Em vésperas de o país entrar na fase mais crítica do ano relativamente a incêndios, começou a circular nas redes sociais uma imagem que acusa António Costa de ter assinado a compra do SIRESP por mais 405 milhões do que aquilo que o sistema valia realmente. Partilhada mais de 360 vezes só a partir da página de Facebook dos “Coletes Amarelos na Luta”, a publicação diz que o primeiro governo de José Sócrates, onde o atual primeiro-ministro exercia as funções de ministro da Administração Interna, comprou “um sistema de comunicações (SIRESP) no valor de 485 milhões”. E acrescenta: “Sabe quanto valia esse equipamento? 80 milhões”. Finalmente, conclui dizendo que “só uma assinatura dele [António Costa] valeu um rombo de 405 milhões”.

A informação é falsa uma vez que o socialista herdou em 2005 uma adjudicação do anterior governo que anulou, fazendo um novo contrato que baixou o preço em mais 52 milhões de euros. O facto de, mesmo esse novo preço ter um custo cinco vezes superior ao valor real, tem por base uma estimativa de 2001, que refere o valor de “outro modelo técnico e financeiro”, não dos moldes em que o SIRESP viria a ser contratualizado.

Mas vamos à sequência dos factos. O SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal) foi inicialmente adjudicado a um consórcio controlado pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN) pelo valor de 538,2 milhões de euros. Esta decisão foi tomada a 23 de fevereiro de 2005 pelo governo de Pedro Santana Lopes, que se encontrava em gestão de funções e que, por aquela altura, já sabia que iria passar as pastas ao PS de José Sócrates, que tinha conseguido vencer as legislativas de 20 de fevereiro com maioria absoluta. O despacho foi assinado pelo então ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, que tomou assim uma das suas últimas medidas como governante.

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O Ministério Público chegou a investigar a compra e Sanches — que tinha sido gestor de empresas universo BPN/SLN, — não chegou a ser ouvido até que o processo foi arquivado pela PGR sem ser provada a influência dessa relação. “Não resulta porém dos autos que, ao proferir o despacho de adjudicação do concurso para a criação e implementação do SIRESP já durante o Governo de gestão, isso tivesse algo a ver com as suas ligações àquelas empresas do grupo SLN”, lia-se no despacho de arquivamento.

Para o lugar de Sanches, José Sócrates escolheu António Costa. Quando pegou no dossier do SIRESP o socialista tinha a sua capacidade de atuação reduzida, pelo despacho que adjudicava a operação à SNL. Mas era a secretaria-geral do Ministério da Administração Interna que, devido a um segundo despacho assinado a 2 de março por Daniel Sanches, ficava com a competência de celebrar o “contrato com a sociedade operadora”.

No fundo, o novo ministro da Administração Interna tinha de concluir o processo negocial sem ter capacidade para alterar as decisões políticas. Essas já haviam sido tomadas pelo governo de Santana Lopes, mesmo em gestão de funções. Mas as circunstâncias haveriam de mudar em favor do socialista, que pouco tempo depois de chegar ao cargo pediu por diversas vezes pareceres sobre o negócio. A PGR acabou por emitir um parecer onde questionava se um governo em gestão de funções podia tomar tal decisão. Com base neste documento, António Costa anulou a adjudicação.

O ministro socialista voltou à mesa de negociações e continuou a dialogar apenas com a SNL. Seria fechado um novo contrato entre o Estado e este grupo económico para “aquisição, instalação e manutenção” do SIRESP mas por um valor mais baixo do que o inicial: o negócio fechar-se-ia por 485,5 milhões, cerca de 50 milhões de euros abaixo do preço conseguido por Daniel Sanches.

Segundo o presidente do primeiro grupo de trabalho que analisou este sistema de comunicações e que lhe deu o nome de SIRESP, o negócio podia ter-se feito por um quinto do preço final. Segundo noticiou o Público em 2008, Almiro de Oliveira, professor universitário e especialista em sistemas e tecnologias da informação, elaborou um documento em 2001, durante o processo de conceção do SIRESP, onde idealizava um sistema que podia ter custado ao Estado apenas 100 a 150 milhões de euros. “No nosso relatório prevíamos um investimento inicial entre 100 e 150 milhões de euros. A isso acrescentávamos dez por cento por ano, que corresponderia ao custo de exploração”, explicou então ao jornal diário, adiantando que o preço até poderia ser menor — “entre 70 e 105 milhões de euros” — devido à “desvalorização da tecnologia“.

Terá sido a estes valores que a publicação dos “Coletes Amarelos em luta” recorreu para acusar António Costa de ter assinado o contrato por mais 405 milhões de euros do que valia realmente o sistema de comunicações. Mas as contas não batem certo, mesmo admitindo que, como refere o relatório de Almiro de Oliveira, possa ter havido uma sobrevalorização do equipamento.

Conclusão

As acusações feitas na publicação da página “Coletes Amarelos em luta” utilizam informação verdadeira ao apontar o valor pelo qual ficou fechado o negócio mas descontextualiza-a, não referindo que o poder negocial de António Costa era limitado, já que a decisão tinha sido tomada no governo anterior, mas que ainda assim o socialista conseguiu renegociar descendo o preço que o Estado. Mais: dá como certo que o valor de 485 milhões é muito superior ao valor real do sistema contratado, dizendo que custou mais 405 milhões do que podia ter valido. Esta informação é falsa, não apenas por partir de uma estimativa, mas porque ignora o facto de essa mesma estimativa afirmar que o negócio podia ter custado cinco vezes menos se “se tivesse optado por outro modelo técnico e financeiro”. Não pelo valor do mesmo equipamento, como acusa a publicação.

A acusação de que Costa como ministro “só com uma assinatura” provocou um rombo de 405 milhões de euros é também é falsa. Até porque o atual primeiro-ministro socialista, mesmo que tenha assinado um contrato de valor elevado, conseguiu baixar o preço que tinha sido contratualizado pelo seu antecessor: menos 52,5 milhões de euros.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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