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Pré-publicação. Querem salvar a Terra? Comecem em casa

"Eu sou a pessoa que está a colocar em perigo os meus filhos". O Observador faz a pré-publicação do mais recente livro de Jonathan Safran Foer, "Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-Almoço".

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Enquanto autor, Jonathan Safran Foer é reconhecido por dois motivos. O primeiro tem a ver com os romances que já escreveu, com a sua obra de ficção. Aqui é provavelmente mais conhecido por “Extremamente Alto e Incrivelmente Perto”, que foi adaptado ao cinema por Stephen Daldry, em 2012. O segundo motivo está relacionado com a sua escrita enquanto defensor das políticas de defesa do ambiente, crítico do negacionismo face às alterações climáticas e vegetariano militante (é dele o livro “Comer Animais”). É aqui que se inscreve o seu mais recente livro: “Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-Almoço”, publicado originalmente nos EUA em 2019.

É uma coleção de relatos na primeira pessoa, de memórias, de recolha histórica e de números. Foer (escritor americano de 43 anos) procura atingir um simples objetivo: explicar ao leitor que, embora haja muito que não seja da sua responsabilidade nem esteja ao seu alcance, há muitas outra decisões e ações que estão — e delas depende a vida do planeta que habitamos. É deste livro, que chega às livrarias a 2 de junho, que publicamos um excerto.

A capa de “Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-Almoço”, de Jonathan Safran Foer (Objectiva)

A Casa É Quase Sempre Imperceptível

Estou em Brooklyn, sentado no chão do quarto do meu filho, enquanto escrevo estas palavras no teclado. Ele não passa praticamente nenhum do tempo em que está acordado aqui e, portanto, a não ser quando apanho a roupa suja, eu também não. É por isso que ainda sou capaz de distinguir os odores subtis, diferentes dos do resto da casa: o bolor quase imperceptível da colecção Landmark Books que herdou do tio, o sabonete e o champô que são exclusivos da casa de banho dele, o cheiro dos ursos, porcos e tigres de peluche que recebeu nos aniversários, ganhou em feiras ou foram trocados por dentes.

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Alguma vez tomou subitamente consciência do cheiro da sua casa? Talvez ao regressar de uma viagem prolongada? Ou porque uma visita o mencionou? Em circunstâncias normais, somos literalmente incapazes sentir o cheiro do lugar onde vivemos — o cheiro de qualquer coisa a que estejamos habituados. Segundo a psicóloga cognitiva Pamela Dalton, após somente duas inalações, «é como se os receptores do nariz se desligassem». Tendo decidido que um cheiro não é ameaçador, deixamos de lhe prestar atenção. Arranje um purificador de ar e veja se ao fim de uma semana dá consigo a questionar-se se está a resultar. Esta rápida adaptação ao cheiro é, provavelmente, resultado da evolução: em vez de dedicarmos a nossa atenção a algo que sabemos ser seguro, podemos dirigir os nossos recursos para detectar estímulos novos, e potencialmente perigosos, no nosso ambiente. Muitos biólogos evolucionistas acreditam que isto surgiu da necessidade de detectar quando a carne já não era segura para comer.

Parece falso que este fenómeno também se aplique à visão e à audição — que deixemos de ouvir algo após alguns segundos de escuta ou de ver algo depois de alguns segundos de o observarmos —, mas é precisamente isso que acontece. Embora não seja tão acentuada como no caso do olfacto, a adaptação sensorial aplica-se a todos os sentidos. As pessoas que vivem junto de estaleiros de construção tendem a não ouvir o barulho. Quando se pousa a mão num cão, de início sente-se o calor e o pêlo, mas após alguns momentos deixa-se de se ter consciência de que se está a tocar no que quer que seja. O céu está no meu campo de visão durante a maior parte do dia mas, a não ser quando concentro deliberadamente a minha atenção em algo — a Lua diurna, o arco-íris —, sou capaz de esquecer por completo que o céu lá está. O que está sempre lá deixa de estar lá.

