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Chegou a Lisboa, pela primeira vez, o maior navio transoceânico de madeira do mundo, uma réplica de um navio sueco do século XVIII da Companhia das Índias Orientais, o Götheborg of Sweden. O Götheborg está a caminho da Ásia e Lisboa é a 8ª escala nesta expedição. Estará em Lisboa de 5 a 9 de Setembro, no Cais Rocha Conde de Óbidos em Alcântara e está aberto ao público para visitas durante esta escala. 5 de Setembro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Um passeio no Tejo, entre canhões e cânticos de marinheiros: por dentro do Gotheborg, o maior veleiro de madeira do mundo

Passou por Lisboa antes de seguir para Málaga com apaixonados por navios e voluntários de fim-de-semana. Subimos a bordo, ouvimos um refrão de Nick Cave e ponderámos zarpar na companhia destes suecos.

É segunda-feira. Ainda não passa das nove da manhã e já estou eu a tentar equilibrar-me num barquinho no meio do Tejo, que reflete o dia à solta, enquanto nos aproximamos do Gotheborg, que me dizem ser o maior veleiro de madeira do mundo. Ao meu lado, além de três jornalistas de revistas de viagens e dos dois tripulantes do barquinho, vem um sueco todo vestido de branco que eu assumo que seja o comandante do Gotheborg, mas que rapidamente descubro ter o pomposo título de Expedition Director.

Desde que comecei a escrever estas crónicas para o Observador, decidi investigar o menos possível acerca dos sítios que vou visitar, em parte por preguiça mas em parte também por querer que tudo o que sei sobre as comunidades que visito chegue até mim pela boca dos membros destas, o que me parece sempre uma boa ideia, até que dou invariavelmente por mim a fazer perguntas parvas. Qualquer pessoa que tivesse pensado durante dois segundos perceberia que um navio destes, que vejo muito ao longe enquanto passamos o Padrão dos Descobrimentos, teria de ser uma réplica e não um restauro de um navio do século XVIII. Sou salvo do embaraço por uma pergunta que um jornalista ao meu lado faz ao Kristoffer e movo ligeiramente a cabeça para cima e para baixo, com um ar introspetivo. Confio que os óculos me deem um ar inteligente. Tanto quanto percebo, ainda ninguém me descobriu a careca.

Ao longe, vejo carros a caminho do trabalho, gabo a minha sorte por estar ali e decido partilhá-la com cinco amigos, que sei estarem agora a chegar ao escritório. Não parecem satisfeitos.

O Gotheborg está parado à nossa espera ao largo de Caxias e, à medida que nos vamos aproximando, sou informado de que a tripulação sueca irá esta manhã votar antecipadamente, a bordo, para as legislativas. Depois, passam aqui uns dias a exibir o museu aos lisboetas até sexta-feira, partindo então para Málaga numa viagem de sete dias para a qual estão ainda à procura de voluntários. O Kristoffer sugere arranjar-me um lugar na tripulação e fico a pensar na coisa. Sete dias a não ver nada além do mar, incontactável, longe de tudo, parece-me uma proposta irrecusável, apesar de ter de trabalhar oito horas por dia e pagar mil e poucos euros. Meto num prato da balança a esfregona e os mil euros e no outro a perfeição geométrica das cordas dos mastros do Gotheborg acompanhada da voz fantasmática do Nick Cave, que ecoa desde a semana passada pela Bela Vista a cantar a “Ship Song”.

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Acordo do devaneio com o estrondo dos canhões, que disparam, diz-me o Kristoffer, pólvora, farinha e pedaços de jornal para que o estrondo e o fogo se assemelhem a balas verdadeiras. Explica-nos que as salvas de tiros eram símbolos de paz, dado o tempo que os canhões demoravam a recarregar. Um jornalista mais arguto do que eu informa o simpático sueco de que dispararam na direção do Palácio de Belém.

O Ron trabalhou à borla no navio durante sete anos por ter um fascínio por réplicas de navios antigos. Mas porquê o Gotheborg, porquê este barco, pergunto-lhe. "Navio", responde ele. "Navio", repito eu. Calo-me, envergonhado, enquanto tento perceber melhor se se tratará de um saudosismo qualquer. Ele assegura-me de que não, admira apenas a destreza e a técnica necessárias para construir um barco com cordas e madeira.

