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Portugal não está preparado para um tornado?

Os tornados têm vindo a aumentar? Porque é que atingem quase sempre o Algarve e o Alentejo? Quais foram os mais graves em Portugal? As oito perguntas essenciais e as respostas dos especialistas.

Em menos de uma semana, dois tornados causaram fortes danos no Algarve. As imagens impressionam: telhados que voaram, árvores arrancadas pela raíz e muros derrubados. Também a história mostra que o Algarve e o Alentejo são as regiões mais afetadas pelos tornados — um fenómeno que, apesar de raro, parece tornar-se mais frequente em Portugal.

O Observador falou com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e com dois especialistas para tentar responder às principais questões. Afinal, o que é um tornado e como se forma? O que se passa para que sejam cada vez mais frequentes no nosso país? Porque é que o Algarve e o Alentejo são as regiões mais afetadas? E o que podemos aprender com as ocorrências do passado para melhorar a prevenção?

Tornado no Algarve: comunidade de 100 pessoas desalojada, casas destruídas

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O que é um tornado?

Um tornado é uma coluna de ar em rotação rápida e violenta que se forma em terra quando estão reunidas as condições meteorológicas para tal.

Distingue-se dos furacões em quatro fatores essenciais: forma-se em terra (os furacões formam-se no oceano), tem uma dimensão que pode chegar a algumas centenas de metros (mas nunca aos quilómetros dos furacões), dura breves minutos, habitualmente menos de uma hora (enquanto os furacões podem estar ativos durante semanas) e atinge velocidades enormes, de até 500 quilómetros por hora (ao passo que os furacões não passam, habitualmente, dos 290 quilómetros por hora).

De acordo com a agência norte-americana para a meteorologia (NOAA, na sigla em inglês), “para um vórtice ser classificado como tornado, tem de estar em contacto tanto com o solo como com a base da nuvem”. Contudo, segundo a mesma agência, não há consenso entre os meteorologistas na classificação da maioria dos eventos a que se pode chamar tornado.

Informação pública disponibilizada pelo centro espacial norte-americano Goddard, da NASA, descreve os tornados como circulações de ar “em pequena escala”, quando comparados com os furacões: muito mais rápidos e violentos, mas de muito menor dimensão e em terra.

Como se forma um tornado?

Um tornado forma-se quando se verifica uma situação de contraste de temperatura e pressão entre a zona superior e a zona inferior da atmosfera, contraste esse que provoca uma deslocação de grandes massas de ar a grande velocidade.

Alfredo Rocha, professor do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, explica ao Observador que é este “contraste entre a temperatura de atmosfera, fria e seca em cima, quente e húmida em baixa“, que está na origem dos tornados.

Estas condições verificam-se quando, por exemplo, há ventos quentes a entrar a uma altitude relativamente baixa, “aumentando o nível de instabilidade”. As chuvas intensas em períodos de tempo curtos também contribuem para esta situação, aumentando a humidade da zona mais baixa da atmosfera.

Os tornados podem formar-se devido a diferentes fenómenos que, de uma forma ou de outra, levem a que estas condições estejam reunidas. Por exemplo, o tornado desta segunda-feira, no Algarve, esteve associado a uma supercélula — um tipo de tempestade muito forte –, explicou ao Observador a meteorologista Maria João Frada, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

O tornado em Faro provocou danos graves este fim de semana (Norberto Esteves/Facebook)

Norberto Esteves/ Facebook

Os tornados estão a tornar-se mais frequentes em Portugal?

“O IPMA não tem nenhuma informação que sustente uma maior predominância ou frequência de tornados em Portugal nos últimos anos”, responde a meteorologista Maria João Frada, sublinhando que “a única coisa que se pode dizer com certeza é que, quando há uma determinada situação meteorológica em que estejam reunidos os ingredientes suficientes para se formar um tornado, pode acontecer”.

A meteorologista do IPMA recusa também qualquer ligação entre os tornados recentes em Portugal e as alterações climáticas. “Não tem nada a ver“, assegura Maria João Frada.

Também o geofísico Filipe Duarte Santos sublinha, ao Observador, que “em Portugal sempre houve tornados”, apesar de apenas haver registos “a partir de meados do século passado”. “Agora, são um pouco mais frequentes“, admite.

