Celebra-se hoje em mais de 200 países o Dia Mundial da Saúde Oral.

É uma iniciativa da FDI, Federação Dentária Internacional, organização guarda-chuva da medicina dentária a nível mundial, com sede em Genebra.

A FDI representa mais de 1 milhão de médicos dentistas no mundo inteiro, por via de associações profissionais, científicas e ONG’s.

O dia mundial celebrou-se pela primeira vez em 2007 e no dia 12 de setembro, data de nascimento do fundador da FDI, o dentista francês Charles Godot.

Desde logo, esta data se revelou desajustada, pois colidia com a realização do Congresso Mundial Anual da FDI, o que se verificou retirar visibilidade à iniciativa.

Era preciso tomar uma decisão sobre uma nova data. O que levou vários anos e não foi nada fácil. A quantidade de “dias mundiais disto e daquilo”, as celebrações locais e regionais de cariz religioso, cultural e outras, tornam a escolha de uma data global um enorme desafio.

Sei bem disso, pois em 2011 fui eleito Presidente da FDI pela assembleia mundial realizada em Singapura e acompanhei este processo de perto.

A decisão sobre a data do Dia Mundial da Saúde Oral foi tomada em Lisboa, em março de 2012, em reunião da Direção da FDI – World Dental Federation, Federação Dentária Internacional. Foi comemorada pela 1ª vez em 2013.

E porquê 20 de março?

Por sugestão do Dr. Arif Alvi, médico dentista, hoje curiosamente Presidente da República Islâmica do Paquistão, então membro da Direção da FDI a que eu presidia.

O raciocínio que foi feito partiu de 3 abordagens:

  • devemos conservar pelo menos um total de 20 dentes naturais saudáveis para assegurar uma função mínima em termos mastigatórios;
  • as crianças possuem um total de 20 dentes de leite (decíduos);
  • os adultos têm normalmente 32 dentes, incluídos os dentes do siso, e desejavelmente 0 cáries dentárias;
  • expresso numa fórmula numérica, em jeito de trocadilho, 3/20. Daí a escolha do mês 3 ao dia 20: 20 de março.

Na comemoração da data é identificado todos os anos um lema; o deste ano de 2023 é Be Proud of Your Mouth, que podemos traduzir para português por  “Tem Orgulho na tua Boca”.

Sabemos que cerca de 3,5 biliões de pessoas no mundo interior são afetadas pelas doenças da cavidade oral, fundamentalmente a cárie dentária, a doença periodontal (gengivas) e cancro oral.

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Este número faz destas doenças as mais prevalentes ao nível global de entre as não transmissíveis (crónicas).

Infelizmente, a saúde oral tem sido frequentemente isolada dentro dos sistemas de saúde em muitos países, separando a boca do corpo e subestimando a importância da saúde oral para a saúde geral, e qualidade de vida dos indivíduos e das comunidades.

O Dia Mundial pretende ainda chamar a atenção para esta separação, explorando a relação bidirecional entre a saúde oral e a saúde geral.

Vejamos alguns exemplos de doenças que estão associadas ou relacionadas de alguma forma, afetando a saúde geral e vice-versa: diabetes tipo II; doenças respiratórias , ex:  pneumonia, doença pulmonar crónica; complicações na gravidez, ex: baixo peso à nascença; doenças  inflamatórias intestinais, ex:  doença de Crohn e colite ulcerativa; algumas doenças renais, doença cardiovascular, doenças neurodegenerativas, ex: alzheimer, saúde mental, ex:  depressão; síndrome respiratória aguda grave por Coronavírus 2 (SARS-CoV-2); e cancro,  oral e faríngeo, de entre outras patologias, com crescente evidência científica.

Mais ainda, desde a sua implementação o Dia Mundial também alertar para a importância da literacia em saúde oral e a acessibilidade a cuidados de saúde oral à escala global.

Chegamos facilmente à conclusão, em termos de acessibilidade que a maioria das doenças da cavidade oral não são prevenidas nem tratadas.

Se nalguns países o número de profissionais de saúde oral, é claramente suficiente ou até excessivo, noutros, como é o caso de Portugal, face à dimensão da procura e acessibilidade dos cidadãos, exatamente o contrário que se verifica.

É um dos muitos paradoxos que temos, ao nível da formação de pessoas qualificadas: muitos médicos dentistas, necessidade enorme de tratamento à população devido a uma “carga” muito grande de doença instalada, e simultaneamente uma acessibilidade muito limitada das pessoas, fundamentalmente por falta de financiamento público implicando pagamentos diretos muito elevados da parte dos cidadãos. Na acessibilidade está aliás o busílis da questão, pois se por artes mágicas os residentes em Portugal tivessem um sistema de saúde capaz de gerar acesso para todos, o nº de médicos dentistas ativos e a exercer em Portugal que temos, seria talvez adequado ou até insuficiente…

O isolamento da saúde oral no contexto da saúde em geral agudiza ainda mais a situação.

Precisamos de combater esta realidade de separação para que a saúde oral não seja vista apenas como um assunto dos profissionais da área. É necessário que médicos, enfermeiros, psicólogos e nutricionistas, de entre outros, sejam capacitados para identificar, referenciar e consciencializar nas suas consultas e  interações com cidadãos e doentes a as doenças e patologias da cavidade oral, desta forma ajudando a reduzir desigualdades prevenindo ou promovendo tratamento de forma o mais precoce possível, ajudando a evitar a progressão da cárie e doença periodontal, reduzindo custos, melhorando o resultado e o prognóstico dos tratamentos. Quantos destes profissionais questionam os seus doentes sobre o estado da boca, mastigação e demais funções realizadas pela cavidade oral?

Por outro lado, na realidade portuguesa, os médicos dentistas estão subaproveitados no contexto da saúde em geral.

Porque não se conta com os médicos dentistas, com a sua qualificação médica, para levar a cabo algumas tarefas que são prestadas atualmente por médicos de família? Porque não estão os médicos dentistas autorizados a emitir atestados de saúde na renovação para carta de condução, quando já emitem os de doença? Ou emitir baixas médicas? Porque não colocar médicos dentistas em programas de vacinação, nomeadamente gripe e covid se, atualmente os utentes são frequentemente vacinados em farmácias?

Porque não são somos mais aproveitados? Nós os profissionais de saúde que mais injeções administramos, injeções intraorais de enorme dificuldade?

Porque não ter médicos dentistas a monitorizar algumas doenças crónicas, diabetes, hipertensão e doenças respiratórias? Nós que somos um grande grupo prescritor a par dos médicos, nas suas diversas especialidades…

Porque não permitir o acesso dos recém-diplomados médicos dentistas, sem integração no mercado de trabalho e obrigados a sair do país, ao curso de medicina com um ganho de cerca de 3 anos em termos formativos, desta forma acelerando a formação de médicos de que tanto necessitamos?

Somos muitos para pouco acesso da nossa população, imensamente necessitada de acompanhamento e estamos a fazer muito menos do que aquilo que poderíamos fazer.

É também nisto que se deve refletir no Dia Mundial da Saúde Oral.