Enquanto seguimos o Gotheborg por debaixo da Ponte 25 de Abril, é-nos dito que o navio começou a ser construído em 2003, podendo ainda durar mais uns cinco ou dez anos, ao passo que o original se afundou na sua segunda viagem, em 1745, ao largo de Estocolmo num dos primeiros golpes dados a uma seguradora da História. O tipo de coisa que se fosse feita por uma caravela eu descreveria ironicamente como tipicamente portuguesa, mas levada a cabo por suecos considero ora espirituosa, ora empreendedora. Encalharam de propósito através de um erro que se involuntário seria infantil, retiraram a carga do convés e ainda conseguiram uma indemnização por aquilo que não perderam.

O Kristoffer vai explicando que a bandeira de duas pontas que vejo na popa indiciaria a pertença do veleiro à Marinha Sueca, mas que não era esse o caso e eu quero perguntar mais coisas mas distraio-me ao ver, lá longe, o capitão vestido à século XVIII a comer uma bolacha Maria.

Chegou a Lisboa, pela primeira vez, o maior navio transoceânico de madeira do mundo, uma réplica de um navio sueco do século XVIII da Companhia das Índias Orientais, o Götheborg of Sweden. O Götheborg está a caminho da Ásia e Lisboa é a 8ª escala nesta expedição. Estará em Lisboa de 5 a 9 de Setembro, no Cais Rocha Conde de Óbidos em Alcântara e está aberto ao público para visitas durante esta escala. 5 de Setembro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Chegou a Lisboa, pela primeira vez, o maior navio transoceânico de madeira do mundo, uma réplica de um navio sueco do século XVIII da Companhia das Índias Orientais, o Götheborg of Sweden. O Götheborg está a caminho da Ásia e Lisboa é a 8ª escala nesta expedição. Estará em Lisboa de 5 a 9 de Setembro, no Cais Rocha Conde de Óbidos em Alcântara e está aberto ao público para visitas durante esta escala. 5 de Setembro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Chegou a Lisboa, pela primeira vez, o maior navio transoceânico de madeira do mundo, uma réplica de um navio sueco do século XVIII da Companhia das Índias Orientais, o Götheborg of Sweden. O Götheborg está a caminho da Ásia e Lisboa é a 8ª escala nesta expedição. Estará em Lisboa de 5 a 9 de Setembro, no Cais Rocha Conde de Óbidos em Alcântara e está aberto ao público para visitas durante esta escala. 5 de Setembro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Chegou a Lisboa, pela primeira vez, o maior navio transoceânico de madeira do mundo, uma réplica de um navio sueco do século XVIII da Companhia das Índias Orientais, o Götheborg of Sweden. O Götheborg está a caminho da Ásia e Lisboa é a 8ª escala nesta expedição. Estará em Lisboa de 5 a 9 de Setembro, no Cais Rocha Conde de Óbidos em Alcântara e está aberto ao público para visitas durante esta escala. 5 de Setembro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Vêm pessoas dos quatro cantos do mundo trabalhar à borla no navio todos os meses no fim-de-semana em que este fica parado para manutenção

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Ao chegarmos ao cais, entretenho-me a conversar com uma rapariga que trabalha nas operações de carga e descarga do navio. Anda de porto em porto Europa fora sem nunca navegar. Diz-me que é enfermeira nas horas vagas e eu tento perceber como funciona isso, mas ela recua uns passos em direção ao sol e aproxima-se do contentor de onde retirarão os materiais para a exposição que decorrerá dentro do navio. Opto pela sombra e nem um minuto depois chega o Stefan, o proprietário do navio.

O Stefan conta-me que que tem uma empresa de gestão de operações portuárias, mas que desde 2003 é fascinado pelo Gotheborg, que comprou há dois anos, seguindo-o Europa fora na companhia da mulher. Diz-me que vêm pessoas dos quatro cantos do mundo trabalhar à borla no navio todos os meses no fim-de-semana em que este fica parado para manutenção. Tem uma teoria acerca das razões para esta afluência que se prepara para partilhar comigo quando somos interrompidos por um cântico tradicional de marinheiros dedicado pelos voluntários ao Stefan.

