O mestre já era algo conhecido no meio, por interpretações e análises interessantes e bem estruturadas, por vezes brilhantes. E também por algumas previsões inesperadas mas corretas (como daquela vez que investiu na bolsa americana e ganhou uma boa maquia em muito pouco tempo). Havia curiosidade em saber a sua opinião, até porque também possuía boa formação científica e cívica.

Foi interpelado por alguém com dúvidas.

– Mestre, porque se confina?

– Porque apesar de não ser a atitude ideal para conter esta pandemia (e por isso pouco eficiente), é relativamente eficaz e vai ter certamente resultados positivos. E é a única medida que se consegue implementar neste momento, em tão pouco tempo.

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– Como assim?

– Bom, o confinamento vai baixar os contactos e os contágios… menos pessoas ficarão doentes.  Mas há medidas mais eficientes, ou seja, com melhores resultados práticos na saúde da população e com menos custos para a economia e para a saúde mental de todos nós. Digamos, também, que é a solução possível. Da mesma forma que os alunos mais distraídos ou preguiçosos, que não estudaram durante o ano, nas vésperas de exame, no limite do prazo, vão fazer umas noitadas para conseguirem uma nota razoável.

– Mas porquê, há consequências se não confinarmos?

– Neste momento, é urgente que a propagação da epidemia seja controlada. Porque, a este ritmo de crescimento do número de pessoas doentes com Covid, haverá mais gente que ficará com doença grave e a precisar de internamento. E dentro de alguns dias, os hospitais não conseguirão acomodar todos. Aí, muitos podem morrer, uns por Covid e outros pela falta de assistência médica, a esta e às outras doenças.

– E há outra solução alternativa ao confinamento?

– Neste momento, não.

– Mas já houve outra solução possível, certo?

– Sim, claramente.

– Então?

– Bem, se a população cumprisse rigorosamente (e durante algumas semanas) algumas medidas propostas anteriormente, a Covid poderia ter muitíssimo menor expressão. Basta olhar para o que fizeram as pessoas em alguns países e que estão com uma situação sanitária muitíssimo melhor do que a nossa! Em termos do total de casos (por cada 100 mil habitantes), há imensos países com muito menos infetados.

– Quais?

– Por exemplo: Polónia, Hungria, Roménia, Chile, Peru, Dinamarca, Turquia, Rússia, África do Sul, Canadá, Grécia, México, Noruega, Índia, Indonésia, Japão e muitos mais. Até o Reino Unido, a Espanha, a Áustria, a França, a Argentina, o Brasil, a Itália, onde a epidemia foi muito agressiva e letal, estão agora com menos casos que nós! Melhor, numa tabela que inclui 236 países ou regiões, Portugal está no 24º lugar em número total de doentes Covid por cem mil habitantes! Fazemos parte do grupo de países onde isto não está a correr nada bem… Por outro lado, na mortalidade por Covid (por 100 mil habitantes), os números também são fracos: estamos em 35º lugar dos piores.

– Mas que podíamos ter feito de diferente?

– Vejamos. No início, nada de melhor e fez-se o que se pôde. Em março, ninguém sabia bem o que era isto, qual o perigo, o que fazer, o que não fazer. Por isso se confinou, com medo desta “nova peste” desconhecida. Ganhou-se tempo. Mas, a partir de Maio, e com os cientistas a trabalhar febril e incansavelmente, tem-se vindo a descobrir e a dar a conhecer muitas das características essenciais desta virose moderna. Por outro lado, a observação dos casos de sucesso pelo mundo fora poderia inspirar as autoridades a implementarem outras atitudes mais apropriadas. Nada de complicado e estamos cansados de ouvir falar nelas:

  1. Lavar as mãos com frequência;
  2. Praticar sempre o afastamento físico de outras pessoas. O vírus propaga-se pelo ar e quando um infectado conversa com outra pessoa próxima há risco elevado de contágio;
  3. Usar permanentemente a máscara, se perto de outros ou em espaços fechados;
  4. Preferir atividades ao ar livre.

Entretanto, descobriu-se um detalhe da máxima importância: que em espaços fechados, mesmo com máscara e com distâncias de dois metros entre pessoas, pode haver contágio! Aliás, em mais de metade das pessoas com Covid não se detetou claramente a causa da contaminação. O que nos fez suspeitar que o vírus se aproveita de uma pequena distração nossa e… Já está. O que obrigava a reforço das medidas referidas. Boas medidas dão bons resultados. Parece que quase nenhum dentista (uma profissão de risco elevadíssimo de contagio) apanhou Covid. Porque se protegem bem! Portanto, seria aconselhável e mais seguro aumentar ainda mais a distância de afastamento entre as pessoas; e ventilar melhor os espaços para diluir os vírus no ar, caso existam. E isso são atitudes para tomar sempre, continuadamente. Porque uma pessoa normal e aparentemente saudável pode estar contaminada e ser um potencial foco de contágio. Toda a gente devia saber e isso tem sido repetido até a náusea!

– Se isso era eficaz, porque não se fez?

