O que está em causa?

O presidente do PSD voltou à carga no salário mínimo nacional para refutar uma crítica que é feita à sua governação de apostar num modelo económico baseado em salários baixos. Numa intervenção que fez durante uma iniciativa da JSD na Guarda, o Congresso da Coesão Territorial, Pedro Passos Coelho voltou a insistir na ideia de que, desde 2014 até este ano, “cada vez são mais os trabalhadores a tempo completo que recebem o salário mínimo”. Lembrou que o Governo prometeu “um modelo de desenvolvimento assente em mais altos salários” e perguntou: “É o que se está a passar?”.

A questão tem surgido nos últimos meses, sobretudo durante a polémica com a redução da Taxa Social Única (TSU). Essa era uma medida que surgia precisamente para compensar as empresas pelo esforço de aumentar o salário mínimo de 530 para 557 euros, a partir de janeiro de 2017. Quando o PSD chumbou a descida da TSU, os socialistas e restante esquerda apressaram-se a atacá-lo por, na verdade (garantiam), estar contra o aumento do salário mínimo. E o PSD admitiu a crítica, com o líder parlamentar do partido a explicar as reservas face ao aumento de 2017: “Se não houvesse excesso não havia compensação, se o Governo deu aos trabalhadores aquilo que é justo então não tem de compensar os patrões”.

Passos diz que número de trabalhadores com baixos salários aumentou com o atual Governo

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No último fim de semana, Pedro Passos Coelho aconselhou o Governo a um “reexame das políticas, porque os problemas estão a ser agravados”, sustentado precisamente nos números relativos aos trabalhadores em Portugal a receberem o salário mínimo. E, para o exemplificar, disse a frase que está aqui em análise: “Na primavera de 2014, eram cerca de 400 mil os trabalhadores que ganhavam o salário mínimo nacional. A nossa estimativa é que no fim de 2016 seja quase um milhão o número de trabalhadores que ganham o salário mínimo nacional”.

E quais são os factos?

Não é fácil saber qual o número de trabalhadores a receberem o salário mínimo. Existem alguns registos a ter em conta:

  • O terceiro relatório de Acompanhamento do Acordo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida, elaborado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social, sendo que o mais recente disponibilizado no portal do Governo foi apresentado em dezembro e vai até ao terceiro trimestre de 2016 (setembro). Aqui, a análise é feita com base nas remunerações declaradas à Segurança Social;
  • O Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho, também de autoria do Gabinete de Estratégia e Planeamento do mesmo ministério, tem dados até abril de 2016. Aqui, a análise é feita, tal como está indicado, com base numa amostra de empresas. No caso, a dimensão da amostra é de “9500 unidades locais no Continente e 770 na Região Autónoma da Madeira”;
  • Quadros de pessoal, também compilados pelo mesmo gabinete, mas que não servem para a análise a este caso já que os dados mais recentes são relativos a 2015, ano em que a atualização do salário mínimo nacional tinha sido para 505 euros. Em relação a estes dados sobre os quadros de pessoal nas empresas, por setor, três economistas contactados pelo Observador lamentam que os elementos atualizados não estejam disponíveis porque consideram ser os que poderiam dar uma “ajuda mais preciosa”.

Nenhum dos dados permite dizer com rigor qual o número de trabalhadores com salário mínimo (então de 530 euros) em 2016 por uma razão simples: nenhum dos estudos está ainda fechado. É por isso que Pedro Passos Coelho fala numa “estimativa”.

Mas vamos a contas. Consultado pelo Observador para explicar o cálculo em que Passos se baseou para fazer aquela afirmação, o PSD diz que o seu líder se centrou exclusivamente em dados do Instituto Nacional de Estatística, para ter a referência do número de trabalhadores por conta de outrem a tempo completo, e no Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho, o tal que se baseia numa amostragem.

Este Inquérito indica que, até abril do ano passado, eram 25,3% os trabalhadores por conta de outrem a tempo completo a receber salário mínimo, ou seja, cerca de 835 mil, em números absolutos, segundo os cálculos do PSD.

O Inquérito aos Ganhos “trata-se de um inquérito cujas extrapolações para a população de referência estão sujeitas a erro“, sublinha ao Observador o professor de Economia da Universidade do Minho, João Cerejeira. As contas deste académico indicam um número ligeiramente diferente do apontado pelo PSD — 892 mil trabalhadores com salário mínimo de acordo com o Inquérito –, porque utiliza dados do 3.º trimestre do ano passado, enquanto o PSD usa os do 2.º trimestre, por o Inquérito se referir a abril.

Mas o economista também adianta que “são pequenas” as diferenças face ao relatório, que é feito a partir das remunerações declaradas à Segurança Social. Se o primeiro trimestre indica 25,3% de trabalhadores com salário mínimo, em abril do ano passado, o segundo aponta para a existência de 20,5%.