Passeamos por divisões do navio que permitem intuir as condições absolutamente precárias em que aqueles homens setecentistas cruzavam o mundo em direção à Ásia de onde traziam a cada viagem o equivalente a um terço do produto nacional do país, mas que se viram nesta réplica convertidas numa cantina cuja qualidade é insistentemente elogiada.

Pergunto-lhe porque decidiu comprá-lo e digo-lhe que o Kristoffer descreveu esta aquisição como um gesto de pura filantropia. Ele fala-me um pouco da importância de usar parte dos lucros que a sua empresa gera para beneficiar a sociedade sueca e o mundo em geral, fala com o que me parece ser genuíno encanto dos tripulantes voluntários, mas acaba a dizer-me que tira benefícios bastante concretos disto, já que usa o veleiro para reuniões de negócio bastante eficazes, alugando-o também para festas de empresas. Diz-me que estas coisas são sempre assim e eu gabo-lhe a sinceridade. Confirmo o que o Stefan me acabou de contar assim que entro no Gotheborg e reparo nas três bandeiras da China lá dentro, quase sempre acompanhadas de fotografias do ex-presidente chinês, Hu Jintao, a dar um passou-bem ao rei sueco com a madeira do navio como fundo.

Durante a visita guiada, conhecemos um voluntário português, o Diogo, que está prestes a entrar na universidade e chegou agora a casa vindo de duas semanas a bordo do Gotheborg, onde fez a travessia Alemanha-Portugal. Passeamos por divisões do navio que permitem intuir as condições absolutamente precárias em que aqueles homens setecentistas cruzavam o mundo em direção à Ásia de onde traziam a cada viagem o equivalente a um terço do produto nacional do país, mas que se viram nesta réplica convertidas numa cantina cuja qualidade o Diogo não se cansou de elogiar.

Chegou a Lisboa, pela primeira vez, o maior navio transoceânico de madeira do mundo, uma réplica de um navio sueco do século XVIII da Companhia das Índias Orientais, o Götheborg of Sweden. O Götheborg está a caminho da Ásia e Lisboa é a 8ª escala nesta expedição. Estará em Lisboa de 5 a 9 de Setembro, no Cais Rocha Conde de Óbidos em Alcântara e está aberto ao público para visitas durante esta escala. 5 de Setembro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Faço perguntas sobre o Gotheborg e uso a palavra "barco". Dizem-me "navio". Claro, "navio"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Antes de nos irmos embora, peço para conhecer o Ron Groenestein, o contramestre que o Kristoffer me descrevera como o maior especialista do mundo em cordas de navio. O Ron trabalhou à borla no navio durante sete anos por ter um fascínio por réplicas de navios antigos. Mas porquê o Gotheborg, porquê este barco, pergunto-lhe. “Navio”, responde ele. “Navio”, repito eu. Calo-me, envergonhado, enquanto tento perceber melhor se se tratará de um saudosismo qualquer. Ele assegura-me de que não, admira apenas a destreza e a técnica necessárias para construir um barco com cordas e madeira. Ouço-o falar durante uns minutos sobre a construção do mastro, não percebo um charuto da explicação mas a verdade é que o olhar apaixonado e infantil do contramestre me deixa ainda mais fascinado com o Gotheborg. A seguir, metemos conversa com o capitão, que vai falando sobre o seu percurso profissional enquanto eu tento desviar, sem grande sucesso, o assunto para a sua família.

São quase duas da tarde. A caminho do carro, enquanto imploro aos deuses para que a Emel não tenha feito das suas com o meu carro, tiro o telefone do bolso e olho para a minha agenda. Penso em Málaga. Viro-me uma última vez para trás e, ao ver o Gotheborg ali parado, sussurro para dentro:

“Come sail your ships around me
And burn your bridges down”

João Pedro Vala é escritor, autor do romance “Grande Turismo”

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