A escolha de Marta Temido como cabeça de lista para as Europeias surpreendeu boa parte dos socialistas que via a ex-ministra alinhada para outra frente eleitoral, as autárquicas de 2025 e a Câmara de Lisboa — a própria tinha mostrado disponibilidade. Agora a maioria entende que essa candidatura ficou, no mínimo, “mais longe”, pelo que o partido já discute soluções para Lisboa, onde a estratégia e eventuais entendimentos políticos à esquerda podem ser decisivos para quem se vier a perfilar.
“Quadros não faltam ao PS”, diz uma fonte do partido onde já correm nomes para uma das candidaturas mais importantes do desafio eleitoral que se seguirá. “Com as saídas do Governo há muitos nomes disponíveis“, aponta outro socialista ao Observador. Em Lisboa já circulam nomes como o de Alexandra Leitão, atualmente líder parlamentar do PS, mas também o de Mariana Vieira da Silva, ex-ministra e vice da bancada. Há até quem lembre que no comício das legislativas do PS na Aula Magna, “só um falou da cidade de Lisboa”, apontando precisamente Vieira da Silva.
As referências da então cabeça de lista do PS pelo círculo de Lisboa foram ténues, ainda assim foram curiosamente mais do que as que fez Temido no mesmo comício, um pouco antes. Foi Mariana Vieira da Silva que falou por “Lisboa inteira” e que referiu a cidade para estabelecer diferenças face à direita que desafiou a dizer o que faria ao “alargamento do Metro de Lisboa” se ganhasse as eleições, acusou de “exclusão” dos imigrantes que estão na cidade e ainda, quando falou no PRR, declarou que era o PS que apostava na habitação pública. A responsável pela execução do Plano nos últimos anos a aproveitar para tocar num dos principais dramas da cidade. Nessa campanha, Mariana Vieira da Silva (muito próxima de Medina mas com boas relações com Pedro Nuno) fez a volta eleitoral pelo distrito e há socialistas que notaram o reconhecimento público que tem.
Há também o eterno socialista desejado pelo partido Duarte Cordeiro, que se afastou de cargos públicos enquanto não se esclarecerem todos os casos judicias que o envolvem. Sendo uma figura muito próxima do líder Pedro Nuno Santos e bem colocado em Lisboa, onde já foi vice de Fernando Medina, Cordeiro é visto como um nome que terá caminho aberto para o que for, mal mostre disponibilidade. Esta condição sempre ameaçou, de resto, uma eventual candidatura de Marta Temido — “sempre houve uma perceção precária da sua existência”, comenta um socialista –, ainda que o próprio tenha aparecido a lançá-la.
Temido pouco rendida à vida partidária
A incursão de Temido no aparelho partidário, mais concretamente na liderança da concelhia de Lisboa, também não deixou a ex-ministra propriamente rendida à lógica das estruturas. Aliás, a sua desilusão com o ambiente partidário foi mesmo verbalizada em entrevista à Renascença e ao Público no final do ano passado, quando se queixou do “ambiente de suspeição” que reinava face aos partidos e que a deixava menos disponível para cargos partidários. Essa experiência na primeira linha do aparelho partidário foi um acaso, tendo de assumir a liderança da concelhia de forma interina depois da saída abrupta de Davide Amado, suspeito de viciação de contratos públicos e, com isso, de lesar a Santa Casa da Misericórdia. Depois, em julho passado, foi mesmo eleita presidente da concelhia com 99% dos votos.
Mas esse ensaio esteve longe de ser positivo, com Temido pouco confortável com a competição partidária e o partido a notar a sua “pouca sensibilidade partidária e pouca proximidade às estruturas”, segundo se conta na estrutura local. Com ou sem Europeias, Temido já não estaria disponível para se manter como líder da concelhia segundo apurou o Observador. E mal a ex-ministra avançou para o Parlamento Europeu, Davide Amado — que o Tribunal Central de Instrução Criminal entretanto entendeu que não fosse levado julgamento por falta de indícios da prática do crime — . declarou-se de imediato disponível para a concelhia novamente, em declarações à rádio Renascença.
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“A candidatura à Europeias permitiu normalizar a relação das estruturas com Temido”, aponta a esta distância um socialista. E também deixa o caminho autárquico mais distante. “Não me parece que venha a ser candidata. Quando o PS fez isso, correu mal“, aponta um dirigente que recorda a candidatura de Elisa Ferreira à Câmara do Porto, em 2009, quando já era eurodeputada desde 2004. “Fica mais longe dessa possibilidade, embora não seja impossível”, aponta outra fonte do PS local.
“Ninguém está excluído”, diz, no entanto, outro dirigente do partido que ainda não descartou totalmente Marta Temido dessa corrida. A própria foi questionada sobre se Lisboa era uma carta fora do seu baralho esta semana, quando entregou no Tribunal Constitucional a lista de candidatos do PS às Europeias, e assumiu que um futuro autárquico em Lisboa “tinha alguma sedução, mas isso não significa mais do que as palavras querem dizer. É uma apreciação e não um compromisso com um projeto”, vincou numa frase que dá para todas as interpretações.
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Primeiro, a tentativa de um acordo à esquerda
No partido defende-se agora que primeiro se defina “a estratégia” e se avalie “a aproximação de outras forças políticas”. Os nomes, argumenta um dirigente socialista, vão sempre “cumprir um perfil que encaixe numa estratégia“. “O PS não ganha nada em promover ou excluir nomes sem ter uma estratégia definida”, aponta a mesma fonte apontando a necessidade de serem analisados “eventuais entendimentos políticos”.
Outro dirigente também fala neste mesmo argumento, apontando que o nome a avançar para Lisboa vai depender de muitos fatores, nomeadamente “se se tratar de uma candidatura que não seja só do PS”. “É difícil que o PS ganhe sem um acordo à esquerda“, diz mesmo outro socialista.
A ideia já pairava no PS quando era de Temido de quem se falava para a Câmara. A própria ex-ministra assumia ao Observador, no final do verão passado, que o PS tinha “obviamente, todo o interesse e disponibilidade para dialogar com as outras forças de esquerda”. A ambição mantém-se no partido, embora também se advirta para a necessidade de “dar espaço a cada uma das formações políticas” à esquerda e que “existirem prévias relações conta menos”.
O PS reorienta a estratégia, mas o tiro de partida para as autárquicas de 2025 só acontecerá quando tudo estiver estabilizado ao nível das estruturas do partido. Este sábado, a Comissão Nacional do PS vai marcar o calendário das eleições das Comissões Políticas Concelhias, Secções e Estruturas Concelhias das MS-ID e também votar o Regulamento para a Eleição dos Presidentes das Federações e dos delegados aos Congressos Federativos.
As eleições nas estruturas vão incluir também mudanças em Lisboa, não só na concelhia (Davide Amado) como também da Federação distrital (onde o autarca de Loures, Ricardo Leão, deverá suceder a Pedro Pinto que substituiu interinamente Duarte Cordeiro). A expectativa é que só depois de setembro o PS se debruce sobre as autárquicas que ser realizarão dali a um ano.