Os dados da European Severe Weather Database, a mais importante base de dados sobre fenómenos atmosférios extremos no continente europeu, indicam que nos últimos cem anos foram registados 91 tornados em Portugal.

Os dados, contudo, são mais consistentes a partir da década de 80, mostrando não só uma tendência geral para o aumento do número de tornados, mas também o facto de haver picos — anos em que as condições meteorológicas favoreceram a ocorrência de vários tornados, como 2002, 2006, 2008 ou 2010.

O geofísico Filipe Duarte Santos diz ao Observador que “os tornados não são a manifestação mais evidente da mudança do clima”, destacando que é mais preocupante o facto de a precipitação anual vir diminuindo. “Desde 1960, a precipitação em Portugal diminuiu cerca de 40 milímetros por década, ou seja, já diminuiu mais de 200 milímetros desde essa altura”, explica o especialista.

O crescente número de fenómenos meteorológicos extremos, como é o caso dos tornados, é outra das faces das alterações climáticas, esclarece o cientista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Concretamente no caso dos tornados, o problema reside no aumento da temperatura provocado pelas alterações climáticas.

“Desde os anos 70, a temperatura tem aumentado 0,4ºC por década”, sublinha Filipe Duarte Santos, explicando com um exemplo prático: “Com o aumento da temperatura, a atmosfera contém mais o vapor de água. É como quando abrimos a água quente numa casa de banho, provocando uma espécie de nevoeiro, que é vapor de água. Também a atmosfera fica com mais vapor de água com o aumento da temperatura. Com esse vapor de água, a atmosfera torna-se mais energética, havendo mais movimentos convectivos, movimentos ascendentes na atmosfera, que dão origem a trovoadas, ventos fortes. Quando há uma situação de depressão, de pressões baixas, originam-se contrastes de temperatura que geram os tornados”.

Para Filipe Duarte Santos, não há dúvidas: “O aquecimento global é o principal motivo. E as alterações climáticas manifestam-se não apenas pelo aumento da temperatura média em todos os sítios do mundo, mas também pelo aumento da frequência de fenómenos extremos, como os tornados”.

Quais foram os tornados mais graves em Portugal?

Apesar de os tornados não serem o fenómeno meteorológico mais comum em Portugal, há registos de tornados bastante graves nos últimos anos.

Em 15 de abril de 2010, por exemplo, um tornado formou-se junto ao rio Tejo, em Lisboa, atirando pedras contra os carros. Se aquele tornado foi apenas um susto — os danos não passaram de riscos nos automóveis que levaram com as pedras arrastadas pelo vento –, um outro registado na zona centro do país em dezembro do mesmo ano foi considerado, na altura, o mais intenso em 20 anos, provocando graves danos nos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Sertã.

"O aquecimento global é o principal motivo. E as alterações climáticas manifestam-se não apenas pelo aumento da temperatura média em todos os sítios do mundo, mas também pelo aumento da frequência de fenómenos extremos, como os tornados"
Filipe Duarte Santos, geofísico

Em 16 de novembro de 2016, um outro forte tornado atingiu o concelho de Silves, no Algarve, provocou 13 feridos. O fenómeno, que provocou rajadas de 270 quilómetros por hora, foi um dos mais devastadores registados em Portugal: estruturas de alumínio foram arrancadas de varandas, cadeiras voaram do estádio de Silves, árvores foram arrancadas pela raiz e até a cúpula do telhado dos Paços do Concelho voou até ao chão. A devastação foi tal que a notícia do caos chegou à BBC.

O Algarve e o Alentejo têm sido das regiões mais afetadas por este tipo de fenómenos. Só na noite de 24 para 25 de outubro de 2016, em menos de cinco horas, foram registados quatro tornados entre estas duas regiões. Árvores foram derrubadas e telhas do pavilhão municipal caíram sobre os carros que se encontravam estacionados na rua, mas não houve feridos.

Agora, o fenómeno tornou a repetir-se. Na semana passada, um tornado de fraca intensidade virou barcos e danificou carros em Faro. Esta semana, o problema foi mais grave: uma comunidade de 100 pessoas ficou desalojada na sequência de um novo tornado no Algarve, que provocou a queda de muros e de árvores.

