éducatives Prioritaires” (ZEP, criadas em 1982), que em Portugal também foram criadas e apelidadas de Escolas TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária). Inicialmente, esses incentivos foram bonificações salariais de 300 euros por ano (30 euros por mês) – um aumento à volta de 2,5% para um professor em início de carreira e de 1% para um professor mais experiente. Em 1991, o valor quase duplicou (52 euros/ mês) e em 1992 quase triplicou (79 euros/ mês). Que resultado tiveram esses incentivos? Nenhum: não se conseguiu atrair professores mais experientes e não se conseguiu fixar os professores nessas escolas. O feedback então recebido levou à conclusão de que os incentivos financeiros eram muito baixos tendo em conta o desgaste profissional que a escolha por essas “escolas difíceis” implicava. Dito de forma simples: o ganho não compensava o “esforço”.

Reagindo ao fracasso desses incentivos, o Ministério da Educação francês optou por mudar o ângulo. Do ponto de vista orçamental, não era sustentável continuar a aumentar o valor dos bónus salariais. Então, a compensação começou a ser aplicada sobre a própria carreira dos professores: acumular anos em escolas ZEP passou a ser recompensado com pontos, que faziam subir os professores na escala da mobilidade. Ou seja, passar 5 anos numa escola ZEP permitia, depois, obter condições para conseguir uma colocação numa outra escola mais concorrida, passando à frente de colegas eventualmente com mais anos de serviço embora sem passagem por “escolas difíceis”. Resultados: eficácia aumentou e mais professores passaram a escolher as escolas ZEP.

A conclusão desta experiência francesa ajuda a acertar o tom geral. Onde a autonomia das escolas se estende ao recrutamento dos professores, tudo é mais flexível e simples. Onde se verifica maior centralismo, a introdução de incentivos é eficaz desde que, entre os professores, esse incentivo seja percepcionado como compensador – o que é, diga-se, perfeitamente lógico. O desafio está em conseguir um ponto de equilíbrio nas políticas públicas. Se o caminho for através de bonificações salariais, estas têm de cumprir as limitações orçamentais. Se se optar antes pelas compensações na carreira, estas têm de ser proporcionais, de modo a não gerar “ultrapassagens” injustas. Só quando esse ponto de equilíbrio é alcançado se pode pretender que os efeitos das medidas sejam sustentáveis ao longo do tempo.

Portugal: um obstáculo e duas soluções

Uma das lições a retirar da comparação internacional é que a autonomia das escolas assume um papel determinante. Quanto maior o poder de decisão das escolas sobre a gestão dos seus recursos humanos, mais equilibrada se torna a distribuição dos professores pelo território – ou seja, mais professores experientes optarão pelas escolas mais difíceis, na medida em que essas escolas, usando da sua autonomia, lhes oferecem condições mais vantajosas (funções de liderança ou remunerações mais elevadas). A tradução dessa lição para o caso português é difícil de fazer – mas é possível.

Comecemos pelo obstáculo. Em Portugal, a colocação dos professores nas escolas é efectuada através de um processo centralizado e gerido pelo próprio ministério. Simplificando, o concurso nacional hierarquiza os professores em função de vários critérios, nos quais sobressaem o tempo de serviço e a sua classificação no momento da formação. E os melhor classificados são os primeiros a preencher as vagas disponíveis – sem qualquer diferenciação na remuneração. A consequência óbvia deste mecanismo é que os professores mais experientes e melhor classificados conseguem ficar com as vagas nas escolas mais concorridas (geralmente onde existe maior densidade populacional), remetendo as restantes vagas menos apetecíveis para os que se classificaram mais abaixo (geralmente mais inexperientes). Ou seja, este modelo de concurso nacional não gera qualquer incentivo aos professores para escolher as áreas mais isoladas do país – ganha-se o mesmo salário por dar aulas em Lisboa, Vila Real, Anadia ou Mértola. E, como tal, os professores seguem as opções mais convenientes para a sua vida familiar, optando pelos centros urbanos e pelos concelhos do litoral do país.

