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Um domingo na casa do Presidente

Para comemorar os 104 anos da implantação da República, os jardins do Palácio de Belém foram abertos ao público e transformaram-se numa feira de produtos nacionais.

Àqueles que lhe perguntaram onde ia passar o dia, Cristina Ferreira, apresentadora do programa “Você na TV!”, da TVI, respondeu: “Vou a casa do Presidente”. Muitos terão pensado da mesma forma. O 5 de outubro deixou de ser feriado em 2013, mas, este ano, o dia da implantação da República calhou num domingo soalheiro e os jardins do Palácio de Belém, em Lisboa, transformados numa feira de produtos portugueses, encheram-se de famílias que aproveitaram para conhecer um espaço geralmente fechado ao público. Houve quem quisesse falar diretamente com Cavaco Silva.

A equipa responsável pela organização do evento anda para trás e para a frente, dando indicações aos jornalistas, criando espaço entre estes e o Presidente da República e garantindo que Cavaco Silva, Maria Cavaco Silva e o ministro da Economia, António Pires de Lima, visitam cada uma das bancas expostas, associadas à iniciativa “Portugal Sou Eu”, um programa do Governo PSD/CDS-PP que tem como objetivo dar a conhecer a produção nacional. São dezenas de produtores, artesãos, criadores nacionais que em poucos minutos têm a oportunidade de mostrar e, em alguns casos, oferecer ao Presidente enchidos, temperos, compotas em bisnaga, cervejas artesanais, aspiradores, jogos de tabuleiro e até um sistema de automação para casas inteligentes.

De um dos cantos do Jardim da Cascata chega um intenso cheiro a ervas aromáticas e a alho. Os chefes Justa Nobre e Henrique Sá Pessoa preparam amuse-bouches de carne e queijo de cabra. Os ajudantes de cozinha não têm mãos suficientes para finalizar os pratos e, ao mesmo tempo, enxotar as moscas que se acumulam em torno da comida já preparada. Na assistência aos chefes mediáticos, alguém sugere que se cubram os pratos com guardanapos. Outros querem registar o momento e pedem se podem tirar uma foto. “Sou fã”, diz uma mulher a Justa Nobre, que lhe responde que os fãs não servem apenas para as fotografias e lhe entrega um cartão com os contactos dos seus restaurantes. A fotógrafa desse momento específico pergunta a um rapaz: “Queres ir para o meio da senhora que fez os bifinhos?”. A criança devora o pedaço de carne e salta para o cenário.

A iniciativa "Portugal Sou Eu" é um programa do Governo PSD/CDS-PP que tem como objetivo dar a conhecer a produção nacional.

Ao mesmo tempo, alheados da visita institucional, as famílias aproveitam para visitar os jardins e para comer as merendas preparadas em casa. Uma rapariga contorna a vegetação geométrica e simétrica, imitando os passos de um zombie, enquanto mostra a língua aos irmãos. “Não sejas palhaça”, grita-lhe a mãe. Passam elementos do Orfeão da Santa Casa da Misericórdia de Gouveia, com vestes bordeaux. E homens de saia bordada branca, camisa de linho e colete. Na cabeça, chapéus enfeitados com fitas. Nos pés, meias de lã e botas de cabedal. Nas mãos, dois paus. São os pauliteiros de Miranda, uma das grandes atrações da tarde.

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A acompanhar o casal presidencial está uma equipa de figuras públicas que inclui as apresentadoras de televisão Cristina Ferreira, Cláudia Vieira e Fernanda Freitas, além da fadista Cuca Roseta. São “embaixadoras” da iniciativa “Portugal Sou Eu”. Posam para os fotógrafos e para os smartphones coloridos e enfeitados com brilhantes de raparigas que timidamente vão perguntando: “Aquela é a Cláudia Vieira?”. De repente, ouvem-se as primeiras notas da canção “The Hills Are Alive”, do filme “Música no Coração”. Ninguém presta atenção. As crianças do coro Meninos Cantores do Município da Trofa estão apenas a ensaiar. E já há tanto a acontecer.

Cavaco Silva já visitou todas as bancas e agora investe uma nova embaixadora: Rosa Mota. A campeã olímpica de maratona faz um agradecimento patriótico: “O país sempre me ajudou muito, eu sempre tentei fazer o melhor pelo país. O país sempre acreditou em mim, eu sempre acreditei no nosso país e é isso que vou continuar a fazer: a ajudar e a acreditar em Portugal”.

