A emergência do fenómeno eleitoral de Éric Zemmour no contexto das Presidenciais Francesas de 2022 marca mais um capítulo no caminho para a irrelevância do centro-direita francês e mostra o apetite do eleitorado francês por soluções anti-establhisment de ambos os lados do espectro político. Também no panorama político português se deve refletir sobre esta tendência no seu próprio contexto.

Como estrutura social, a França, historicamente, demarcou sempre uma linha muito clara de rutura com os poderes instituídos e uma veia marcadamente revolucionária. Da Profana Aliança celebrada com o Império Otomano para combate do quase-hegemónico Império de Carlos V, em 1536, à Revolução Francesa de 1789, os franceses sempre mostraram uma tendência de grande agitação e reivindicação social. No panorama político contemporâneo, é também com os gauleses que surge um dos primeiros movimentos relevantes marcadamente anti-sistema e antiestablishment na Europa, no contexto pós-2º Guerra Mundial – a Front National de Jean-Marie Le Pen – que, desde cedo, se mostra uma franja crescente do eleitorado. Na contemporaneidade, é também nesta região que os movimentos políticos deste tipo apresentam mais força e que se mostram mais relevantes, num espectro político largo que vai desde o Rassemblement National(RN) até à France Insoumise (FI), passando pela independência do jornalista e escritor mediático Éric Zemmour.

Os períodos de governação sofríveis do Les Républicains liderado por Nicolas Sarkozy, envolto agora em escândalos de financiamento ilegal para a campanha presidencial de 2012, e do Parti Socialiste liderado por François Hollande, em período de acentuada crise económico-financeira, períodos estes marcados, na visão de muitos, pela relegação a um papel de subserviência face à Alemanha, acentuaram o desprezo dos eleitores franceses pelo establishment, pelo centro político e pela necessidade de moderação. O desfecho é trágico para a direita e para o centro-direita franceses – com uma oportunidade histórica de capitalizar face a uma esquerda, tanto na sua vertente mais radical com a France Insoumise de Melenchón como com o PS de Anne Hidalgo, fortemente constrangida de um ponto de vista eleitoral, Le Pen e Zemmour conseguiram uma plataforma de apoio suficientemente larga para garantir o segundo lugar em contexto de Presidenciais, mas incrivelmente estreita e radical para apresentar uma alternativa credível e crível a uma liderança historicamente fraca de Macron. Por culpa própria, e apesar da sua grande relevância eleitoral, a direita, especialmente na sua vertente mais moderada, está condenada à irrelevância eleitoral e a um papel subalterno na política francesa.

Pelo lado de Les Républicains (LR), Bernard (principalmente), Barnier e Pécresse são os únicos candidatos capazes de derrotar Macron em contexto de eleições presidenciais em 2022. Marcam uma ala moderada da Direita capaz de oferecer uma alternativa ao liberalismo magnânimo e insípido do atual Presidente da Républica Francesa. Só a moderação pode oferecer soluções contra a atual liderança e o verdadeiro voto de protesto contra ela deve ser colocado naqueles que apresentam relevância eleitoral e moderação suficiente para atrair uma grande franja da população em contexto de segunda volta. O centro-direita é, em grande parte, responsável pela visão de desprezo e de descrédito com que muitos eleitores franceses olham para o partido liderado por Laurent Wauqiez. Mas tem agora uma oportunidade de ouro de mostrar que o centro é preferível aos extremos e que uma solução vencedora tem de procurar bases amplas de apoio ao centro político. Le Pen e Zemmour, dentro do apoio que colhem, são os sarcófagos de uma direita que vê nestes um movimento revolucionário, de rutura com um sistema que desprezam e que consideram que a eles, em particular, lhes falhou. Ainda que seja um importante indicador sociológico e social, é um desastre político e uma importante derrota para a direita.

Também Portugal e o seu cenário político devem estar atentos a esta reflexão. É fundamental entender que a oposição desinspirada e pouco acutilante que tem marcado o nosso País nos últimos quatro anos é a principal responsável pela emergência de franjas à sua direita que a votam à irrelevância e à incapacidade de ser uma solução agregadora para um futuro centrista e moderado de alternativa à fórmula de insucesso que tem liderado Portugal politicamente. É fundamental que se estabeleçam pontes e pontos de contacto. Para a grande maioria dos problemas que inquietam e afetam o eleitor português, a solução está naqueles que defendem o sistema e que se apresentam moderados nas suas alternativas.

O próximo Orçamento do Estado, independentemente do desfecho político que possa ter e da crise política que possa gerar, é fundamental para mostrar uma face enérgica, moderada e agregadora de uma oposição que, nos últimos quatro anos, não tem sido capaz de apresentar. Disso depende a sua relevância política e disso depende o seu futuro. A França, para todos e ao longo da história, tem sido um exemplo político, económico e, especialmente, social em diversos momentos. É fulcral que saiba ser reconhecido e analisado como tal.

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