O que é feito nos Açores corresponde ao que, nas comparações internacionais, se tem revelado mais eficaz: bonificações salariais (de valor relevante) e compensação pelo tempo de serviço. Não há, portanto, razões para que tal não possa ser igualmente feito para os professores de Portugal continental.

O que significa isto? Que o concurso nacional e centralizado actualmente existente tem este “efeito secundário”: é promotor da desigualdade na distribuição dos professores (as regras não geram incentivos para que os professores escolham diferentemente). Visto que a comparação internacional mostra como os sistemas centralizados tendem a evitar incentivos ou flexibilidade nos concursos nacionais, como é que se ultrapassa este obstáculo aparentemente intransponível?

Algumas soluções existem. A mais duradoura, mas também a mais difícil de implementar no imediato, é acabar com o concurso nacional. Se o sistema centralizado é parte do problema, porque não simplesmente substituir esse procedimento por um mecanismo descentralizado – a nível das regiões, dos municípios ou das escolas, por exemplo? A ideia poderá até soar revolucionária para o contexto português, onde é prática usual confiar ao Estado os vários processos de selecção. Mas, no contexto europeu, como vimos, Portugal não é a norma, mas sim a excepção: a grande maioria dos países adoptou mecanismos de contratação de professores muito mais autónomos, onde as escolas ou autoridades locais lideram os processos. A vantagem é evidente: com maior proximidade, a selecção de professores torna-se mais alinhada com as necessidades específicas das escolas e das populações. Este é, eventualmente, um caminho que em Portugal se terá de percorrer, transferindo as responsabilidades actualmente no ministério para os municípios no que à gestão dos recursos humanos diz respeito. Dito isto, uma vez que as implicações são numerosas, por exemplo a nível das carreiras dos professores, a acontecer, esta será uma reforma estrutural de planeamento longo.

Há mais soluções possíveis e também mais imediatas. Uma delas é a introdução de um sistema misto, que permita que, enquanto se mantém o concurso nacional, os municípios possam mesmo assim estabelecer incentivos (tais como bonificações salariais) para atrair os professores mais experientes para as suas escolas. Por exemplo, permitir que um município ofereça 300 euros mensais aos professores com mais de 25 anos de experiência que, vindo de fora, viessem preencher vagas nas escolas da localidade – estabelecendo, naturalmente, um conjunto de condições. Na prática, o princípio é exactamente o mesmo que, recentemente, o governo celebrou para os médicos – criou incentivos financeiros para que os médicos se candidatassem a lugares em hospitais do Interior, e conseguiu somar 150 médicos ao número de efectivos. De acordo com as declarações do ministro, o objectivo é alargar a prática às várias áreas da administração pública (embora não haja indícios da intenção de alargar aos professores).

Para os que acharem que a iniciativa seria uma afronta ao normal funcionamento do sistema educativo, há uma informação complementar importante: isto já existe em Portugal. Na Região Autónoma dos Açores, a necessidade de contratar e fixar professores levou a que fossem instituídos benefícios (financeiros e não só) para os professores de fora que optassem por se candidatar às vagas nas escolas da região. O problema é o mesmo das regiões do Interior do território nacional – isolamento geográfico, menor densidade populacional, resultados escolares abaixo da média nacional e uma dificuldade sistemática em atrair recursos humanos qualificados. E, do ponto de vista jurídico, só muda a autonomia administrativa de que as regiões autónomas desfrutam – sendo que, neste caso, tais poderes poderiam (eventualmente) ser incluídos no âmbito da descentralização.

Olhemos com mais detalhe para o caso dos Açores. De acordo com o “Estatuto do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário na Região Autónoma dos Açores”, nos seus artigos 90.º e seguintes, verificou-se a existência continuada de carência de pessoal docente devidamente habilitado. Como tal, por resolução do Conselho do Governo Regional, determinou-se a aplicação de incentivos à estabilidade do corpo docente – leia-se, à atracção e fixação de professores.