Rosa Mota depois de ser investida embaixadora da iniciativa "Portugal Sou Eu"

João Relvas/LUSA

O Presidente da República faz um apelo aos portugueses para que comprem produtos nacionais, garante que “Portugal Sou Eu” é uma marca de qualidade e diz que a festa deste domingo não se limita ao “Portugal Sou Eu”, mas que é “de todos nós”.

Depois, o palco é dos Pauliteiros de Miranda.

Na casa do presidente, a família assiste ao espetáculo. Cavaco Silva beija carinhosamente um dos netos.

Antes de continuar a cumprir a agenda das comemorações, o Presidente é travado por uma mulher numa cadeira de rodas que pediu a um dos seguranças para falar com Cavaco Silva. “Oh senhor Presidente, vire-se para aqui”, pede Maria de Lurdes Neves, 64 anos. O casal presidencial aproxima-se e ouve um apelo: “Olhe pelos deficientes. Não temos culpa de sermos deficientes”. Cavaco Silva parece não responder, mas aperta a mão de Maria de Lurdes. Maria Cavaco Silva faz o mesmo. Esta mulher ficou incapacitada há mais de 30 anos, depois de ter ficado debaixo de uma vaca, quando ajudava a mãe no trabalho agrícola. Deslocou-se ao Palácio de Belém para falar com o Presidente. “Na televisão não posso falar com ele”, diz. Maria de Lurdes Neves diz ao Observador que tem uma reforma de cerca de 300 euros e queixa-se dos cortes nos apoios à compra de medicamentos. “Tiraram tudo”, diz.

O coro dos Meninos Cantores do Município da Trofa está pronto para atuar perante o Presidente.

Cavaco Silva não tem muito tempo a perder. Pouco depois, olha discretamente para o relógio e levanta a mão direita e começa a acenar às crianças. A cena lembra, vagamente, um momento famoso do mesmo filme. As crianças despedem-se e afastam-se.

Lá em baixo, junto à entrada do Palácio, começou a formar-se uma fila para visitar o interior do edifício. Uma criança espera junto ao pai e tenta tapar os ouvidos. Está demasiado perto dos amplificadores. A poucos metros dali, há um palco onde atua a Orquestra Ligeira Juvenil CED de D. Maria Pia da Casa Pia de Lisboa. Os jovens são conduzidos por um maestro e cantam músicas de Tony Carreira e de José Cid. A plateia canta, dança e bate palmas.

Perto das 19h00, ainda há visitantes a entrar. Como Maria Teresa, 59 anos, e a mãe, Silvina, 76 anos. Acabaram de chegar e têm uma queixa. “A presidência não calculou a questão da mobilidade”, diz Maria Teresa, apontando para a mãe, que está apoiada numa muleta e acabou de subir a escadaria que dá acesso ao Jardim da Cascata. É a primeira vez que visitam o Palácio de Belém e fizeram-no propositadamente por causa da feira de produtos portugueses.

Ana Lopes, 47 anos, quis mostrar à filha, Beatriz, 9 anos, os jardins. “Decidi que era hoje. São oportunidades únicas de entrar em sítios que não estão abertos ao público em geral”, diz a funcionária do vizinho Museu dos Coches, que não chegou a tempo de ver Cavaco Silva. “Não me interessava”, comenta, em tom de desafio. Beatriz está encantada. “Gostava de viver aqui. O jardim é lindo”, diz a menina.

Da Madeira, há um casal com uma missão específica. José Gouveia e Maria José Gouveia queriam ver os jardins franceses do Palácio, mas, principalmente, os quadros dos presidentes Jorge Sampaio e Mário Soares, feitos por Paula Rego e Júlio Pomar, respetivamente. “São notáveis e rompem com a tradição”, disse ao Observador José Gouveia. Mas, para este oficial do exército reformado, o ponto alto do dia foi “a República”. O simples facto de ser o seu dia. Mesmo que, na opinião de José Gouveia, esta esteja a ser “desvirtuada”. “Devia voltar a ser feriado”, diz, revoltado. “Mas a democracia está entregue a uma ditadura de patos bravos”, lamenta.

 
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