– Ninguém sabe. As hipóteses mais prováveis são:

  1. Algumas pessoas (muitas) ainda hoje desconhecem como se propaga o vírus, ignoram a dinâmica da epidemia, têm dúvidas sobre a melhor maneira de evitar o contágio. Eu próprio verifico que quase todos falam uns com os outros (ou comigo) com uma proximidade angustiante. Uns em cima dos outros. É o hábito…
  2. Outras pessoas acreditam em pseudociência e teorias falsas, pelo que assumem comportamentos incorretos e perigosos. É grave.

– Então como se devia ter feito para evitar o contágio?

As pessoas precisam conhecer melhor a evidência científica. E saber exatamente o que devem e não devem fazer. Mas muitas pessoas há com pouca formação ou capacidades intelectuais pouco evoluídas. Como as levar a comportamentos corretos? Penso que quem estava melhor colocado para essa tarefa seriam as autoridades de saúde e os lideres institucionais. Conhecendo o povo, seria conveniente ter-se abraçado uma intensa campanha de informação, necessariamente assertiva, acessível, criativa, penetrante, repetitiva. Apoiada em meios eficazes e técnicas próprias da publicidade mais agressiva. Esta seria a medida mais importante de todas! A mais eficaz. E mais eficiente. E imprescindível. Mas ninguém pensou nisso, ninguém exerceu o poder para planear e executar esta tarefa absolutamente fundamental. E que prometia resultados tremendos: muito menos doentes graves, muito menos doentes internados, muito menos sofrimento humano e mortes. E muito menos custo económico. Olhemos para fora, para os países “inteligentes”. A solução estava bem à vista.

– Mas porque é que ninguém avançou?

– Não sabemos. Há sinais fortes que indicam que as autoridades não perceberam a gravidade desta doença, desta epidemia. Nem logo, nem mais tarde, quando já muitos tinham compreendido isso. Nem compreenderam a extraordinária facilidade com que o vírus se propaga (se percebessem, não permitiriam nenhuns ajuntamentos). E ainda não percebem bem isso hoje … Outros falam em instituições corroídas pela ignorância, impreparação, preguiça, nepotismo e corrupção endémicas, incapazes de nada que não seja olharem pelos seus próprios interesses egoístas e mesquinhos. Depois, se chegaram a ter um vislumbre da enorme gravidade da Covid (a vários níveis), as autoridades foram absolutamente ineficazes em comunicar com os cidadãos. A máquina de propaganda, aqui, falhou clamorosamente.

Mais ainda, caso a informação fosse compreensível e acessível a cada uma e a todas as pessoas, falhava uma terceira condição fundamental. Não havia e não há capacidade de forçar os renitentes a terem os comportamentos corretos. Não existe autoridade. Por ideologia, incompetência ou interesse, não tínhamos fiscalização nem punição dos infratores. Discutiu-se o assunto e parece que se deu preferência às qualidades pedagógicas (e não persecutórias) dos conselhos das autoridades.

À clamorosa falha de comunicação seguiu-se a excessiva tolerância. Foi-se complacente com quem não cumpria as normas, colocava em risco de vida os outros e comprometia as economias de muitos. As franjas da população menos educada ou esclarecida tiveram dificuldades em saber o que fazer. Pois os exemplos de maus comportamentos vinham de todo o lado e repetiam-se.

– Que exemplos?

– Vejamos: Ajuntamentos de jovens em grupos de diversão noturna não foram sempre imediatamente contrariados e prevenidos, e eventualmente punidos, uma boa forma de dissuasão; o excesso de pessoas em lojas e supermercados, com máscaras mal colocadas e sem distâncias de segurança não foi investigado, contrariado e impedido. E assim continua hoje; transportes públicos lotados e mal arejados não foram suplementados com mais viaturas, mais regras e mais fiscalização.

– Não havia dinheiro…

– Acho que faltou um programa diário, uma espécie de tempo de antena, à maneira das campanhas eleitorais legislativas. Dez minutinhos antes dos telejornais, de cariz oficial, inquestionável, claro, esclarecedor, que chegasse a toda a gente. Para isso faltou consultar as melhores companhias publicitárias para nos “obrigarem” a pôr a máscara, afastarmo-nos, apanharmos mais ar puro. Estes seriam pequenos investimentos com muito retorno! Aquele anúncio da TV com uma pessoa acamada e imóvel nos Cuidados Intensivos é a antítese da eficácia e do bom gosto. Não somos capazes de melhor do que isso?
Para não falar das pessoas com responsabilidades, a apresentarem discursos negacionistas e facilitistas, com comportamentos deploráveis, sem máscaras, sem distanciamento, em debates em espaços fechados…

– E que podemos fazer agora?

– Confinar e ser vacinado.

– Li que em Portugal há já oito mil mortos por Covid e biliões de euros em prejuízo…

– Mas não tinha que ser assim. Fomos relativamente poupados em março, mas as coisas descontrolaram-se ultimamente.  Mesmo com muitas falhas, um mínimo de planeamento e alguma ação e seria de esperar muito menos mortalidade e muito menores prejuízos económicos. Notou que até hoje, quase 90% dos países de todo o mundo tiveram um número total de doentes Covid (por cada 100mil habitantes) menor que Portugal? 90%! É obra.

– E não há responsáveis? Não há consequências? Para que isto não volte a acontecer, pelo menos…

– Haverá certamente, isto não é a república das bananas… Mas é assunto para outro dia.