Ainda mal o Plano de Resolução e Resiliência tinha sido aprovado, já a China se dirigia a Portugal, por entreposta pessoa, para se declarar interessada em investir em três áreas específicas: a tecnologia, a economia do mar e a saúde.

Numa conferência intitulada “China-Portugal: Novas Oportunidades no Contexto da Recuperação Europeia”, organizada esta segunda-feira pelo Banco da China, a Associação de Sociedades Chinesas em Portugal e a Associação de Jovens Empresários Portugal-China, Pequim veio prontamente declarar-se interessada em investir em Lisboa nas áreas acima descritas.

E qual é o problema? O investimento estrangeiro é bem-vindo. Aliás, países como Portugal podem beneficiar muito deste tipo de investimento se as empresas compradoras não estiverem nas mãos do Estado de origem e se a sua intenção for apenas obter dividendos dos investimentos. Ora, não é o caso. Empresas chinesas detêm assets fundamentais para o funcionamento da economia portuguesa e preparam-se, se lhes for permitido, para deter mais alguns.

A China trata Portugal como um país do Terceiro Mundo. Usa exatamente a mesma receita que usou para controlar os países mais pobres: jorrando dinheiro em infraestruturas sem aparentes compensações num momento de profunda fragilidade das economias nacionais. Agora as contrapartidas estão prestes a chegar.

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As clássicas podem até tardar um pouco. Aquelas a que temos assistido na vizinhança asiática: quando Pequim se aborrece com um problema geopolítico castiga economicamente, com boicotes, o Estado que a aborreceu. Mas há outras que podem vir mais cedo.

Três exemplos muito breves: Portugal, como, aliás, o resto da Europa, é dependente tecnologicamente dos Estados Unidos e da China. Não há inovação, mas também já não há alternativa a viver fora da crescente “digitalização”, anunciada, em si só, como um bem para a humanidade. Mas é um bem que põe parte da humanidade entre a espada e a parede, até porque as grandes potências em confronto têm vindo a desenvolver tecnologias alternativas e incompatíveis entre si. Quando for preciso fazer escolhas – e elas estão para breve –, estará Portugal em condições de escolher em liberdade?

Outra questão: no périplo de Biden pela Europa, apesar das reticências, o G7 e a NATO declararam – e aprovaram planos e documentos – para prosseguir numa trajetória de apoio aos Estados Unidos contra a China. Será Portugal capaz de acompanhar parceiros da Aliança Atlântica em situação de risco?

Finalmente: os Estados Unidos já perceberam que precisam de transformar as regras da economia internacional para, por um lado, manter viva a economia de mercado e, por outro, serem mais competitivos relativamente a Estados que beneficiam de estatutos com regras menos pesadas (incluindo a China), nomeadamente na Organização Mundial do Comércio. Os parceiros europeus também aceitam que novas regras mais equitativas são importantes para o rebalanceamento da economia internacional. Estará Portugal em condições para alinhar nesta empreitada internacional tão importante?

Na semana em que se celebram 100 anos de existência do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping já não esconde que a China tem ambições imperiais. O maior símbolo – e projeto dessas ambições são as Rotas da Seda. Segundo Yu Hui, analista sénior do Serviço de Informação Económica da China Sobre Países Estrangeiros, presente na conferência de segunda-feira em Lisboa, as Rotas da Seda estenderam-se a outros setores, como a Saúde, e há grandes oportunidades de cooperação entre os dois países. Mas oportunidades para quem? Para a submissão portuguesa ao controlo chinês?