Nas palavras do astronauta William Anders, da Apolo 8: «Viemos tão longe para explorar a Lua e a coisa mais importante que descobrimos foi a Terra»

Para a maioria das pessoas, a casa é o lugar mais familiar e menos ameaçador. Devido a isso, é também o lugar onde somos menos capazes de percepcionar com rigor.

Vislumbres de Casa

É preciso distanciarmo-nos, pelo menos, 30 mil quilómetros da Terra para vermos que é um globo. «O Berlinde Azul» não foi a primeira fotografia da Terra, mas a primeira do conjunto todo iluminado. A fotografia que se tornou uma das imagens mais reproduzidas e reconhecíveis não só da Terra, mas na Terra, foi tirada por um impulso em parte ilícito. «As sessões fotográficas eram momentos calendarizados num plano de voo rigoroso que pormenorizava cada passo essencial para o êxito», escreveu o cineasta Al Reinert. «A própria película era estritamente racionada, como tudo o resto nesses voos perigosos; havia a bordo vinte e três cassetes para as câmaras de 70 mm Hasselblad, doze a cores e onze a preto e branco, todas destinadas a fins documentais importantes. Também não se esperava que eles estivessem à janela.»

A Apolo 17 foi a última missão tripulada à Lua e, quando a equipa chegou ao destino, recolheu o maior número de amostras lunares até à data. Porém, as imagens da Terra demonstraram ser o seu contributo mais duradouro para a humanidade. Nas palavras do astronauta William Anders, da Apolo 8, o homem que tirou «Nascer da Terra», uma fotografia que precedeu «O Berlinde Azul»: «Viemos tão longe para explorar a Lua e a coisa mais importante que descobrimos foi a Terra.»

Muitas pessoas atribuíram o despertar do movimento ambientalista a essas primeiras fotografias da Terra. Algumas atribuem à fragilidade aparente do planeta nas imagens — sozinho, sem apoio e suspenso no negrume — a inspiração de um desejo colectivo de o proteger.

Os astronautas ficaram profundamente comovidos e transformados com a visão da Terra a partir do espaço. Não foi quando pousou na Lua que Alan Shepard chorou, mas quando olhou de lá para o seu planeta natal. A experiência é tão intensa e consistente entre os cosmonautas que lhe foi atribuído um nome, o «efeito da visão geral».

O sentimento de reverência é inspirado por duas coisas: a beleza e a vastidão. É difícil imaginar algo mais transformadoramente belo e vasto do que o planeta visto do espaço, sobretudo sendo enquadrado por uma vacuidade negra aparentemente infinita. Trata-se, talvez, da mais clara ilustração visual de interligação, da evolução da vida, do tempo profundo e do infinito. Deste ponto de vista, o «ambiente» já não é um ambiente, um conceito, um contexto, ali longe, fora de nós. É tudo, incluindo nós.

Desde que Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem no espaço, em 1961, só 567 pessoas viram a nossa casa à vista desarmada

Getty Images

O efeito da visão geral muda as pessoas. Um astronauta da Apolo tornou-se sacerdote depois de regressar à Terra. Outro iniciou-se em meditação transcendental e dedicou-se ao voluntariado. Um, Edgar Mitchell, fundou o Instituto das Ciências Noéticas, que investiga a consciência humana. «Na viagem de regresso a casa», disse Mitchell, «de olhos postos em 385 mil quilómetros de espaço na direcção das estrelas e do planeta de onde vim, tive subitamente a experiência de que o universo é inteligente, afectuoso, harmonioso».

