O vídeo, partilhado no Facebook e disponível no YouTube, começa com uma questão: “Quer ver um exemplo de fake news?”. Problema: depois disso a análise e as conclusões seguem o caminho oposto e derivam em mais conteúdo falso. O narrador, que vai acompanhando o desenrolar do filme, começa por mostrar uma notícia do site Gospel Prime que dizia: “ONU afirma que levar crianças à igreja é ‘violação de direitos humanos'”. O vídeo segue depois com um fact check da publicação Boatos, que desmente o artigo da Gospel Prime. Ora o autor do vídeo diz que esse fact check é falso e que a ONU quer mesmo proibir as crianças de ir à igreja. Para isso utiliza um artigo do diário britânico The Telegraph que diz comprovar a sua tese. Mas não comprova.

Na verdade, embora o narrador teve enviesar a interpretação na narração que faz, o que diz o título do artigo do The Telegraph é: “Obrigar as crianças a participar em cultos cristãos nas escolas viola os direitos humanos, avisa as Nações Unidas”. Esse mesmo artigo tem um link página das Nações Unidas onde é possível ter acesso, por completo, ao relatório datado de 12 de julho de 2016.

Na página 7 do relatório, “Direito ao pensamento, consciência e religião”, o ponto 35 começa a explicação daquilo que está em causa. Há recomendações às escolas de Inglaterra e do País de Gales, mas não a todas as escolas. Em causa estão as escolas, de financiamento público, que têm na componente letiva tempos dedicados à oração, que se realiza todos os dias e sem que os alunos possam optar por não ir. Mas será que não podem mesmo?

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De acordo com o relatório, caso tenham autorização dos pais para não comparecer, os alunos são livres de não o fazer, mas precisam sempre da autorização parental, caso contrário devem estar presentes nesses momentos de oração. No relatório, a ONU recomenda aos países que sejam feitas alterações à legislação em vigor para que, nas escolas com financiamento público, possam ser as crianças a optar por participar ou não nos momentos de oração/culto.

“O Comité está preocupado que os alunos estejam, por lei, obrigados a participar nos tempos diários religiosos que são ‘maioritariamente de caráter cristão’, nas escolas públicas em Inglaterra e País de Gales”, pode ler-se no relatório. Ora, não só a ONU não diz que há uma violação dos direitos humanos, como faz recomendações à alteração à lei, mas apenas porque se tratam de escolas de financiamento público onde a participação nos momentos religiosas é obrigatória, salvo com a devida autorização dos pais para que os alunos não participem.

No final do vídeo no YouTube é possível ouvir ainda o narrador a questionar a ausência de recomendações da ONU a “muçulmanos, budistas e culturas indígenas” e acusações de “satanismo”. Aquilo que é apresentado como uma tentativa de terminar com uma notícia falsa, é na verdade uma notícia falsa e um meio para aumentar a desconfiança interreligiosa e lançar acusações à Organização das Nações Unidas.

Esta notícia falsa sobre este relatório da ONU já circula desde junho de 2016. Primeiro circulou no Charisma News, mas foi logo desementido pelo site de verificação de factos Snopes. No mês seguinte, foi a vez do Gospel Prime escrever a versão portuguesa da falsidade, mas o site Boatos também desmentiu. Mas resistiu e voltou a circular e em setembro de 2018 foi a vez de o site de fact check Aos Fatos ser forçado a notícia por esta ter voltado a ficar viral. Agora, foi a vez de um vídeo no Youtube — partilhado em julho de 2019 no Brasil e e Portugal — atacar esses fact checks para voltar à teoria falsa que dá título a esse vídeo: “ONU afirma que levar crianças à igreja é violação dos direitos humanos”.

Conclusão:

O vídeo mistura verdades com mentiras e faz até traduções do relatório oficial da ONU, mas o título e aquilo que difunde é falso. É falso que a ONU alguma vez tenha dito que “levar crianças à igreja é violação dos direitos humanos”. Aquilo que a ONU, no relatório de 12 de julho de 2016 faz é recomendar a dois países em específico, Inglaterra e País de Gales, que façam uma revisão da lei para permitir aos alunos que frequentam escolas públicas decidir, sozinhos, se desejam — ou não — participar nos momentos de oração diários proporcionados pelas respetivas escolas. A informação, do relatório, é que as crianças precisam que os pais as dispensem de assistir a esses momentos para poderem não participar e é isso que a ONU recomenda que se altere. Não diz, em momento algum, que o que está em causa é “levar as crianças à igreja”.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook e com base na proliferação de partilhas — associadas ao reporte de abusos de vários utilizadores — nos últimos dias.

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