O Objectivo de um Ano Novo não é que tenhamos um novo ano. É que tenhamos uma nova alma.” (G. K. Chesterton)

Vi recentemente O Grande Ditador, um filme escrito, produzido e realizado por Charles Chaplin em 1940, onde este interpreta duas personagens: a de Adenoid Hynkel, ditador da Tomânia, e a de um barbeiro judeu.

Resumindo a história, Charles Chaplin é um barbeiro judeu perseguido que, graças às suas semelhanças físicas com o ditador Hynkel, assume, a determinada altura do filme, o lugar do mesmo. Entre diversas tropelias, um humor requintado, uma história de amor entre o nosso herói e Hannah, que começa quando este lhe decide fazer a barba, o filme acaba com um discurso de Chaplin, o barbeiro judeu no papel do ditador.

Esse discurso final, torna-se um dos momentos mais marcantes do cinema, transformando-se, num tratado de beleza moral e uma ode à vida e boa convivência entre todos. Com mais de 80 anos, este discurso, encontra-se, nos dias de hoje, mais actual que nunca.

Para 2024 gostava que o Mundo visse o filme e ouvisse o discurso de Chaplin.

Muito mais do que de máquinas, precisamos de humanidade” *

As empresas e os grandes gestores devem vê-lo, na esperança de perceberem que o sucesso não são só resultados. São também formas e modelos de actuação. São modelos de gestão onde o amor deve ser o critério (como referi num artigo anterior, O amor nunca sai de moda“, Observador). Sem estigmas de um conceito muitas vezes mal interpretado, é ganharmos todos a noção de que tão importante como o fim também é o meio com que se o alcança.

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A alma do homem ganhou asas e começa, afinal, a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança” *

As famílias devem ver o filme para perceber que o amor só acontece com liberdade. E mesmo oprimidos, e separados, a história do pequeno barbeiro judeu e da sua Hannah tem, mesmo que não o vejamos, um final feliz. O amor é inseparável. Por muito que se queira tirar o que se sente, através de um sem número de restrições, se faz sentir, faz sentido. Porque as nossas histórias são sempre histórias de amor.

Os mais jovens, devem assistir ao filme, para perceberem que os problemas de 1940 continuam a ser os problemas de hoje. No entanto, e a mensagem é clara, nunca devem perder a esperança num futuro melhor. O futuro faz-se com a certeza de que pode ser melhor.

É com estas promessas que gente perversa tem subido ao poder. Mas só para abusar da vossa credulidade. Não cumprem o que prometem. Nunca cumprirão!” *

Aos políticos e detentores de cargos públicos, da esquerda à direita, deve ser obrigatória a visualização do filme antes da assumpção de qualquer cargo ou lugar. Este discurso explica-nos as consequências que as falsas promessas criam. Os nacionalismos exacerbados surgem após se constatar que os políticos são vazios na sua essência, e misturam o conceito de compromisso com o da promessa fácil e por vezes sem sentido. O que, em tempo de eleições deve ser feito com elevado cuidado e responsabilidade.

Este discurso de Chaplin, mostra-nos que no presente, o progresso, per si, não tornou o nosso mundo num lugar melhor. Não basta dizer que somos civilizados ou que triunfamos como humanidade, pois a discriminação e a injustiça não desapareceram. A maldade existe, e como assistimos nos dias de hoje, as guerras continuam a assombrar o futuro dos nossos filhos. Este texto permanece intemporal, porque à data de hoje não resolvemos nenhum dos problemas do passado. Pelo contrário, até arranjámos novos (por ex.: alterações climáticas).

2024 não trará nada de novo, por muito que o desejemos. O Mundo continuará a ser o Mundo. O Médio Oriente continuará instável, a guerra na Ucrânia continuará a ameaçar o resto da Europa. Continuará a existir fome no planeta. As alterações climáticas continuarão a ditar novas formas de consumo. Continuará a haver uma onda de crescentes nacionalismos que irão muito provavelmente condicionar os fluxos migratórios num futuro próximo. O Papa irá continuar a pedir tolerância entre os povos e irá manter o constante apelo à Paz. Os cristãos irão continuar a ser perseguidos. Mas o Mundo irá continuar… e nós também.

Em Portugal teremos eleições em março, e provavelmente seis meses depois, se não houver entendimentos parlamentares. Os impostos, e as taxas de juros nos créditos irão continuar a “afogar” as famílias de classe média, e a condicionar a aquisição de habitação própria por parte dos casais mais novos. Continuaremos a culpar a migração como parte do problema que não sabemos ter. Continuaremos a esperar que o Benfica seja campeão e que voltemos a vencer a Eurovisão. Portugal irá continuar… e nós também.

Mas a todos nós caber-nos-á a responsabilidade de fazermos a nossa parte. Sermos delicados e gentis para com o próximo, cumprir com as nossas obrigações para com o outro e para com estado, embora saibamos que é sempre difícil o estado responder na mesma medida. Caber-nos-á continuarmos a viver, respeitando o que sentimos e a sentir o que vivemos.

Desejo, como comecei, com as palavras de Chesterton, que o Ano Novo nos traga uma nova alma.

* Retirado do filme O Grande Ditador