Desde que Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem no espaço, em 1961, só 567 pessoas viram a nossa casa à vista desarmada. A maioria dos astronautas só viu a Terra parcialmente ensombrada, e a raridade de testemunhar o planeta totalmente iluminado foi, provavelmente, o que motivou um membro da equipa da Apolo 17 a fotografá-lo. Segundo o engenheiro aeroespacial Isaac DeSouza, «540 [agora 567] pessoas a terem experiência do espaço é uma novidade. Um milhão de pessoas a terem experiência dele é um movimento. Mil milhões de pessoas e revolucionámos a maneira como o planeta pensa na Terra.» Por essa razão, ele foi co-fundador da SpaceVR, uma startup que visa enviar para órbita um satélite equipado com câmaras de realidade virtual de alta resolução. Objectivo da empresa: «Proporcionar a todas as pessoas no mundo a oportunidade de experimentarem o “efeito da visão geral”.»

Ao comentar esta possibilidade, o investigador Johannes Eichstaedt, da Universidade da Pensilvânia, observou: «O comportamento é extremamente difícil de mudar, portanto, deparar com algo que tem um efeito tão profundo e reprodutível, devia fazer os psicólogos endireitarem-se e dizerem “O que se passa aqui? Como conseguimos mais disto?” […] No final, o que nos interessa é como induzir estas experiências. Ajudam de alguma maneira as pessoas a serem mais adaptáveis, a sentirem-se mais ligadas, a reformularem os problemas.»

Ao descrever a sua experiência não virtual do efeito da visão geral, o astronauta Ron Garan afirmou: «Fui inundado tanto por emoções como pela consciência. Porém, ao olhar para a Terra lá em baixo — este oásis espantoso e frágil, esta ilha que nos foi dada e que tem protegido toda a vida da severidade do espaço —, fui invadido pela tristeza e atingido no mais íntimo por uma contradição inegável e reveladora.»

Em 1988, o cientista da NASA James Hansen testemunhou perante a Comissão de Energia e Recursos Naturais do Senado dos EUA. «O aquecimento global», disse ele, «atingiu um tal nível que podemos atribuí-lo, com um elevado grau de confiança, a uma relação de causa e efeito entre o efeito de estufa e o aquecimento observado.»

Que contradição? A de que o nosso planeta nos protege da severidade do espaço mas nós não o protegemos da nossa severidade? De que, embora todas as pessoas saibam que vivemos na Terra, só conseguimos acreditar nisso saindo dela?

Vislumbres de Nós Próprios

Os primeiros óculos, fabricados em Pisa, remontam a cerca de 1290. Uma década mais tarde, em Veneza, foi inventado o espelho convexo, aparentemente uma descoberta acidental, relacionada com o desenvolvimento das lentes usadas nos óculos. Os raros espelhos que existiam eram baços, imprecisos e deformavam. Tal como uma viagem à Lua nos permitiu vermos o nosso próprio planeta, uma invenção que visava ajudar-nos a ver os outros permitiu-nos vermo-nos.

Enquanto as primeiras imagens nítidas da Terra inspiraram os seus habitantes a protegê-la, dando início ao movimento ambientalista, os primeiros reflexos nítidos dos nossos antepassados inspiraram-nos a compreenderem-se. Em 1500, uma pessoa abastada podia comprar um espelho. «Quando o século xiv terminou e as pessoas a começarem a ver-se como membros individuais das suas comunidades», escreve o historiador Ian Mortimer, «começaram a enfatizar os seus relacionamentos pessoais com Deus. Vê-se essa transformação reflectida nos mecenatos religiosos. Se em 1340 um homem abastado mandasse construir uma capela a um patrono onde se rezassem missas pela sua alma, faria decorar o interior com pinturas religiosas, como a adoração dos Reis Magos. Em 1400, se o descendente do fundador redecorasse essa capela, far-se-ia retratar como um dos Reis Magos». A disseminação dos espelhos também deu lugar a uma multiplicação do auto-retrato (que pode ser considerado a selfie primitiva) e de romances na primeira pessoa, e intensificou a reflexão pessoal na correspondência epistolar.

