Desde o início de janeiro que circulam nas redes sociais publicações que referem que o Tribunal Constitucional (TC) espanhol aprovou, no início do mês, a possibilidade de uma dívida ser paga com sexo oral, o que não corresponde à verdade.

Os posts têm por base as notícias publicadas em Espanha e não só sobre um caso que chegou ao TC no final de dezembro, envolvendo uma mulher de Maiorca, de 38 anos, que contraiu em 2019 uma dívida com o ex-cunhado, de 58 anos, no valor de 15 mil euros. Impossibilitada de a pagar, a endividada chegou a um acordo com o credor, ficando decidido entre os dois que o empréstimo seria pago ao longo de vários meses através de favores sexuais.

A certa altura, a mulher recusou-se a continuar com os pagamentos. O ex-cunhado exigiu-lhe o dinheiro em falta e começou a assediá-la, enviando-lhe mensagens ameaçadoras. A endividada denunciou-o à polícia por coerção sexual, alegando que inicialmente se sentiu psicologicamente obrigada a realizar os favores sexuais, mas que depois se sentiu ameaçada pelo homem, com quem até então tinha uma boa relação, refere o ABC.

O caso foi investigado pela polícia e levado a julgamento. Os advogados de defesa alegaram que tinha sido cometido um crime de abuso sexual, mas o juiz decidiu que não tinha havido coação e que os atos sexuais tinham sido consensuais, porque o acordo tinha sido feito “livremente” entre as duas partes. De acordo com a decisão de Diego Gómez-Reino, da 2.ª secção da Audiência Provincial de Palma, durante os 16 dias em que o acordo teve efeito, a mulher não apresentou qualquer queixa, tomando apenas essa decisão quando o ex-cunhado lhe pediu o dinheiro.

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A decisão levou a mulher a avançar com um recurso para o TC, que acabou por ser arquivado no início de janeiro. Ao contrário do que davam a entender algumas das notícias divulgadas, em momento algum o TC se pronunciou sobre a validade do acordo estabelecido entre a mulher e o ex-cunhado, mas foi essa a interpretação que muitos jornais fizeram. Foi o caso do ABC, que escolheu para título “O Tribunal Constitucional aprova que se pode pagar uma dívida com sexo oral”, como se pode ver no post abaixo. Este foi posteriormente corrigido para “O Tribunal Constitucional não retifica a sentença que diz que é legal para uma dívida com sexo oral”. Outros jornais fizeram o mesmo, mas o mal já estava feito: as notícias chegaram às redes sociais, onde se perpetuou a má interpretação.

Uma das publicações que refere que o Tribunal Constitucional aprovou o pagamento de uma dívida com sexo oral

Como explica o El País, não era a validade do pagamento da dívida que estava em causa, mas sim o auto de arquivamento que punha um ponto final ao processo judicial na sequência do recurso interposto, considerado improcedente pelo TC por “falta de relevância constitucional”. José Manuel Vera Santos, professor na Universidad Rey Juan Carlos, em Madrid, e especialista em Direito Constitucional, explicou ao espanhol Maldita que o TC avalia questões com “significado constitucional”, isto é, que afetam a interpretação da Constituição, a sua aplicação, eficácia, ou que tenham a ver com os direitos fundamentais.

É precisamente isso que diz o Artigo 50.º da Lei Orgânica 2/1979, de 3 de outubro, do Tribunal Constitucional, sobre a apreciação de recursos por este tribunal: o conteúdo tem de justificar uma “decisão de mérito” do TC “pelo seu especial significado constitucional, que será apreciado em função da sua importância para a interpretação da Constituição, para a sua aplicação ou para a sua eficácia geral, e para a determinação do conteúdo e alcance dos direitos fundamentais”.

Na opinião de Vera Santos, isso não se aplica ao caso em causa, não se considerando que o TC tenha competências para tomar uma decisão sobre o assunto.

Conclusão

O Tribunal Constitucional de Espanha não tomou qualquer decisão relativamente à validade de um acordo que prevê pagamento de uma dívida com sexo oral. A única decisão tomada pelo TC espanhol diz respeito ao recurso apresentado, considerado improcedente por “falta de relevância constitucional”, essencial para que um processo possa ser avaliado pelo tribunal. A informação que circula nas redes sociais procede de um erro de interpretação feito por alguns jornais, como foi o caso do ABC, que posteriormente rectificou o título da notícia publicada.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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