Tom Hayden ocupa um lugar particular na história política norte-americana. Foi eleito presidente da Students for a Democratic Society (SDS), a maior organização ativista de estudantes universitários dos Estados Unidos, e redigiu o seu manifesto, o Port Huron Statement, em 1962. Coube a Hayden mobilizar os estudantes para os protestos que tiveram lugar em Chicago no contexto da convenção do Partido Democrata em 1968, acabando por ser envolvido no processo que deu origem ao célebre julgamento Chicago Seven.

O filme de 2020 sobre esse julgamento permite compreender como Hayden se tornou um político de relevo, tendo sido membro do Senado e da Assembleia do Estado da Califórnia pelo Partido Democrata: apesar de convicções políticas radicais, procurava cumprir a lei sem pôr em causa as instituições, numa atitude de moderação que contrastava com a excentricidade de Abbie Hoffman, um dos fundadores do Youth International Party, mais conhecido como “Yippies”. Ainda assim, manteve vivo o fogo do radicalismo que animou a sua juventude, como é possível observar pelo brinde que fez no casamento do filho (da sua relação com Jane Fonda), em que celebrou o facto de aquela relação inter-racial ser “mais um passo no meu objetivo de longo prazo: o desaparecimento pacífico e não violento da raça branca” (infelizmente para Hayden, que morreu em 2016, o casal ainda não teve filhos).

No Manifesto de Port Huron, Hayden responde ao desafio de C. Wright Mills e a sua “Letter to the New Left”, publicada em 1960, de que deveriam ser as gerações mais novas a promover a revolução nos países ocidentais – revolução que, por influência de Gramsci, seria agora cultural. E as universidades surgiriam como locais privilegiados para essa revolução pelo que estudantes e professores deveriam trabalhar em conjunto para levar a cabo o assalto aos centros de poder.

Este espírito de protesto, marcadamente geracional, assumia-se fundamentalmente como de contracultura: contra a guerra no Vietname, contra as desigualdades raciais, mas também contra o país que herdavam dos seus pais e que consideravam imperialista, materialista e autoritário. E encontramos a mesma inspiração na Europa, com a ocupação das ruas e das universidades em Paris, os slogans irresistíveis e o espírito de libertinagem que seria rapidamente integrado pelo modelo capitalista quando aconteceu aos jovens manifestantes aquilo que acontece a todos os jovens: envelheceram e passaram a ver o mundo de outra forma.

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Felizmente, a vitória da New Left não se traduziu na consagração de roupas hippies, relações poliamorosas ou consumo habitual de marijuana. Infelizmente, aconteceu no interior das universidades, com a transformação dos currículos, a introdução das teorias críticas e gerações de professores, com pouca diversidade política, que estimulam nos alunos uma mentalidade de vitimização identitária e de revolta contra “o sistema”. É isso que encontramos nos protestos que, nas últimas semanas, marcaram as universidades norte-americanas e que acabaram por ser copiados na Europa. Tendo chegado até nós, fizeram com que algumas universidades portuguesas se vissem confrontadas com a dificuldade de saber como lidar com a ocupação dos seus espaços ou, em casos mais extremos, com danos nos edifícios e destruição de bens.

Os protestos nas universidades convocam particularidades: há uma longa tradição de considerar que as universidades são espaços com autonomia especial e que essa autonomia garante uma aplicação distinta das regras que valem para o resto da sociedade, nomeadamente quanto a protestos políticos. A crise académica de 1962 e a entrada das forças de segurança são sempre recordadas como imagem dessa particularidade e símbolo de acontecimentos que não queremos repetir. Mas, na verdade, os tempos são hoje muito diferentes e as universidades já deixaram de ser espaços de autonomia: não só muitas impedem os alunos de promover ações de praxe dentro dos campi, como também se aceitou com leveza que a polícia entrasse numa faculdade porque um professor estaria a dar aulas sem máscara.

Ainda assim, a liberdade de os estudantes se manifestarem não pode ser posta em causa, mesmo – ou principalmente – quando não concordamos com os protestos (ou percebemos imediatamente a sua fragilidade), pois só assim garantimos que o direito prevalece quando concordamos. E, nessa medida, ocupar o espaço exterior, ou mesmo espaços interiores comuns, parece legítimo. Mas nem tudo pode ser validado: os estudantes devem ser responsabilizados em caso de danos nos edifícios, invasão de espaços fechados e comportamento destrutivo, o que justifica chamar as autoridades. O mesmo vale para atos de violência, nomeadamente impedir a realização de aulas ou que professores e colegas se movimentem no mesmo espaço.

Todos estes aspetos têm, naturalmente, a sua relevância e têm sido, por isso, debatidos no espaço público, mas representam discussões normais sobre como, num contexto democrático, se deve lidar com manifestações, protestos e exigências políticas – em particular, quando estão em confronto interesses legítimos diferentes, como o de manifestação, por um lado, e a segurança, por outro. Mas tudo isto parece constituir uma distração daqueles que são os verdadeiros problemas do ensino universitário entre nós.

É que, na verdade, a mais preocupante das ocupações das universidades hoje não é a dos protestos políticos. O que nos deve preocupar é a ocupação feita pelos pais dos alunos, que, convencidos de que a universidade é a continuação do ensino secundário, os Diretores de Curso são Diretores de Turma e os Presidentes das Faculdades são Diretores da Escola, procuram intervir recorrentemente como “encarregados de educação”. Uma instituição que se fundava na relação entre adultos é hoje regularmente ocupada por pais que se esquecem de que os seus filhos são maiores de idade, questionando notas e decisões e procurando solucionar os problemas dos estudantes.

Como pode a Universidade preservar a sua história e a sua missão quando a superproteção educativa gera cada vez mais jovens sem autonomia e incapazes de lidar com conflitos e tomar decisões sem ajuda de “adultos”? Mais uma vez, a culpa não é deles – mas em vez de nos preocuparmos com o facto de a polícia não dever entrar nas universidades, devíamos ser mais claros em afirmar que os pais não devem entrar nas universidades. E devem deixar os jovens tomar decisões e cometer erros, estudar pouco e reprovar, ver-se envolvidos em conflitos e resolvê-los, organizar protestos por vezes absurdos e ser responsabilizados por isso. O mesmo é dizer, tornarem-se adultos.