Quando os bebés começam a reconhecer as suas imagens reflectidas, manifestam retraimento, fuga e embaraço, o que talvez seja o melhor exemplo de autoconsciência.

Underwater Scenes

O bodião-limpador (à direita) vive nos recifes que se extinguirão mesmo que tenhamos êxito a cumprir as metas do Acordo de Paris e só aquecermos a Terra em apenas 2°

Moment Editorial/Getty Images

Só sabemos de algumas espécies não humanas que reconhecem o seu reflexo nos espelhos. Entre elas estão as orcas, os golfinhos, os grandes símios, os elefantes e as pegas. Uma adição recente a esta lista é uma espécie de pequeno peixe dos corais que tem por nome bodião-limpador porque se alimenta de muco, parasitas e pele morta de peixes maiores. Normalmente, os cientistas testam o reconhecimento no espelho colocando uma mancha na cabeça do animal e vendo se interage com esta, estabelecendo a ligação entre a sua cabeça e o reflexo. Para examinarem os bodiões-limpadores, os cientistas introduziram indivíduos em tanques com espelhos. A princípio, o peixe comportou-se de um modo agressivo, atacando as imagens reflectidas. «A partir de determinado momento, porém», informa a National Geographic, «este comportamento deu lugar a algo bastante mais interessante». O peixe começou «a abordar os seus reflexos de barriga para o ar, ou precipitando-se rapidamente na direcção do espelho, mas detendo-se de imediato antes de lhe tocar. Nesta fase, dizem os investigadores, o bodião-limpador estava a “pôr à prova a contingência” — a interagir directamente com as suas imagens reflectidas e talvez a começar a compreender que estava a ver-se e não outro bodião». Depois de os peixes se terem habituado aos espelhos, os cientistas injectaram em alguns um gel colorido que era visível sob a pele — uma mudança que só conseguiam detectar se olhassem para as suas imagens reflectidas. Uns foram injectados com um gel que não lhes fazia nada à pele e outros com o gel colorido, mas não dispunham de espelhos. «Os peixes injectados com o marcador transparente não se roçavam e os que tinham o marcador colorido também não o faziam quando não havia espelho. Só quando os peixes conseguiam ver a sua marca num espelho é que tentavam roçar-se para a tirar, o que dava a entender que reconheciam os reflexos como sendo os seus corpos.»

O bodião-limpador vive nos recifes que se extinguirão mesmo que tenhamos êxito a cumprir as metas do Acordo de Paris e só aquecermos a Terra em apenas 2°.

Cerca de uma década depois de «O Berlinde Azul» ter circulado pelo planeta, surgiram provas irrefutáveis do aquecimento global antropogénico. Em 1988, o cientista da NASA James Hansen testemunhou perante a Comissão de Energia e Recursos Naturais do Senado dos EUA. «O aquecimento global», disse ele, «atingiu um tal nível que podemos atribuí-lo, com um elevado grau de confiança, a uma relação de causa e efeito entre o efeito de estufa e o aquecimento observado.» O seu testemunho ajudou a introduzir a expressão «aquecimento global» no vernáculo norte-americano. Nesse ano, o então candidato presidencial George W. Bush, que se considerava ambientalista, proferiu um discurso em Michigan, a capital dos automóveis da América, no qual disse: «A nossa terra, a nossa água e o nosso solo suportam uma variedade notável de actividades humanas, mas têm um limite e não devemos esquecer-nos de tratá-las, não como adquiridas, mas como uma dádiva. Estas questões não conhecem ideologia nem fronteiras políticas. Não é de uma coisa liberal ou conservadora que estamos a falar.» Ele comprometeu-se a «combater o efeito de estufa com o efeito Casa Branca». Nesse ano, quarenta e dois senadores — dos quais cerca de metade eram republicanos — exortaram Reagan a insistir num tratado internacional seguindo o modelo do acordo para o ozono.

