O tema surgiu quase no final do debate entre António Costa e Catarina Martins, quando o secretário-geral do Partido Socialista atirou à líder bloquista com a proposta de “recorrer à emissão de dívida pública” para financiar as nacionalizações de empresas como a ANA, CTT, REN, EDP e Galp. O líder do PS argumentou que, considerando o valor atual das empresas (inclusive, as cotadas em bolsa), avançar com a nacionalização significaria “agravar a dívida pública em 14,5% do PIB”. “Estes recursos de agravamento da dívida para fazer uma bravata ideológica é que criam um problema muito difícil de gerir entre nós”, ainda atirou Costa.

O líder socialista ainda voltaria ao tema para especificar os valores em causa: “O compromisso que assume é emitir dívida pública, 30 mil milhões de euros de dívida pública, duas vezes o valor da bazuca europeia, para fazer uma bravata ideológica, para recomprar a ANA, os CTT, a REN, a Galp e a EDP.”

Catarina Martins defendeu-se: “Talvez o Partido Socialista ache normal que seja o Estado chinês a mandar na energia em Portugal, ou esteja contente pelos CTT estarem a ser absolutamente destruídos. O Bloco de Esquerda não se resigna a isso”, disse a coordenadora bloquista, acrescentando que esse programa é “faseado, equilibrado e pagável”.

O Observador consultou o programa do Bloco de Esquerda onde se lê que o partido “tem como prioridade a recuperação do controlo público sobre a banca e sobre empresas estratégicas nos transportes e energia”. O documento refere que “o programa de reversão das privatizações será adequado às condições de cada empresa, negociado com os acionistas no âmbito de um quadro legal adequado, financiado pela emissão de dívida pública e estendido ao longo do tempo necessário para minimizar os riscos e efeitos”. O nível de faseamento não é referido expressamente no programa, mas a proposta apelida-o de um “um programa de desprivatizações para a legislatura”, ou seja, para quatro anos.

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Os valores também não são referidos pelo Bloco, mas as contas de António Costa estão certas. Se, conforme o pressuposto do primeiro-ministro, o Estado comprasse as empresas cotadas em bolsa ao preço a que estão hoje — EDP, REN, Galp e CTT — e a ANA pelo valor pelo qual foi privatizada, isso custaria ao Estado português cerca de 30 mil milhões.

Vejamos: a ANA foi vendida por 3,08 mil milhões; a REN vale no mercado 1,66 mil milhões; a EDP tem uma capitalização de 16,94 mil milhões; a Galp de 7,82 mil milhões; e os CTT valem hoje 654 milhões de euros. Tudo somado, dá 30,15 mil milhões de euros. E esse montante corresponderia a 14,5% do PIB, considerando já os valores previstos para 2021. O Governo já antecipou que a dívida pública ficou, em 2021, nos 160,4 mil milhões de euros, ou seja, 127% do PIB.

Ainda que não diga prazos, o Bloco, no seu programa, contabiliza em 50 milhões o custo do arranque da “desprivatização da REN”, que deve “iniciar-se pela recuperação dos ativos de planeamento e gestão global do sistema elétrico e de gás natural, os quais devem ser reunidos num operador de sistema independente sob a forma de empresa pública, tal como a legislação europeia admite. O valor deste conjunto de ativos a nacionalizar de imediato rondará os 50 milhões de euros”. Mas o Bloco quer, depois, avançar para o controlo total da empresa. Já sobre a EDP e a Galp, o programa acrescenta que a recuperação destas duas empresas será definida no programa nacional de desprivatizações.

De qualquer forma, o Bloco de Esquerda não limita, no seu programa, a recompra de participações para a esfera do Estado a estas empresas. Ainda diz que quer ver o Novo Banco em mãos públicas e ainda propõe a concessão de “uma linha de financiamento do Estado para resgate, pelos municípios, dos sistemas de água privatizados”.

Conclusão

As contas de António Costa estão certas. Comprar a ANA pelo valor a que foi vendida pelo governo de Passos Coelho, em 2014, à Vinci; e recomprar EDP, REN, Galp e CTT pelo valor em bolsa custaria ao Estado cerca de 30,1 mil milhões de euros, que seria, de acordo com o programa do Bloco de Esquerda, financiada por emissão de dívida.

Os 30 mil milhões de euros correspondem, de facto, a cerca de duas “bazucas” europeias. O PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) nacional está contabilizado em cerca de 16,6 mil milhões de euros — este envelope é composto por 13,9 mil milhões em subvenções e por 2,7 mil milhões em empréstimos, segundo os dados revelados pelo Governo.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

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