De acordo com o Relatório do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Segurança Social, “em valor absoluto, em setembro de 2016, o número de trabalhadores com RMMG [salário mínimo] atingiu os 648 mil, ligeiramente inferior ao pico atingido em agosto, 655 mil (dados ainda provisórios)”. O quadro abaixo é o da evolução e consta do Relatório citado. Ainda que Passos prefira o Inquérito, a verdade é que os 400 mil trabalhadores com salário mínimo verificados na primavera de 2014 (a primeira parte da frase) se podem verificar neste documento.

Recapitulando: quais os números mais atuais que existem sobre a população a receber salário mínimo nacional? 835 mil trabalhadores, segundo o Inquérito aos Ganhos, em abril (os usados pelo PSD); 648 mil em setembro, de acordo com o Relatório de Acompanhamento do Acordo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida. Ambos longe do 1 milhão, ainda que o preferido pelo PSD esteja lá mais perto. Mas como chegou Passos a essa “estimativa”?

Fonte oficial do PSD explica que, para atingir este valor final, o líder do partido recorre ao histórico, onde vê que “as subidas de cerca de 5% no salário mínimo têm tido subidas de cerca de 5 pontos percentuais na proporção da população abrangida” e exemplifica: “Uma subida de apenas 4% no salário mínimo (menos do que em todos os episódios anteriores, apesar de o aumento nominal do salário mínimo ter sido marginalmente maior, de 5,1%) elevaria a população abrangida a 968 mil indivíduos, cerca de um milhão”.

A conclusão

Ambos os estudos mostram que o número de trabalhadores a ganhar o salário mínimo tem vindo, de facto, a aumentar, mas nenhum permite concluir aquilo que Passos Coelho disse: que haverá um salto de dimensão assinalável no final do ano passado (teria de ser acima dos 100 mil trabalhadores, mesmo tendo em conta os 892 mil contados pelo PSD em abril) no universo de trabalhadores a ganhar 530 euros. Portanto, o líder do PSD extrapolou os números, que ainda não se sabe se vão verificar-se.

No caso do Relatório, e basta olhar para a tabela acima, é possível verificar apenas dois grandes saltos, mas aconteceram sempre em momentos de atualização do valor do salário mínimo. No primeiro salto foram mais de 100 mil pessoas que passaram a receber o salário mínimo depois do aumento de 2014 (para 505 euros), que entrou em vigor em outubro desse ano. No segundo, o salto foi menor e também coincidiu com o aumento do salário mínimo, de 2016, para 530 euros.

É possível constatar que o peso dos indivíduos com remunerações iguais à RMMG [Remuneração Mensal Mínima Garantida] no total declarações de remuneração passou de aproximadamente 12,5%, em janeiro de 2010, para próximo dos 20,5%, em setembro de 2016, coincidindo os aumentos mais abruptos com as atualizações do valor do salário mínimo”, diz o Relatório do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Segurança Social.

Se recorremos aos dados disponibilizados no Inquéritos aos Ganhos, em que o PSD se apoia, o aumento de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo foi superior em 3,9 pontos percentuais em relação a abril de 2015, e “mais 4,1 p.p. que em outubro de 2015”.

Seguindo esta linha de raciocínio (a ligação direta entre aumento do salário mínimo e aumento dos que o recebem), é natural esperar-se um novo salto de trabalhadores com salário mínimo, mas a partir de janeiro de 2017 — face à nova atualização do salário mínimo — e não no último trimestre de 2016. O diretor-geral do Gabinete de Estudos e Planeamento, José Luís Albuquerque (designado pelo atual ministro do Trabalho e da Segurança Social), argumenta que “não houve nenhuma dinâmica no mercado de trabalho que justifique” um aumento. “Os picos verificam-se devido à sazonalidade e já se verificou em agosto”, diz, quando fala especificamente do ano passado. “Não aconteceu nada na economia portuguesa nem nas relações de trabalho que justifique este salto”, garante, quando confrontado com o salto esperado pelo presidente do PSD.

Economistas contactados pelo Observador explicam ainda que o aumento do valor do salário mínimo faz aumentar o número de pessoas a receber porque os salários “na orla do salário mínimo” acabam por ser atualizados para este valor. O que coloca outro problema, assinalado pelo líder da UGT Carlos Silva ao Observador: “O objetivo era que fossem aumentados na mesma dimensão os salários a seguir ao valor do salário mínimo”. E isto não está a acontecer. Mas um dos economistas contactado pelo Observador, e que não quis ser identificado, adianta que “se o aumento de trabalhadores a receber o salário mínimo cresce, essencialmente, porque aumenta o valor do salário mínimo [como é o caso] não se compreende o argumento de que está a aumentar o número de pessoas com salários baixos”.

Veja este Fact Check em vídeo aqui.

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