Vale a pena revisitar o acordo para o ozono, mais que não seja porque demonstra a possibilidade de cooperação ambiental internacional. Assinado em 1987, foi denominado Protocolo de Montreal, e a versão original exigia que os países desenvolvidos começassem a eliminar os clorofluorocarbonetos — compostos que destroem o ozono e se encontram nos refrigerantes e nos propulsores dos aerossóis — em 1993 e houvesse uma redução de 50% até 1998. Foi-lhes também pedido que suspendessem a produção e consumo de halons, compostos usados nos extintores de incêndios que danificam a camada de ozono. Segunda a EPA (Agência de Protecção Ambiental): «Devido a medidas tomadas ao abrigo do Protocolo de Montreal, as emissões de SEA [substâncias que esgotam o ambiente] estão a diminuir e espera-se que a camada de ozono esteja totalmente regenerada em meados do século XXI.»

Quase cinquenta anos depois de os astronautas da Apolo 17 terem fotografado «O Berlinde Azul», e cerca de trinta anos depois de James Hansen ter testemunhado pela primeira vez sobre o aquecimento global, os Estados Unidos elegeram um presidente que publicou mais de uma centena de tweets a exprimir cepticismo quanto às alterações climáticas.

Cerca de seis anos antes de James Hansen ter testemunhado no Congresso, e após de uma década de investimento em investigação das alterações climáticas, a Exxon cortou o orçamento para investigar como as emissões de CO2 dos combustíveis fósseis afectam o planeta, reduzindo-o em 83%. Em seguida, a indústria dos combustíveis fósseis lançou uma campanha de desinformação, produzindo relatórios falsos que, se lhes fosse dado crédito, isentariam os Estados Unidos de um auto-exame doloroso. No seu artigo de investigação «Losing Earth: The Decade We Almost Stopped Climate Change» (Perder a Terra: A Década em que Quase Detivemos as Alterações Climáticas), Nathaniel Rich escreve: «É incontestavelmente verdade que os empregados mais habilitados da empresa que viria posteriormente a ser a Exxon, como os da maioria das outras empresas de petróleo e gás, já sabiam dos perigos das alterações climáticas na década de 1950. No entanto, a indústria automóvel também o sabia e começou a orientar a sua própria investigação no início da década de 1980, assim como os principais grupos comerciais que representam a rede eléctrica. Todos eles são responsáveis pela nossa actual paralisia e tornaram-na mais dolorosa do que o necessário. No entanto, não o fizeram sozinhos. O governo dos Estados Unidos sabia… toda a gente sabia.»

E, todavia, continuámos a manifestar retraimento, fuga e embaraço. Estávamos — e, de certa maneira, continuamos a estar — nas primeiras fases de desenvolvimento no que concerne ao exame do nosso impacto no planeta: somos bebés a reconhecerem-se ao espelho.

Nos primeiros cem dias da presidência de George W. Bush — treze anos depois do discurso do pai em Michigan —, ele retractou-se da promessa de campanha de regular as emissões das centrais eléctricas a carvão e retirou os Estados Unidos do tratado global para as alterações climáticas de Quioto. A justificação que deu foi tão significativa quanto o próprio recuo: citou a dúvida científica. Bush prometeu que «a política para as alterações climáticas da sua Administração será baseada na ciência». Nesse ano, criou a Iniciativa para a Investigação das Alterações Climáticas dos Estados Unidos, tendo como uma das principais prioridades o estudo das «áreas de incerteza» na ciência das alterações climáticas. No discurso em que explicou a razão por que os Estados Unidos não fariam parte do Protocolo de Quioto, Bush declarou: «Não sabemos qual o efeito que as flutuações naturais do clima podem ter tido no aquecimento. Não sabemos em que medida o nosso clima pode, ou irá, mudar no futuro. Não sabemos com que celeridade ocorrerá a mudança, ou sequer como algumas das nossas acções podem ter impacto nessa mudança.»