Que incentivos são esses? São quatro: subsídio de fixação; bonificação de juros bancários; acesso prioritário à formação; e compensação de tempo de serviço. Destes, há três particularmente relevantes. Primeiro, o subsídio de fixação corresponde a uma percentagem do índice 100 do estatuto remuneratório da carreira durante 3 anos – 45% no primeiro ano (409 euros mensais), 35% no seguinte (318 euros mensais) e 25% no último (227 euros mensais). Ou seja, este subsídio de fixação consiste num efectivo aumento salarial (decrescente) durante um período, podendo esse período ser estendido (e, nesses casos, mantém-se a percentagem de 25%). Segundo, as bonificações nos juros bancários em empréstimos para aquisição e/ou beneficiação de casa própria. Isto na condição de que esta constitua a residência permanente do docente, quando a mesma se localize na área de influência da escola (para as escolas situadas em cidades, o limite é o concelho). Ou seja, quem nesse período se quiser instalar, terá acesso a vantagens nos empréstimos bancários – uma forma de fazer com que os professores criem as suas raízes na região. Terceiro, a compensação de tempo de serviço, que corresponde uma bonificação de dois valores, a somar à respectiva graduação profissional, para valer só para a primeira candidatura após o termo do período de 3 anos – nos quais o professor tem de ficar sem concorrer e sempre na mesma escola.

Assim sendo, o que é feito nos Açores corresponde ao que, nas comparações internacionais, se tem revelado mais eficaz: bonificações salariais (de valor relevante) e compensação pelo tempo de serviço. Não há, portanto, razões para que tal não possa ser igualmente feito para os professores de Portugal continental, nomeadamente nas regiões do Interior, para as quais o governo tem de resto promovido este tipo de mecanismos de incentivos para outros profissionais (médicos).

So what? Cinco ideias-chave

Ideia-chave um: faltam medidas específicas para o Interior do país na Educação – já as vai havendo noutras áreas. Em média, nos concelhos do Interior, os desempenhos escolares dos alunos tendem a ser mais baixos do que os dos alunos do litoral (e da média nacional). Além disso, em média, os professores que ensinam nesses concelhos têm menor experiência do que os que escolhem as vagas no litoral. Estes dois factos estão ligados: as medidas mais eficazes para elevar os desempenhos escolares é apostar nos professores. Ora, este desequilíbrio regional do sistema educativo deve ser corrigido.

Ideia-chave dois: o desequilíbrio na distribuição dos professores pelo território nacional é resultado do concurso nacional centralizado, na medida em que este não promove qualquer incentivo para que os professores mais graduados escolham escolas “mais difíceis” – ganha-se o mesmo a trabalhar numa escola boa ou numa escola com desafios estruturais, a trabalhar em Lisboa ou numa aldeia vila isolado do Alentejo. Assim sendo, é lógico que os professores mais graduados (que escolhem primeiro onde querem ser colocados) optem pelo litoral – é onde o nível de vida é melhor.

Ideia-chave três: as comparações internacionais revelam que Portugal está isolado no seu centralismo na gestão dos recursos humanos das escolas. Na grande maioria dos países europeus, existe uma autonomia de decisão das escolas, dos municípios ou de autoridades regionais. Essa descentralização da decisão permite às escolas ter uma voz activa na contratação dos professores e alinhar as suas necessidades pedagógicas com determinados perfis de docência. Será um caminho longo, mas Portugal terá eventualmente de se aproximar deste modelo administrativo – que é muito mais eficaz.

Ideia-chave quatro: uma solução de curto prazo para o caso português passaria por introduzir incentivos, a nível municipal, tornando mais apelativas as vagas nos concelhos do Interior. Seguindo as experiências e práticas internacionais, esses incentivos seriam de vários níveis: bonificações salariais, apoios à habitação (juros bancários) e compensações de tempo de serviço. Vários estudos mostram que, quando devidamente aplicados, estes sistemas de incentivos são eficazes para atrair professores para “escolas difíceis”.

Ideia-chave cinco: esta solução já existe para os médicos (introduzida pelo governo) e para os professores (na Região Autónoma dos Açores). Isto mostra não somente que o “problema” está diagnosticado pelas autoridades públicas, como também que ele está a ser enfrentado em casos pontuais. O alargamento de soluções semelhantes para a Educação e para os professores é, portanto, uma questão que deverá ser de implementação simples e com mais-valia evidente.

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