Porque é que os tornados se formam sobretudo na zona do Algarve e Alentejo?

O professor Alfredo Rocha, da Universidade de Aveiro, explica que esta realidade tem a ver com as condições de formação dos tornados: “Habitualmente, as condições atmosféricas que podem gerar tornados são os ventos quentes, de baixo nível, vindos de Sudoeste, com muito vapor de água, porque isso significa ar quente e húmido a entrar no continente”.

Um stand de automóveis em Faro ficou danificado este domingo (Norberto Esteves/Facebook)

Norberto Esteves/ Facebook

Quando há ventos e chuva vindos de Norte, não se formam tornados“, acrescenta, sublinhando que os ventos mais quentes são os que vêm do Oceano Atlântico, “sobretudo da zona sul”. “Por isso é que as regiões mais afetadas são habitualmente o Algarve e o Alentejo: são as primeiras a receber estes ventos. Mas isso não quer dizer que não se verifiquem tornados noutras zonas do país”, esclarece o cientista.

É possível prever um tornado?

Sim, mas com muito menos antecedência do que um furacão: enquanto o aviso meteorológico para um furacão pode chegar com vários dias de antecedência, o aviso relativo a um tornado é emitido habitualmente entre 15 e 30 minutos antes da ocorrência.

Segundo explica a agência meteorológica norte-americana, a previsão de tornados é muito difícil porque “uma grande variedade de padrões meteorológicos podem conduzir a tornados e, frequentemente, padrões semelhantes podem nem sequer produzir mau tempo”.

Como se avalia a intensidade de um tornado?

A intensidade dos tornados é medida através da escala de Fujita, desenvolvida em 1971 pelo meteorologista Theodore Fujita, na Universidade de Chicago. A escala tem seis níveis, de F0 (danos ligeiros) até F5 (devastação total).

Segundo explicou a meteorologista do IPMA Maria João Frada ao Observador, o tornado registado no Algarve na semana passada foi de F0. Já o registado este domingo foi de intensidade F1 (danos moderados).

O tornado verificado nos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Sertã em dezembro de 2010 teve intensidade F3 (danos graves), sendo o mais intenso alguma vez registado em Portugal.

"Quando há ventos e chuva vindos de Norte, não se formam tornados. Os ventos mais quentes vêms obretudo da zona sul. Por isso é que as regiões mais afetadas são habitualmente o Algarve e o Alentejo: são as primeiras a receber estes ventos"
Alfredo Rocha, professor do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro

Portugal está preparado para um tornado?

Para Alfredo Rocha, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, o país não está preparado para a maioria dos fenómenos atmosféricos extremos. “Como não estamos habituados, porque no passado acontecia muito menos frequentemente, não estamos preparados”, considera o cientista.

“Isto são alterações, sobretudo ao nível da temperatura, que estão a acontecer muito depressa. Estamos a falar de cinco anos, dez anos. Não tivemos tempo para nos preparar”, explica.

O cientista exemplifica: “Ao nível das estradas, das infraestruturas, dos edifícios, dos sistemas de drenagem, há muita falta de preparação. Um caso que explica bem isto são os aluimentos de terras que têm acontecido. Aconteceu agora em Santa Comba Dão e até provocou o descarrilamento de um comboio“.

Segundo Alfredo Rocha, “os terrenos não têm tempo para drenar e as inundações nas cidades multiplicam-se”. “Se, de facto, este tipo de eventos vier a acontecer com mais frequência, é necessário proteger melhor as arribas, e redimensionar todo o sistema de drenagem de águas”, por exemplo.

O geofísico Filipe Duarte Santos concorda e dá um exemplo norte-americano: “No que diz respeito aos tornados, certas regiões dos Estados Unidos, sobretudo no midwest e no Sul, onde há muito mais tornados do que em Portugal, eles têm inclusivamente uma aplicação para o telemóvel que deteta a localização do utilizador e, se estiver numa zona de risco grande ou se um tornado se estiver a aproximar, é enviada uma mensagem com o alerta“.

A implementação de uma aplicação semelhante em Portugal “seria útil não apenas para tornados, como também para incêndios florestais”, remata o cientista.

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