Nos Estados Unidos, é mais fácil do que nunca para a esquerda responsabilizar a direita pela negligência ambiental, sobretudo agora que há um presidente que reduz as florestas nacionais, franqueia território protegido aos interesses petrolíferos, faz da Agência de Protecção Ambiental uma Agência de Protecção dos Combustíveis Fósseis, tenta reanimar a indústria do carvão, elimina a protecção federal dos cursos de água e abandona o Acordo de Paris. No entanto, essa responsabilização também pode ser um meio de virarmos as costas às nossas imagens reflectidas. Embora a sua Administração tenha alcançado algum progresso ambiental, Obama não conseguiu fazer aprovar a legislação sobre o clima durante os dois primeiros anos na presidência, quando dispunha de um Congresso com maioria democrata. Recentemente, alas que se presumem progressistas fracassaram no que diz respeito às alterações climáticas: o Estado de Washington rejeitou um imposto sobre o carbono, e o Colorado rejeitou abrandar os projectos de exploração de petróleo e gás. No exterior, os Franceses compareceram em grande número para protestarem contra um imposto sobre a gasolina. Ao cabo de três semanas de manifestações violentas, Emmanuel Macron anunciou que o imposto seria suspenso.

Sinais de progresso como a We Are Still In (uma coligação de líderes norte-americanos empenhados em alcançarem as metas do Acordo de Paris sem a ajuda do governo federal), a Last Plastic Straw (Última Palhinha de Plástico), a Meatless Mondays (Segundas-Feiras sem Carne), o imposto sobre os sacos de plástico e até o plano de acção da China para 2020 para fazer frente à poluição e às alterações climáticas — tudo isto serão apenas testes de contingência? Estaremos apenas a experimentar a maneira como o nosso comportamento afecta as nossas imagens reflectidas, como fazia o bodião-limpador antes de estabelecer a ligação? Apenas a começar a compreender que estamos a olhar para nós e não para governos ou grandes empresas? Estes são, sem dúvida, os primeiros passos, mas são apenas passos de bebé. E nós precisamos de começar a correr em direcção à mudança.

The Crew Of Apollo 17 Took This Photograph Of Earth In December 1972 While The Spacecraf

A foto da Terra tirada pela tripulação da missão Apolo 17

Getty Images

Quase cinquenta anos depois de os astronautas da Apolo 17 terem fotografado «O Berlinde Azul», e cerca de trinta anos depois de James Hansen ter testemunhado pela primeira vez sobre o aquecimento global, os Estados Unidos elegeram um presidente que publicou mais de uma centena de tweets a exprimir cepticismo quanto às alterações climáticas, incluindo estes:

Devíamos estar concentrados no ar esplendorosamente limpo e saudável, e não nos deixarmos distrair pelo embuste caro que é o aquecimento global.

Chamam-lhe agora «alterações climáticas» porque as palavras «aquecimento global» já não resultavam. As mesmas pessoas a batalharem arduamente para não perderem visibilidade!

Esta treta muito cara do AQUECIMENTO GLOBAL tem de parar. O nosso planeta está a gelar, há um recorde de temperaturas baixas e os nossos cientistas do AG estão atolados no gelo.

Qual é a sua resposta a estas declarações? Fúria? Terror? Desafio? A mim, enchem-me de uma raiva primitiva que só sinto quando alguém põe os meus filhos em perigo.

Contudo, essas reacções são inoportunas.

Há uma forma muito mais perniciosa de negação da ciência do que a de Trump: a forma que se exibe como aceitação. Aqueles de nós que sabemos o que está a acontecer, mas muito pouco fazemos a esse respeito, somos mais merecedores de ira. Devíamos estar apavorados connosco. Somos aqueles que é preciso desafiar. O auto-reconhecimento nem sempre indica autoconsciência, dizem os críticos do teste do espelho. Eu sou a pessoa que está a colocar em perigo os meus filhos.

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