Catarina Martins afirmou ao Expresso que o dinheiro que o Estado ainda poderá injetar no Novo Banco “pode não parar no capital contingente que tinha sido anunciado por Mário Centeno”. Ou seja, pode superar a verba máxima que ficou contratualizada com o fundo de investimento norte-americano Lone Star no momento da venda do banco, em 2017, para cobrir perdas com ativos “tóxicos” herdados do Banco Espírito Santo (BES).

A coordenadora do Bloco de Esquerda, que chegou a esta conclusão “cruzando o contrato” de venda “com o que foi negociado com a Comissão Europeia”, diz mesmo que “não se sabe em que quantidade” poderá haver mais dinheiro público para o Novo Banco, admitindo que “pode ser mais de oito mil milhões” de euros.

Antes, já tinha ido mais longe na entrevista: “Entre o contrato que foi assinado com a Lone Star e o que foi comprometido com a Comissão Europeia estamos numa situação em que o buraco não tem fundo”.

De facto, é possível que o Novo Banco possa eventualmente receber mais dinheiro público para lá daquele que está previsto no contrato de venda, mas, ao fazer outras considerações e deixando de parte contexto relevante, a dirigente bloquista acaba por ter declarações “esticadas”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No âmbito do contrato de venda do Novo Banco, a Lone Star tem direito a pedir um máximo de 3,9 mil milhões de euros do chamado mecanismo de capital contingente para fazer face a perdas num determinado conjunto de ativos herdados do BES.

Desse valor, até agora, a instituição liderada por António Ramalho já pediu 2,9 mil milhões de euros. Isto é, sobram cerca de mil milhões de euros, discutindo-se nos últimos meses se haverá mais injeções do Fundo de Resolução (e, por arrasto, se haverá mais empréstimos do Tesouro) para fazer face a perdas adicionais do banco.

Além do contrato de venda, há também uma Decisão da Comissão Europeia, de 2017, que aprovou o plano de reestruturação do Novo Banco e autorizou a operação de venda à Lone Star. E esse documento — a que Catarina Martins se refere — indica, de facto, que, se os rácios de capital estiverem abaixo do previsto, “Portugal vai providenciar capital adicional”.

Só que este mecanismo — chamado de “backstop” — é de último recurso. Ao contrário do que está previsto no processo em curso — em que qualquer perda nesses tais ativos problemáticos implica uma cobertura imediata do Fundo de Resolução —, o Governo, no passo seguinte, apenas poderá atuar depois de o banco e a Lone Star tentarem primeiro outras soluções, algo que Catarina Martins não refere.

Como já explicou o Banco de Portugal, com base na Decisão da Comissão Europeia, a instituição liderada por António Ramalho teria, antes de mais, de “procurar implementar medidas para repor os rácios de capital pelos seus próprios meios”. Depois, “se a primeira via não for suficiente, o acionista privado deve ponderar providenciar o capital necessário” e, finalmente, “se também isso não for viável, o banco deve procurar repor os seus rácios através de uma operação de mercado”.

Só depois disso, “em última instância, se nenhuma das opções anteriores for viável, poderá então o Estado providenciar o capital estritamente necessário para assegurar o cumprimento dos rácios de capital”.

Tudo isto, de acordo com o Banco de Portugal, “para proteger o banco num cenário extremo (que a própria Comissão Europeia classifica de improvável)”.

Este “backstop” tem ainda uma natureza substancialmente diferente do mecanismo de capital contingente, algo que Catarina Martins também não refere. O Fundo de Resolução — que recebe dinheiro emprestado do Tesouro e a título definitivo da banca — transfere dinheiro, esperando, posteriormente, a respetiva devolução do Novo Banco, enquanto o compromisso do Governo em Bruxelas, por outro lado, implica uma nova entrada no capital do Novo Banco — além dos 25% que o Estado já detém.

Ou seja, se fosse realmente ativado este mecanismo e levado às últimas consequências — situação que, segundo Catarina Martins, faria do Novo Banco um “buraco” que “não tem fundo” —, na verdade, culminaria com a nacionalização do Novo Banco, algo que é pretendido desde sempre pelo Bloco de Esquerda (embora por outros meios e com outra configuração).

Uma referência ainda aos oito mil milhões de euros apontados por Catarina Martins. Questionada sobre os custos que teria a nacionalização pretendida pelo Bloco de Esquerda, a deputada defendeu que sairia mais barato do que a atual solução: “Na altura, disseram-nos que ficaria muito mais caro do que entregar à Lone Star, mas também nos garantiam que entregar à Lone Star nunca custaria oito mil milhões de euros.”

Depois, na resposta seguinte, sobre a posição do Bloco de Esquerda relativamente ao próximo Orçamento do Estado, Catarina Martins disse então que, “cruzando o contrato [de venda] com o que foi negociado com a Comissão Europeia”, o total de injeções do Estado no Novo Banco “pode ser mais de oito mil milhões” de euros.

Ora, oito mil milhões de euros não representa o custo de “entregar à Lone Star” o Novo Banco. É o custo total do Estado, até este momento, com o Novo Banco, incluindo o dinheiro que o Fundo de Resolução emprestou em 2014 (perto de 5 mil milhões de euros), três anos antes da entrada em cena do investidor norte-americano.

Conclusão

É verdade que o Estado pode ter de libertar mais dinheiro para o Novo Banco. Mas essa possibilidade, que decorre do acordo de Portugal com a Comissão Europeia, é uma solução de último recurso, depois de o banco e o Lone Star intervirem, e sempre numa situação de cenário extremo. Além disso, implica a entrada do Estado no capital da instituição liderada por António Ramalho. Ou seja, uma circunstância totalmente diferente do mecanismo de capital contingente, que permite ao banco exigir de imediato mais dinheiro do Fundo de Resolução.

Nenhum deste contexto foi tido em conta por Catarina Martins, que dá assim a entender que o acordo com Bruxelas é apenas uma extensão natural do mecanismo de capital contingente — e que seria tão facilmente ativado como o atual mecanismo que envolve o Fundo de Resolução.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

IFCN Badge